Um coletivo de jovens está mudando a história da comunidade amazônica de Cabelo Seco, no Pará

Sandoval Maia, Évany Valente, Elisa Dias, Caroline Valente, Carol Sousa, Matheus Sá, Camylla Alves, Rafael Varão, Pablo Diego e João Paulo Sousa, juntos no Barracão da Cultura do Rios de Encontro.

Sandoval Maia, Évany Valente, Elisa Dias, Caroline Valente, Carol Sousa, Matheus Sá, Camylla Alves, Rafael Varão, Pablo Diego e João Paulo Sousa, juntos no Barracão da Cultura do Rios de Encontro. Foto: Rios de Encontro/Divulgação

Em uma pequena cidade próxima à Serra dos Carajás, região amazônica onde está a maior jazida com ferro de qualidade do mundo, jovens do coletivo Rios de Encontro promovem arte e reflexão para preservar a cultura ribeirinha local. O Global Voices foi visitá-los pessoalmente em Cabelo Seco, comunidade onde atuam localizada na cidade de Marabá, no Pará, para conhecer seus projetos.

O coletivo, fundado pela arte-educadora e gestora cultural Manoela Souza e o escritor e artista plástico Dan Baron, tem 14 microprojetos em curso cujo objetivo é disseminar a ideia de que desenvolvimento não precisa destruir rios e matas locais.

Dentre esses projetos, estão a banda Latinhas de Quintal, vencedora do premio nacional da UNICEF em 2011, e a Companhia de Dança AfroMundi, vencedora do prêmio nacional de Jovem Agente de Cultura (MinC 2012). Juntos, os dois projetos também ganharam o prêmio anual da Organização Internacional de Ensino Cultural Creative Connections, em 2014, com o CD Amazônia Nossa Terra e o espetáculo de dança Lágrimas Secas:

No dia 16 de abril, o grupo viaja para se apresentar o espetáculo Lágrima Secas em Nova Iorque. Com apoio de Dan Baron, as coreografias foram elaboradas pela coordenadora jovem da Companhia, Camylla Alves, de 19 anos. Ela contou ao Global Voices:

O projeto mostrou isso, que a gente tem a capacidade de sonhar e realizar nossos sonhos. A gente pode dançar, cantar, ser livre. Lágrimas Secas dramatiza os grandes rios do mundo secando e pegando fogo depois da construção das hidrelétricas e assassinatos das nascentes.

Em seu trabalho, Camylla combina músicas e coreografias africanas com linguagens contemporâneas, refletindo a história do seu povo e suas próprias raízes. Assim como outros jovens coordenadores, ela ganhou uma bolsa do Rios de Encontro para realizar pesquisas artísticas, o que garante o seu sustento. Em uma cidade classificada como uma das dez mais violentas para jovens negros no Brasil, o Rios de Encontro fornece ferramentas de auto-afirmação e auto-estima para esta população.

Hoje somos uma família, segredos tudo a gente compartilha. A comunidade ainda tem fraquezas, brigas e rixas, muita preocupação em casa e nas ruas, mas a gente tenta passar por cima disso.

Fortalecidos pela recepcão na noite cultural em Cabelo Seco, Camylla Alves, Lorena Melissa e João Paulo Perreira de Cia AfroMundi apresentam 'Lágrimas Secas' no Colóquio 'Fronteiras e Territórios' na UNIFESSPA, no dia 02 de març

Camylla Alves, Lorena Melissa e João Paulo Sousa em performance do espetáculo Lágrimas Secas/ Foto: Rios de Encontro/Divulgação

Outro projeto é a Rádio Arraia, que ganhou uma das bolsas do Rising Voices Amazonia de 2014. A rádio funciona como uma grande difusora da produção artístico-cultural da turma. Jingles são feitos para espalhar a notícia sobre as apresentações ou trazer mais consciência sobre práticas ecológicas como o uso da energia solar. A ideia é contrapor o discurso oficial a favor da construção de hidrelétricas e trazer à discussão alternativas sustentáveis de desenvolvimento.

Ouça jingle que convida as pessoas a carregarem os celulares no barracão do Rios de Encontro, onde já existe uma placa solar

Esse jingle circulou convidando a vizinhança para a apresentação do espetáculo Lágrimas Secas

Os encontros do coletivo acontecem em dois locais na comunidade de Cabelo Seco. Próximo à orla, onde os Rios Itacaiúnas e Tocantins se encontram fica a Casinha de Cultura. Lá acontecem as reuniões do grupo facilitada pelos coordenadores adultos Dan Baron e Manoela Sousa. É onde se fica sabendo de tudo que acontece na vizinhança. “A janela é nosso grande meio de comunicação”, brinca Manoela.

A 50 metros dali fica o outro ponto de encontro: um barracão com área coberta, onde acontecem as apresentações artísticas. Elisa Dias, 18, e Caroline Valente, 18, também conversaram com o Global Voices. Elisa coordena o Roupas ao Vento, projeto dedicado às questões de gênero, e costuma aconselhar as garotas sobre como evitar violência em casa e nas ruas. Ela conta como Dan e Manoela foram marcantes na vida dela:

Quando engravidei, com 15 anos, recebi muito apoio de Dan e Manoela, o que não recebi em casa. Decidi ficar com o bebê (Pietro). Já estava acostumada a tomar conta dos meus irmãos. Eu cuidava dos meus irmãos enquanto minha mãe ia lavar roupa no rio.

Caroline gosta de contar histórias e por isso se tornou a jornalista social do projeto. Ela chegou também a criar o projeto Nem um Pingo para documentar a vida dos moradores locais:

O Rios de Encontro fortaleceu mais o que quero pra mim. Criei o Nem um Pingo e foi bem legal. A gente filmava, documentava e apresentava para a comunidade toda. Escutava várias histórias diferentes e engraçadas.

Elas estão no Rios de Encontro há sete anos, desde que fundaram o grupo musical Latinhas de Quintal, formado por cinco meninas. Elas continuam juntas: Camila e Caroline são as cantoras principais à frente da banda e Elisa toca percussão.

Apresentação do grupo cultural Latinhas de Quintal no palco da comunidade de Cabelo Seco

Mais envolvimento, menos des-envolvimento

Enquanto o trem da Vale do Rio Doce, uma grande empresa brasileira de mineração, cruza 892 quilômetros entre os estados do Pará e do Maranhão carregando mais de 120 milhões de toneladas de minério por ano, toda a movimentação artístico-cultural do Rios de Encontro busca reafirmar a memória amazônica em Marabá e o modo de vida ribeirinho local. O foco é o desenvolvimento pessoal e a capacidade de construir vínculos saudáveis como grupo. “Queremos mais envolvimento e não des-envolvimento”, diz Manoela Souza.

Além de lidar com os problemas causados pela construção de hidrelétricas em rios locais, a comunidade também tem tido que lidar com a possibilidade de ser desfeita, pois muitos moradores estão indo morar em um bairro do Minha Casa, Minha Vida, projeto de habitação popular do Governo Federal.

Sem muita estrutura como escola, hospital e muito menos um belo rio próximo, o bairro construído pelo governo tem o nome de Morada Nova. Distante 15 quilômetros de Cabelo Seco, para se deslocar entre um local e outro, é preciso viajar até duas horas dentro do ônibus. Assim, irmãos, primos e até mesmo amigos começaram a conviver cada vez menos.

Para o mestre da comunidade, Zequinha Sousa, Cabelo Seco corre o risco de dar lugar a um ponto turístico:

Cabelo Seco é uma área perigosa, mas todo mundo quer. É um lugar privilegiado de beleza. As pessoas não têm consciência do lugar onde moram. Muitas foram e estão arrependidos, porque o rio deu vida à cidade. Eu fui pescador, meu pai foi pescador. Ele sofreu por causa da barragem não tem mais aquela fartura, mas ainda é um lugar com um pôr do sol todo especial.

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