[Todos os links levam para páginas em inglês, exceto quando outro idioma for indicado]
Debrah Lewis começou a perceber a diferença entre o sistema de saúde privado e público em Trinidade e Tobago toda vez que ela transferia um mãe em trabalho de parto para o hospital. A primeira coisa que lhe chamava a atenção era o olhar de angústia nas faces dos futuros pais. “Nós nos preocupamos com as condições do seu bebê”, ela educadamente dizia. Mal ela mencionava a palavra “hospital” e a mãe choramingava, “Mas eu estarei completamente só!” e o pai completava,”E eu não poderei estar lá para o nascimento!”.
Lewis, parteira há trinta anos, e uma ferrenha defensora de pais e famílias, achou a situação desoladora. Em Trinidade e Tobago – como em muitos outros territórios caribenhos – os pais tem o direito de assistir ao nascimento dos seus filhos constantemente negado. E Lewis, principalmente por meio da Associação de Parteiras de Trinidade e Tobago, tem feito pressão para mudar essa situação.
Depois de anos, as mudanças começam a surgir, mas o progresso é lento e na maioria das vezes aleatório. O Hospital Geral São Fernando (o maior estabelecimento de saúde na parte Sul da ilha) ainda nega aos pais o acesso à sala de parto. No hospital Sangre Grande, que serve a parte Leste de Trinidade, os pais necessitam assinar um formulário concordando em aceitar certas normas. Em Porto de Espanha [pt], a capital do país, o hospital geral conta com muito mais condições e mesmo satisfazendo todas as exigências, incluindo a participação em aulas de preparação de parto, não há garantia que os pais assistam. A permissão para a entrada na sala de parto depende frequentemente da vontade da equipe médica, que sempre apresenta desculpas para não incluir o pai. “Nós somos bastante ocupados”. “Nós não temos tempo para lidar com isso”. “É uma situação delicada”. “É decisão nossa”.
Lewis argumenta que não é assim. Na verdade, um pai, em prantos, a chamou no meio da noite, implorando que ela interviesse. Ele havia passado por uma série de obstáculos para ter a certeza que estaria presente quando sua criança nascesse; quando chegou a hora, a equipe não o deixou entrar. Apesar dos seus contatos, Lewis não conseguiu convencê-los. Ela acha que a postura do sistema público nessa questão é hipócrita. “Essa criança não nascerá novamente”, ela explica. “Mas então as pessoas se viram e reclamam que nossa sociedade está deteriorando; que os pais não mantém presença ativa na vida das suas crianças. Ainda, quando aquela criança vem ao mundo, os pais não têm permissão para estarem presentes”.
Como diretora-executiva do Mamatoto Resource & Birth Centre, um centro comunitário de parto fundado em 2004 para ajudar a atender à demanda por cuidados na gravidez centrados na família, a contradição parece ser especialmente bizarra para Lewis.”Eu não acho que a maioria das pessoas percebam que a discrepância entre a assistência pública e a privada é tão grande”, diz ela. “Eles não entendem que um grande número de pais não pode se dar ao luxo de ver o nascimento dos seus filhos”.
No final de novembro do ano passado, Lewis fez uma apresentação no TEDxPortofSpain. O tema era “Conectando-se” e muitos na plateia esperavam que ela falasse sobre a conexão maternal. Em vez disso, Lewis salientou a presença dos homens nas vidas das mulheres. “Eu sou uma feminista”, ela diz, “mas o feminismo tem injustiçado os homens frequentemente.” Eles levam a culpa por coisas que nós não os deixamos fazer. Os homens têm suas questões, e nós somos parte do problema. O meio do espectro é onde precisamos estar, mas estamos na outra ponta”.
Regionalmente, as políticas não são baseadas em pesquisas atuais ou evidências empíricas – e até mesmo quando existem novas normas de procedimento, elas não são implementadas. Por exemplo, o hospital Mount Hope, que quis alcançar o status de hospital amigo dos bebês, tem uma política bastante moderna, mas não a põe em prática. Lewis sustenta que existe um modo fácil de remediar a situação e que isso está nas mãos dos pais. “As pessoas têm que exigir”, ela diz, “e quando um número considerável pessoas o fazem, tudo o que o Ministério da Saúde deverá fazer é instituir uma política nacional. Há algo chamado Estatuto dos Direitos dos Pacientes, uma vez que o direito dos pais estarem presentes no nascimento dos seus filhos faça parte da lista, os hospitais públicos deverão seguir o determinado. Eles não terão mais desculpa”.
Em antecipação àquele dia, Lewis está focando na educação do público. A Associação de Parteiras e Mamatoto dão palestras onde quer que sejam chamados: igrejas, escolas, centros comunitários. A missão deles é simples: é educar as pessoas acerca de suas escolhas para que assim tomem decisões informadas. “Nós simplesmente informamos as pessoas”, Lewis explica. “Nós tentamos não influenciá-las de forma alguma”. Quando ela vai às escolas, é mais para aumentar a conscientização do que propriamente dizer o que as parteiras fazem, e ela é sempre guiada por perguntas feitas pelos estudantes. Mas é justamente aí onde reside a raiz do problema. “Nos pediram para mudar a linha das questões caso as meninas perguntem em que ponto do ciclo menstrual elas podem engravidar. Os membros das Associações de Pais e Mestres teriam nos pedido que fossemos embora caso levantássemos o tópico do sexo seguro. Portanto por que somos silenciados quando, então, defrontados com o medo e a ignorância nas questões de trabalho de parto e nascimento? Deveríamos deixar que todos falassem a respeito”.
Esse mês, Lewis, com o envolvimento nos grupos de pais (incluindo a Associação de Pais Solteiros de Trinidade & Tobago), espera que o público responda em grande número para mudar a orientação dos hospitais públicos nessa questão. “Mais pessoas precisam dizer ‘não'”, ela conta, e ela não está se referindo apenas ao serviço de saúde pública. Muitas companhias que atuam em Trinidade e Tobado – até mesmo multinacionais – não dão apoio aos pais. A maior parte das empresas locais concedem um dia de folga para o novo papai; as entidades de origem estrangeira são um pouco mais generosas, concedendo licença de dois até três dias. As condições das licenças-maternidade não são muito melhores. Enquanto países desenvolvidos, como o Canadá, dão licenças de um ano inteiro de trabalho para as novas mães, em Trinidade e Tobago, elas ainda conseguem três meses – bem, agora quatorze semanas em vez de doze, graças à influência das organizações que Lewis representa – mas a regulação do tempo não está em sintonia, considerando que o Ministério da Saúde quer encorajar a amamentação até seis meses após o parto, no mínimo.
Para Lewis, algumas vezes a batalha toda se parece como um trabalho hercúleo, mas quando ela escuta um pai de primeira viagem dizer algo como, “Eu tenho um filho! Eles me deixaram vê-lo”! ; ela se motiva a continuar. “É tão triste”, ela diz.”Imaginem se aquele homem tivesse segurado o bebê dele no momento do nascimento? Aquele momento inicia o relacionamento familiar–mãe, pai e criança – não importando se os pais são casados ou não. Ele imprime um relacionamento com aquela criança que é difícil de recriar. Os instintos protetores dos homens se formam, o seu papel de provedor é iniciado e o desenvolvimento do seu relacionamento com aquela criança – e com a mãe da criança – começa naquele momento”.
Confira na PRI (Rede Pública Internacional) a série The Ninth Month (#ninthmonth) sobre a saúde maternal mundo.