Tente ser uma jornalista mulher no Quirguistão. Sua fontes masculinas dão em cima de você. O tempo todo.

BFC6

O coletivo feminista de Bishek SQ, capital do Quirguistão é um dos movimentos sociais que trabalham com questões de gênero no Quirguistão, sendo vencedor do Rising Voices. Foto do coletivo feminista de Bishek SQ. Está escrito no cartaz: “Eu preciso do feminismo porque as pessoas devem respeitar os meus limites pessoais. Não preciso de conselho ou instrução de ninguém”.

Batalhas de gêneros continuam tendo papel central na política e na sociedade do Quirguistão. Enquanto mulheres ocupam posições proeminentes na vida pública, notavelmente mais do que em outros países vizinhos, a manutenção contínua de estereótipos negativos e o assédio afetam a capacidade de muitas realizarem seu trabalho.

O comovente trecho a seguir, originalmente escrito pela jornalista quirguiz Asel Kalybekova para o blog Inside the Cocoon da Eurasianet.org, foi postado sob o título de Bishkek Journal: I want an Interview, Not a Date(Bishkek Jornal: Eu quero uma entrevista, não um encontro):

When I knock on the door of yet another Kyrgyz politician, civil servant or businessman, I have many questions. That’s my job as a journalist. But the most nerve-racking question is not in my notebook: Will he hit on me?

The first time I interviewed an official in Bishkek, he tried to hold my hand while we were alone in his office. I left, humiliated, thinking this would never happen again. I was wrong.
The idea that women are no more than pieces of meat is deeply engrained here. Indeed, until recently, Kyrgyz law called sheep rustling a more serious crime than bride kidnapping.

Women are taught to blame themselves. A study of 8,000 Kyrgyz women released in January found that 6 percent believe a woman deserves to be beaten if she burns dinner, 23 percent if she leaves the house without telling her husband. Last summer, a female member of parliament lobbied to ban girls under age 22 from traveling abroad. She said she wished to “preserve the gene pool.”

At first, I thought the advances were my fault, that I had dressed or acted inappropriately. I changed my makeup and started wearing glasses to look older. But they haven’t stopped. Men regularly call me after interviews, suggesting we have a coffee to “get to know each other better.” Professionally, it is challenging to tell a member of parliament or a minister that I’m not interested while leaving the door open for future interviews

Quando bato a porta de qualquer político, servidor civil ou homem de negócios quirguiz, eu tenho muitas perguntas. Esse é meu trabalho como jornalista. Mas a pergunta que mais me dá nos nervos não está no meu caderno: será que ele vai dar em cima de mim?

A primeira vez em que entrevistei um oficial em Bishkek, ele tentou segurar minha mão enquanto estávamos a sós em seu escritório. Saí de lá, humilhada, pensando que isso nunca aconteceria novamente. Eu estava errada.

A ideia de que mulheres não passam de pedaços de carne está profundamente enraizada aqui. De fato, até pouco tempo, a lei quirguiz considerava roubo de ovelhas um crime mais grave do que o sequestro de noivas. As mulheres são ensinadas a culpar a si mesmas. Um estudo com 8 mil mulheres quirguizes, publicado em janeiro, revelou que 6% delas acreditam que a mulher merece apanhar se queima o jantar, 23% se ela sai de casa sem avisar ao marido. No verão passado, um membro feminino do parlamento fez lobby para proibir garotas abaixo de 22 anos de viajar para fora do país. Ela disse que queria preservar o “conjunto de genes”.

Primeiro, pensei que as investidas eram minha culpa, que eu havia me vestido ou agido de maneira imprópria. Mudei minha maquiagem e passei a usar óculos para parecer mais velha. Mas eles não pararam. Constantemente homens me ligam depois de entrevistas, sugerindo para irmos tomar café “para nos conhecermos melhor”. Profissionalmente, é desafiador dizer a um membro do parlamento ou a ministro que você não está interessada e ainda manter a porta aberta para futuras entrevistas.

Kalybekova ecoa ainda uma reclamação comum entre mulheres jovens no Quirguistão, dizendo que homens casados utilizam redes sociais, como Facebook, para assedia-las:

The flirting is not limited to phone calls or passes behind closed doors. Recently, I met a prominent, Western-educated politician. What started with an offer to give me a ride home turned into a series of texts and Facebook messages about how he is thinking about me and wants to see me. I know his daughter well; she’s a year younger than I. I told him, but he didn’t stop.

I thought I was alone. But friends share similar experiences. One, who is now 28, used to work as a secretary in a government agency, where she says she was constantly propositioned for sex. She never dared to raise her frustration with her superiors. “No one would take it seriously. I am a woman, and that means that I will always be the one to blame.” She quit. Her treatment discouraged her from pursuing a career. She is now a stay-at-home mom.

A family friend, Aizhan, 48, who is a successful chief-accountant at a large private company in Bishkek, told me she has had to fight sexual harassment throughout her long career. “I was often told that if I want to succeed, I had to be ‘friendly’ with my bosses and business partners. Of course, friendship is the last thing they want,” Aizhan told me.

The most appalling thing is that these sleazy men expect us to like it. Why else would I come to their office? Young, single, what else could I want? By some Kyrgyz standards, because I’m in my mid-20s and not married, I must be loose.

When I walk through the halls of power in Kyrgyzstan, I am a target. I want my sources to see me as a journalist, a professional, not a sex object. I want them to talk to me about business and politics, not about how good looking I am. Because they are affecting the way I see myself. After each proposition, I tell myself it is not my fault. But the more I say it, the less I believe myself and the less confidence I have doing my job.

O flerte não se limita apenas a ligações telefônicas ou cantadas a portas fechadas. Recentemente, conheci um político proeminente, educado a maneira ocidental. O que começou com uma oferta para me dar uma carona até em casa se transformou em uma série de textos e mensagens no Facebook sobre como ele estava pensando em mim e queria me ver. Eu conheço bem sua filha, ela é um ano mais nova do que eu. Eu lhe disse isso, mas ele não parou.

Eu pensava que estava sozinha. Mas amigas compartilharam experiências parecidas. Uma, que agora tem 28 anos, costumava trabalhar como secretária em uma agência do governo, onde ela conta que sempre recebia propostas de relações sexuais. Ela nunca ousou levantar sua frustração para seus superiores. “Ninguém me levaria a sério. Eu sou uma mulher, e isso significa que sempre serei a culpada”. Ela pediu demissão. A forma como foi tratada a desencorajou de tentar seguir uma carreira. Agora ela é mãe e dona de casa.

Uma amiga da família, Aizhan, 48, que é uma bem-sucedida chefe de contabilidade em uma grande empresa privada em Bishkek, me contou que teve de lutar contra o assédio sexual durante toda sua carreira. “Sempre me diziam que se eu quisesse ter sucesso, teria de ser ‘amigável’ com meus chefes e parceiros de negócios. Claro, amizade é a última coisa que eles querem’, me disse Aizhan.

A pior coisa é que estes homens de baixo nível esperam que gostemos disso. Por que mais eu iria ao seus escritórios? Jovem, solteira, o que mais eu poderia querer? Por alguns padrões quirguizes, porque estou com 20 e poucos anos e não sou casada, eu devo ser liberal.

Quando eu caminho pelos corredores do poder do Quirguistão, eu sou um alvo. Eu quero que minha fontes me vejam como uma jornalista, uma profissional, não um objeto sexual. Eu quero que eles falem comigo sobre negócios e política, não sobre o quão bonita eu sou. Porque eles estão afetando a maneira como eu me vejo. Depois de cada proposta, eu falo a mim mesma que não é minha culpa. Mas quanto mais eu digo, menos eu acredito em mim e menos confiança tenho na hora de fazer meu trabalho.

O blog de Kalybekova encontrou ressonância entre muitas outras jornalistas que já havia passado por situações similares enquanto trabalhavam na região. Dena Sholk, que passou algum tempo pesquisando no Quirguistão, escreveu:

Eu empatizo com esse artigo da @EurasiaNet. Tive experiências parecidas pesquisando no Quirguistão. http://www.eurasianet.org/node/69351

Histórias recentes publicadas no Global Voices focaram na batalha de gêneros no Quirguistão, incluindo este artigo, escrito por Aliaskar Adylov, sobre um incidente em que uma multidão atacou um grupo de ativistas dos direitos das mulheres tendo as confundido com missionárias cristãs, e este artigo de Mahina Shodizoda, sobre uma jovem que contou seu próprio “sequestro da noiva” em tweets.

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