Snowden, NSA e América Latina além das manchetes de jornais

Este post faz parte de nossa cobertura especial Snowden: Os EUA estão a vigiar-te

[Todos os links direcionam para páginas em inglês salvo indicação em contrário]

Se você tivesse que ler apenas as manchetes dos jornais dos Estados Unidos sobre a polêmica em torno de Edward Snowden e a vigilância da Agência de Segurança Nacional [pt] (NSA, em inglês) sobre a América Latina ao longo das últimas duas semanas [post original publicado em 12 de julho], seria fácil pensar que a América Latina era um único bloco de nações que quase sempre agiu em conjunto contra os Estados Unidos.

No entanto, debates nas mídias sociais foram além das peculiares manchetes de notícias no idioma inglês.

Títulos como , “Líderes latino-americanos chamando-se pelo primeiro nome, se unem contra críticos”, “Avião redirecionado de Morales faz líderes sul-americanos ficarem enfurecidos” e “Plano de aterrissagem de Evo Morales provoca tumulto em toda a América Latina”, publicados nos dias seguintes a aterrissagem do avião do presidente boliviano, Evo Morales, levou adiante a imagem de um bloco de nações unidas que, na realidade, mantêm relações muito distintas com os EUA, Europa e outras nações da região.

Reunión de la UNASUR el 4 de julio, 2013, en respuesta el incidente del avión de Evo Morales en Europa. Foto compartida por Presidencia de la República de Ecuador en Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Reunião da UNASUL após avião de Evo Morales ser redirecionado na Europa. Foto compartilhada pela Presidência da República do Equador no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Comentaristas alertaram também para um “eixo do Evo” ou “circo do Evo” [es] que poderia controlar os organismos regionais como a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) [pt]. Isso, apesar da incapacidade da UNASUL em reunir todos os 12 países signatários na conferência de emergência realizada em Cochabamba, Bolívia (imediatamente após a detenção do avião de Morales na Europa) e do contínuo debate no MERCOSUL [pt] sobre o retorno do Paraguai para o bloco – demonstrar notáveis divisões regionais.

Isso é algo do conhecimento do governo dos EUA, que, em um relatório de 2011 para o Congresso dos EUA, destacou as fortes relações de intercâmbio mantidos com a Colômbia, Chile e Peru – países que têm os EUA como o principal parceiro de importações e exportações, e com os quais novos acordos de livre comércio com os EUA foram implementados. O mesmo relatório especifica que existe consideravelmente “menor dependência” dos EUA em países como Brasil, Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia.

Mas, uma semana depois da polêmica em torno da detenção do avião de Morales na Europa, uma gama de debates nacionais, que foram provocados pelo mesmo incidente, oferece a oportunidade de ver a diversidade das relações exteriores que são mantidas na região – o que junto demonstra a improbabilidade de que qualquer nação tenha o poder de “controlar” o debate regional.

A conversa no Twitter

A conversa no Twitter reflete a forte atuação de ativistas regionais que têm trabalhado para garantir que os debates não se concentrem apenas nos papéis das pessoas públicas que chamam atenção tais como Evo Morales ou Edward Snowden.

No Brasil, os tweets do jornalista do The Guardian, Glenn Greenwald (@GlennGreenwald), o primeiro repórter de jornal a descobrir a quantidade de e-mails e telefonemas que a NSA havia coletado sobre a América Latina, fez recircular globalmente as revelações publicadas em O Globo – sobre as quais Greenwald primeiro havia tuitado em 6 de julho:

@ggreenwald: NEW: The US is spying on millions of calls & emails of Brazilians: my article in the Sunday edition of @JornalOGlobo http://oglobo.globo.com

@ggreenwald: NOVO: Os EUA estão espionando milhões de ligações e e-mails de brasileiros: meu artigo na edição de domingo do @JornalOGlobo http://oglobo.globo.com

Os vários artigos de Greenwald ajudaram a pressionar o governo brasileiro a lançar uma investigação sobre a colaboração de empresas brasileiras com a vigilância dos EUA. Os artigos dele também ajudaram na cobertura internacional de plantão que rapidamente emergiu sobre o assunto em fontes que vão desde o New York Times, The Guardian até o Associated Press.

No Equador, ativistas de direitos digitais como Rafael Bonifaz (@RBonifaz) [es], usam Twitter e blogs [es] para distribuir informações chaves em torno do gigante programa de espionagem da NSA que tem coletado e-mails e telefonemas não só no Brasil, mas em toda a América Latina, de forma geral. Ressaltando a gravidade das últimas notícias sobre a extensa campanha de espionagem na região, Bonifaz tuitou no dia 10 de julho:

@rbonifaz: América Latina indignada por espionaje. Ahora sí de verdad http://www.elcomercio.com/mundo/Americalatina-EEUU-Snowden-espionaje-Ecuador-asilo_0_953304835.html … Lo que escribí hace unas semanas http://rafael.bonifaz.ec/blog/2013/06/indignacion-en-america-latina/ …

@rbonifaz: América Latina indignada com a espionagem. Agora é sério. http://www.elcomercio.com/mundo/Americalatina-EEUU-Snowden-espionaje-Ecuador-asilo_0_953304835.html … O que eu escrevi há algumas semanas: http://rafael.bonifaz.ec/blog/2013/06/indignacion-en-america-latina/ …

Na Bolívia, blogueiros como a cineasta Violeta Ayala têm questionado como os EUA podem oferecer refúgio para criminosos procurados na Bolívia (incluindo o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e dois dos ministros dele, acusados ​​de matar dezenas de cidadãos), enquanto, ao mesmo tempo, continuam a pressionar outros governos para extraditar Snowden.

Enquanto isso, ativistas de tecnologias abertas como Mario Duran (@mrduranch) [es] organizam eventos online para ensinar públicos locais do que se trata o programa de vigilância eletrônico PRISM [pt]. Sobre um evento online realizado na noite de 15 julho, Durán tuitou em 11 de julho:

@mrduranch: Software Libre, Criptografía y Privacidad para gobiernos e individuos, enterate + https://www.facebook.com/events/342717335858232/ … lunes 15 julio 2130 (GMT-4) #fb

@mrduranch: Software Livre, Criptografia e Privacidade para governos e indivíduos, saiba + no https://www.facebook.com/events/342717335858232/ … segunda-feira 15 julho 21: 30 (GMT-4) #fb

Na Colômbia, geralmente tida como um dos aliados regionais mais fortes dos EUA, reações mordazes rapidamente surgiram, após revelações de que o país estava entre as três principais nações espionadas pela NSA na América Latina.

A jornalista Carolina Botero Cabrera, cuja coluna semanal no El Espectador trata de temas sobre direitos digitais, escreveu que o caso do PRISM deve impulsionar cidadãos a questionar mais os próprios hábitos no compartilhamento de informações online e deve também levá-los ao questionamento sobre o quanto vale a pena abdicar de direitos humanos e civis para continuar a “lutar contra o terrorismo e preservação da segurança” [es]?

Como o PanAmerican Post (@PanAmericanPost) tuitou no dia 10 de julho:

@PanAmericanPost: When even #Colombia formally asks for clarification on NSA surveillance activities, it's a sure sign that the US has really ticked off LatAm.

@PanAmericanPost: Quando até mesmo a #Colombia pede formalmente por esclarecimentos sobre as atividades de vigilância da NSA, é um claro sinal de que os EUA realmente irritaram toda a LatAm.

Apesar das preocupações regionais em comum em torno da NSA, há, no entanto, um longo e substancial registro histórico demonstrando que manchetes que reduzem a política regional em um único bloco, simplesmente, não são suficientes para representar a região. Isso, com certeza vai ser algo interessante de ser observado nas análises que irão surgir após a mais recente Cúpula do Mercosul [pt] no dia 13 de julho.

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