Etiópia acusada de limpeza étnica por expulsão em massa dos Amhara

[Todos os links levam à paginas em inglês, exceto quando informado]

Milhares de membros da etnia Amharas estão sendo expulsos da região de Benishangul Gumuz, na Etiópia, onde muitos deles tinham feito seu lar, naquilo que muitos consideram ser uma campanha de “limpeza étnica“.

Desde 1996 a Etiópia se encontra dividida em nove estados regionais e duas cidades, sendo que todos estes territórios possuem autonomia política; esta divisão baseou-se em questões de natureza étnica. O povo Amhara está atualmente a ser expulso e empurrado para uma área rural da região Amhara, território historicamente associado a esse povo. Segundo relatos, entre as pessoas forçadas a saírem da sua residência atual encontram-se crianças, doentes e mulheres grávidas.

Ativistas pelos direitos humanos mantêm que esta deportação é ilegal, transgredindo tanto as leis do país, como as leis internacionais. As autoridades da Etiópia recusam estas acusações, afirmando que a deslocação dos agricultores indígenas e locais faz parte de um programa chamado “vilagization“, processo através do qual se transfere populações para outros territórios.

Não é a primeira vez que as autoridades etíopes forçam o povo Amhara a mudar de região. Em 2012 noticiou-se que 22,000 Amharas foram despejados da Etiópia do Sul, sendo as suas residências confiscadas.

Líderes da oposição já condenaram estas medidas, tendo sido citados numa reportagem realizada pela Ethiopian Satellite Television em Março de 2013, disponível no YouTube.

Muitos cidadãos da Etiópia opõem-se à política de expulsão em massa da população rural, praticada pelo governo. Pela altura da publicação deste post, a 11 de Abril de 2013, a petição online para que o governo pare este programa já contava com 1919 assinaturas.

Na página da petição, endereçada ao Dr. Chaloka Beyani, relator especial das Nações Unidas, bem como a vários altos membros do governo da Etiópia, lê-se o seguinte texto:

According to the information that I have, the eviction is poorly organized and is marred by several cases of human right violations. This petition is in protest of this eviction and is intended to get the plight of these voiceless Ethiopians to the attention of the Ethiopian government and international rights organizations. Please sign the petition and invite your friends to sign as well. This is the least we can do to show our solidarity with Ethiopians who are being victimized by a misguided and irresponsible policy.

Segundo a informação que me é disponível, estes despejos têm sido mal-organizados e acompanhados de várias instâncias de violações dos direitos humanos. Esta petição serve como protesto contra estes despejos e tenciona atrair a atenção do governo da Etiópia e de várias organizações internacionais de luta pelos direitos humanos para o sofrimento desta população, uma vez que esta não pode falar por si. Por favor assine a petição e incentive os seus amigos a fazerem o mesmo. É o mínimo que podemos fazer para mostrar a nossa solidariedade para com os cidadãos da Etiópia vítimas destas políticas mal-aconselhadas e irresponsáveis.

Jawar Mohammed, blogueiro e analista político, avançou uma teoria acerca dos despejos em massa dos Amharas em seu Facebook:

Its my view that the mass eviction at this time has well calculated political agenda and is being hatched by the real power holders. By instigating attack on vulnerable Amharas who reside outside their regional state, the regime would like to stir ethnic victim-hood sentiment. This is meant to force Amhara political leaders to resort to open ethnic partisan advocacy, which would undermine their pan-Ethiopianist narrative. What does the regime benefit from this?

Since the 2005 election, the TPLF [Tigray People's Liberation Front, one of Ethiopia's political parties and the real dominant player in Ethiopia politics although the ruling party is Ethiopian People's Revolutionary Democratic Front (EPRDF)] has been trying hard to transform its ethno-nationalist narrative to that of statist nationalism. That is it wants to justify its continuous rule by presenting itself as guardian of the Ethiopian state and its historical legacy. However, before it can achieve that, it has to displace the previous claimant–the Amhara elites. Hence such surgical attack on their ethnic brethren would eventually force Amhara elites to embrace ethno-nationalism and give up the throne of Ethiopian nationalism to the new claimant- Tigrean elites.

The sad thing is while the rulers experiment with all kind of dirty tricks to prolong their days in palace, innocent and poor farmers struggling to survive on a dollar a day income are pushed around. Making these farmers homeless at the time when people are barely surviving at their home due to the unbearably high cost of living is a heartless crime that sets a dangerous precedent, that must be condemned by everyone, in regardless of who we are or what political opinion we have.

Acredito que estes despejos em massa fazem parte de uma agenda política bem-calculada, elaborada por aqueles que realmente detêm o poder. O objetivo destes ataques contra Amharas vulneráveis que vivem fora da sua região é atiçar um sentimento étnico de vitimização. Isto forçaria os líderes políticos dos Amhara a recorrer à defesa aberta e partidária da sua etnia, enfraquecendo assim a narrativa pan-etíope que têm promovido. E como é que isso beneficia o regime?

Desde as eleições de 2005, a TPLF TPLF [Tigray People's Liberation Front, um dos partidos políticos da Etiópia e o verdadeiro jogador mais importante na política do país, apesar do partido no poder ser a Ethiopian People's Revolutionary Democratic Front (EPRDF)] tem tentado transformar a sua narrativa etno-nacionalista numa narrativa de nacionalismo estadista. Ou seja, pretende justificar  a sua permanência no poder posicionando-se como guardiã do estado da Etiópia e do seu legado histórico. Mas, para isto, tem de afastar aqueles que atualmente detêm essa posição – ou seja, as elites Amhara. Nesta perspectiva, estes ataques cirúrgicos contra membros da sua etnia pretendem forçar as elites Amhara a render-se ao etno-nacionalismo, abandonando assim o trono de nacionalismo Etíope – que passaria para as elites Tigrean.

O que é triste nisto é que enquanto os que estão no poder se divertem com todo o tipo de truques sujos para prolongar os seus dias no palácio, quem sofre são os pobres agricultores que mal conseguem sobreviver à custa dos seus salários de um dólar por dia. Tornar estas pessoas sem-abrigos, numa altura em que o inadmissível custo de vida faz com que mal consigam sobreviver mesmo tendo casa, é um crime cruel que coloca um precedente perigoso e, como tal, deve ser condenado por todos, independentemente de quem somos ou de que opiniões políticas possamos ter.

O blogueiro Ephrem Eshete lançou um apelo [amh] aos cidadãos da Etiópia para que estes condenem fervorosamente estes despejos:

 ሊወገዝ የሚገባው ተግባር መነሻው ምንም ይሁን ምን፣ የክልሉ ፓርቲ ከማንም ጋር ይስማማ አይስማማ በነዚህ ዜጎች ላይ የተደረገው ተገቢነት የሌለው ነገር ነው። የዜጎች በአገራቸው ውስጥ የመዘዋወር፣ የመኖር መብት እንዲህ በጥቂት የፓርቲ ሹመኞች መወሰኑ የሚያስጨንቅም የሚያስደነግጥም ምልክት

Esta ação devia ser fortemente condenada. É possível que os partidos que regulam os seus respectivos estados regionais tenham negociado condições [para os despejos], mas sejam quais forem as razões, a ação de expulsar cidadãos da Etiópia das suas casas é condenável. E é assustador saber que os direitos de movimentação dos cidadãos são decididos pelos dirigentes dos partidos políticos.

Abraha Desta, um ativista residente na região Tigray da Etiópia identificou três razões principais para que os ativistas apoiem o povo Amhara:

ሰዎች ከቀያቸው በሃይል (በግፍ በዘርሓረጋቸው እየተለዩ) ሲፈናቀሉ (ሲባረሩ) የከፋ የሰብኣዊ መብት ጥሰት ነው። ዜጎቻችን (ወገኖቻችን) ሲፈናቀሉ የሚደርሳቸው ኢኮኖሚያዊ፣ ማሕበራዊና ስነልቦናዊ ቀውስ (Helplessness) መገመት ኣይከብድም። ሁሉም ኢትዮዽያ ሊተባበራቸው ይገባል፤ መንግስት ይህን ተግባሩ እንዲያቆም ተፅዕኖ ማድረግ ኣለብን።

እኛም እየተፈናቀሉ ካሉ ሰዎች ጎን መሰለፍ ያለብን ይመስለኛል። ምክንያቱም (1) ወገኖቻችን ናቸው። እኛ ኢትዮዽያውያን ያልደረስንላቸው ማን መጥቶ ይረዳቸዋል? (2) ዛሬ በኣማራ ተወላጆች እየተፈፀመ ያለው ግፍ (ኣሁንኑ ካልቆመ) ነገ በእያንዳንዳችን እንደሚፈፀም ማወቅ ይኖርብናል። (3) የማፈናቀል ተግባሩ የብሄር ፖለቲካ ችግር ኣባብሶ የጥላቻ ፖለቲካ ስር ሰዶ የኢትዮዽያ ሀገራችን ኣንድነት የሚፈታተን ይሆናል።

Devemos apoiar os nossos concidadãos pelas seguintes razões: 1) são cidadãos da Etiópia, e se nós não estivermos do lado deles quem estará? 2) se o que está a acontecer aos Amharas não for imediatamente impedido, por esta altura já devíamos saber que amanhã vai acontecer a toda a gente 3) estas ações podem levar a desenvolvimentos de políticas étnicas que poderão fomentar o ódio étnico, colocando assim em questão a integridade do nosso país

Mas Mesfin Negash avisa [amh] que estes atos não devem ser interpretados como um ataque de um certo grupo étnico contra outro grupo étnico, mas sim como ações de pessoas sem sentido de decência:

የዛሬ አፈናቃዮች በብሔረሰብ ካባ ለመደበቅ ቢሞክሩም ሕግ ፊት የሚቀርቡበት ቀን እንደሚመጣ አምናለሁ። ተፈናቃዮዩቹ በሙሉ የአማራ ብሔር ተወላጆች ቢሆኑም አፈናቃዩ ወገን ግን የየትኛውም ብሔር ወኪል እንዳልሆነ እናስታውስ፤ አደራ። ግፈኞቹ፣ መዝባሪዎቹ፣ ወሮበሎቹ፣ ሆድ አደሮቹና ዘረኞቹ አፈናቃዮች ብሔራቸው “ነውር” ነው። ነውረኞች።

Os culpados destes despejos em massa estão a tentar esconder as suas ações através do manto da etnia, mas acredito que um dia serão julgados em tribunal. Apesar das vítimas serem Amharas, não devemos categorizar os culpados como representantes de uma certa etnia. Não se esquecem que os ladrões, os mal feitores e os racistas só têm uma etnia – a indecência!

 

Correção: A versão anterior deste artigo incluía uma imagem do site da petição que julgávamos retratar Amharas expulsos em 2012. No entanto, um leitor encontrou a imagem original neste artigo publicado em 2010, segundo o qual os Amharas em questão estão a pedir empréstimos. A imagem foi por isso retirada do artigo. Pedimos desculpa pelo erro.

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