Bulgária: Vivendo com Hepatite C

Eu descobri esse blog [bg] por acaso. O título dizia: “Pensando na Hepatite: Ideias de uma pessoa Infectada”, e era tocante chegar tão perto da luta diária de alguém com a Hepatite C, esta doença terrível e insidiosa. As palavras eram simples, mas ainda assim afiadas e emocionantes [bg]:

Аз съм момичето, което чака с теб автобуса на спирката. Което сяда на втората седалка и зяпа разсеяно през прозореца. Аз съм тази, която се смее високо на съседната маса, която ти се усмихва пред асансьора в офиса. Аз съм просто една от многото.

Eu sou a garota que aguarda transporte na parada de ônibus ao seu lado. A mesma garota que senta perto de você e olha desatenta pela janela. Eu sou a pessoa rindo alto na mesa ao lado, que sorri para você diante do elevador no escritório. Eu sou apenas uma entre tantas.

E eu continuei lendo, e recordando que em 2007 eu trabalhava com doenças infecciosas em um famoso instituto na França. Nós éramos obrigadas a tomar todas as vacinas possíveis para lidar com amostras humanas infectadas. Enquanto esperava a médica transformar meu braço em um coador com todas aquelas injeções, nós conversamos, e foi um choque perceber o quão preocupada ela estava: a hepatite C havia se tornado uma séria ameaça à saúde pública na França, e particularmente em Paris. Ainda mais chocante era o fato de não existir nenhuma campanha de abrangência nacional para conscientizar as pessoas e convidá-las a fazerem exames.

É compreensível, portanto, que eu estivesse lendo o blog “Pensando na Hepatite” com grande interesse: esse blog desempenha um papel fabuloso informando sobre o Vírus da Hepatite C (VHC) e porque é tão importante identificá-lo. Eu estava a pensar em como as pessoas estavam pouco informadas aqui na França, um país com um sistema de saúde ainda funcional, e como em um país devastado como a Bulgária isso deveria ser ainda pior. E quando Toshka – a mulher responsável pelo blog – postou que seu tratamento havia sido bem-sucedido, decidi conversar com ela.

Toshka. Foto por Andrey Katanski, usada com permissão

Toshka. Foto por Andrey Katanski, uso autorizado.

Quem é você, Toshka?

Uma garota búlgara com 30 anos. Redatora e blogueira.

Qual é a sua história com a Hepatite C (VHC)? Como você descobriu que estava infectada?

Foi por acaso, como acontece com a maioria das pessoas. Durante uma série de testes, me ofereceram a chance de fazer exames gratuitos de VHC e VHB (vírus da Hepatite B) – e eu aceitei. Fiquei chocada ao ouvir o resultado – positivo para Hepatite C.

O problema é que eu partilhava do senso comum sobre a doença – eu acreditava que só acontecia com os usuários de drogas intravenosas. E eu não sabia que poderia estar infectada e não apresentar sintomas. Eu posso estar infectada há dez anos ou mais.

Como a sua família reagiu?

Eu não contei a eles em um primeiro momento. Eu não contei para ninguém. Eu não conseguia juntar forças para falar sobre isso.

Quanto eu contei, eles ficaram impressionados, preocupados, amedrontados. A maioria das pessoas desconhece que a hepatite C pode ser curada.

Como os profissionais de saúde conduziram o seu tratamento?

Felizmente o tratamento do VHC na Bulgária é coberto pela Fundo Nacional do Seguro Saúde. Há também profissionais qualificados e experientes nessa área.

Talvez, por ser um tratamento caro, cerca de 4 mil lv. [equivalente a dois mil euros] por mês, há uma série de questões burocráticas e requisitos a serem atendidos pelos pacientes. Não é algo fácil de se fazer, considerando que o tratamento dura mais de um ano e tem muitos efeitos colaterais.

Por que um blog para falar sobre isso?

Porque a escrita é a minha forma de racionalizar o que acontece comigo e os meus sentimentos. Eu decidi compartilhar os meus pensamentos online em um blog anônimo porque eu sabia o quanto é importante para todo mundo que tem esse problema ter apoio e poder contar com alguém.

Eu acreditava, e ainda acredito, que a minha história poderia ser útil.

Como uma questão de saúde pública tão perigosa é abordada na Bulgária?

Há muito mais mitos e falácias do que informações aqui. O senso comum é que o VHC foi um problema de usuários de drogas, que não tem cura, e que não está muito disseminado.

Apenas alguns números: a população da Bulgária tem menos de sete milhões de pessoas. De acordo com as estatísticas mais recentes, cerca de duas mil pessoas são soropositivas. E há mais de 400 mil pessoas com Hepatite B, mais de 150 mil pessoas com Hepatite C, a maioria ainda sem saber que está doente. Com sorte, eles descobrirão o problema antes que seja tarde.

Há o envolvimento de ONGs na abordagem desse problema?

Sim, há duas ONGs. A primeira, Hepasist [bg], tem os contatos e a influência para promover algumas mudanças no sistema e nas práticas de saúde pública na Bulgária.

A segunda – Hepactive – é uma organização formada por pacientes e que oferece ajuda diária a pessoas com hepatite e as suas famílias. Hepactive provê informação e apoio online [bg] e agora está começando a formar Grupos de Apoio Mútuo offline.

O que mais te surpreendeu enquanto você combatia a doença?

A coisa mais difícil no tratamento do VHC é, talvez, o fato de que ele dura um ano inteiro. Seus hábitos e modo de vida se transformam consideravelmente durante esse período.

Há algo em particular que me chamou a atenção na primeira vez em que li sua biografia no blog. Você escreve:

Имам една молба. Ако този блог ти действа потискащо, ако те кара да се чувстваш зле, използвай малкото хиксче горе вдясно. Сериозно. Излез на кафе с приятели, купи си нещо непотребно, разходи се. Животът е прекрасен и най-нормалното нещо на света е да искаш да си здрав и да не се тревожиш. Имаш избор дали да влезеш тук или не, дали да четеш или не. Използвай го!

Eu tenho um pedido. Se o ato de ler esse blog te deprimir, se te fizer sentir-se mal, use o pequeno x no canto superior direito da tela. Falo sério. Saia para tomar um café com os amigos, compre algo inútil, vá caminhar. A vida é maravilhosa e a coisa mais normal do mundo é querer ser saudável e não se preocupar. Você tem a escolha entre visitar este site ou não, entre lê-lo ou não. Use o seu poder de escolha!

Eu imaginei que, ao contrário do que você propõe, deveria na verdade convidar as pessoas a ficarem e a lerem o blog, especialmente se não for algo prazeroso para elas. Por quê? Bem, porque é a vida real e porque escrever sobre isso e ser lida ajudará as pessoas a perceberem que a Hepatite C não acontece apenas com os outros. Justamente por isso as pessoas deveriam ficar, ler e refletir ao invés de fechar a página como se ela não existisse. Você poderia comentar sobre isso? Você pode ter mudado de ideia desde o momento em que escreveu isso e talvez já tenha discutido isso com alguém :)

"Pensando na Hepatite" em um livro: "Pozitivno". Créditos: Toshka Ivanova.

"Pensando na Hepatite" em um livro: "Pozitivno". Créditos: Toshka Ivanova.

Eu ainda acredito no que escrevi e, para mim, funciona da mesma maneira com o livro. Você não pode forçar as pessoas a fazer nada. Você não pode fazê-las sentir, entender ou gostar de alguma coisa. É uma questão de escolha pessoal e é assim que deve ser.

Se alguém sente que essa história é muito dolorosa ou assustadora, talvez ele/a não esteja preparado/a para ler a respeito. Não se trata apenas da Hepatite C, é também sobre o que estamos fazendo com as nossas vidas, por que estamos aqui, se nos amamos o suficiente ou não. Algumas pessoas não querem pensar sobre isso. É muito doloroso. E mesmo que elas se obriguem a ler o livro, não tirarão proveito dele.

“Pozitivno” [Positivamente] é a minha história e os meus pensamentos sobre essas questões. Para ler, sentir, entender ou não, é uma questão de escolha. E, como eu disse, é assim que deve ser.

Você coletou todos os artigos de “Pensando na Hepatite” em um livro e você está lançando um novo blog. É compreensível. Mas o que vai acontecer com o blog sobre a Hepatite C daqui para a frente: a batalha para informar se encerrou?

O blog permanecerá e será atualizado regularmente. Eu vou utilizá-lo para postar informações valiosas e notícias sobre a Hepatite C.

Mas os pensamentos e experiências pessoais irão para o novo blog. Eu preciso de um novo começo.

É uma longa estrada, mas o caminho floresce cheio de esperança :)

1 comentário

  • Luis Henrique

    Desculpe a demora, José Carlos, e obrigado pelo comentário. O segredo aqui é que no Global Voices o inglês serve como uma língua-ponte. Assim, o artigo em búlgaro ou russo também tem uma versão em inglês, e é a partir dessa versão que eu traduzo. De todo modo, a gente sempre acaba aprendendo um pouco de cada língua :) Até a próxima!

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