Brasil: Perda de uma Voz Influente no Estudo da Música Brasileira

Uma voz influente e serena no estudo da Música Popular Brasileira foi silenciada na última quarta-feira, 4 de abril, quando a pesquisadora baseada no Rio de Janeiro, Santuza Cambraia Naves faleceu inesperadamente com 59 anos.

A música no Brasil é a exportação cultural mais conhecida e, num país em que ela está tão presente no cotidiano do brasileiro, acaba passando despercebida pelas pessoas. O pesquisador Davino escreve:

Portanto, quem tem a autoridade para criticar canção? De todos e de ninguém, aliada à forte penetração no cotidiano, a (linguagem) canção vive e sofre a mercê do gosto de quem lhe comenta, resenha, critica. E nem podemos dizer que, diferente do que acontece com a literatura, haja uma querela entre crítica acadêmica e crítica de periódicos e blogs. Em canção, há uma ensurdecedora ausência de espírito crítico.

Apesar do que Davino descreve, nas últimas décadas, os estudos acadêmicos sobre a música na história contemporânea brasileira (Bossa Nova, Tropicália, e MPB – Música Popular Brasileira) deu importantes passos.

MPB - Foto de minusbaby no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

MPB – Foto de minusbaby no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Referências indispensáveis e relevantes

Em seu trabalho, Cambraia estava interessada em contar as histórias entrelaçadas destes movimentos musicais. Ela foi quem melhor articulou o que a “MPB” significava em uma entrevista importante para a História Agora, em 2007:

Quando surge o conceito de MPB nos anos 1960, criado pela geração pós-Bossa Nova, ou seja: a geração de Chico, do Edu Lobo, e etc. Que foi uma geração muito politizada, surgida dentro de um contexto nacionalista. Criou-se uma idéia de costurar o Brasil através da música. Todo mundo, nesse período estava pensando no projeto do Brasil. Não foi um nacionalismo xenófobo, é muito sofisticado.

Davino cita o livro de Cambraia, Canção popular no Brasil, sobre este período pós bossa nova

[…] a canção popular tornou-se um espaço crítico em relação ao seu meio de produção, consumo e circulação. (…) Não se trata de uma crítica que se restringe à participação do intelectual na vida pública, como de fato ocorre, mas também de operar com o pensamento crítico no próprio processo criativo, lidando com procedimentos intertextuais e metalinguísticos.

Cambraia produziu trabalhos que são “indispensáveis fontes de consulta”, como estas, além de seus trabalhos sobre artistas como Caetano Veloso e Noel Rosa, disse o pesquisador Luiz Henrique Garcia em seu blog Massa Crítica MPB.

Este debate (ver vídeo abaixo) em  outubro de 2011, em que fala sobre a Tropicália, é um “Santuza clássico” – ela descreve o movimento como uma reação contra o “mainstream” da MPB da época. Ela fala sobre como é quase impossível hoje em dia encontrar uma música popular “mainstream” para reagir contra.

Enquanto as primeiras pesquisas acadêmicas de Cambraia centravam-se na música popular brasileira do século XX, ela estava interessada no que era popular no Brasil e no seu “lado B”, as contraculturas brasileiras. Ela ficava muito à vontade em dialogar sobre hip-hop, música eletrônica e outros emergentes formas musicais. A recente conferência dada por ela sobre o consumo de música digital e o impacto da tecnologia na mudança da produção musical dá uma ideia da grande relevância de seu trabalho.

Tributos à Santuza

Santuza Cambraia Naves, 19/05/1952 - 04/04/2012. Photo by Rui Britto (used with permission)

Santuza Cambraia Naves, 19/05/1952 – 04/04/2012. Foto por Rui Britto (usada com permissão)

Revista de História fez um tributo e explicou a grande importância de Cambraia em um post entitulado Triste Som do Silêncio:

Em diversas oportunidades a autora destacou a importância do método historiográfico para a etnografia com textos e foi uma das pioneiras na reflexão mais profunda e sistemática sobre a MPB.

Alunos, colegas, editores e instituições culturais fizeram tributos no Facebook e no Twitter, inclusive o ex-Ministro da Cultura Gilberto Gil que retuitou a triste notícia.

O grupo musical Passarela 10 (@passarela10) escreveu “Grande perda pra quem reflete e produz sobre música.”

Gilberto Porcidonio (@_puppet) comenta “Outra grande professora que se vai: Santuza Cambraia Naves. Que triste, que triste…”

A julgar pelas reações emotivas, seu caráter era tão valorizado quanto sua produção acadêmica. A maioria a conhecia pelo seu primeiro nome. A historiadora Cecília M. (@senhoritaci) diz “Pessoas como a Santuza deveriam ser proibidas de morrer.”

Etnomusicóloga e colaboradora do Global Voices, Debora Baldelli, que estudou com Santuza na graduação há mais de uma década, a descreve como uma constante mentora acadêmica, “sempre orientando com muito carinho e muito entusiasmo.” Baldelli lembra em seu blog:

Santuza tinha um modo muito próprio de dar aulas, um tom de voz muito particular também, uma risada e um sorriso contagiante e, claro, um cigarrinho fumado de um jeito muito Santuza, que entrava ali na aula como parte necessária do cenário. […] Ir para a aula da Santuza era como entrar num atmosfera à parte.

Cambraia “era dotada de grande inteligência, sensibilidade e generosidade, e de uma joie de vivre contagiosa.“, descreve o poeta António Cícero em seu blog, e assim será lembrada por muitos.

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