Global: Refexões sobre harmonia ecumênica e paz mundial

Depois do bombardeio em pleno ano novo [en] que matou 21 pessoas na porta de uma Igreja Católica no Egito, a solidariedade e o apoio mútuos entre pessoas de diferentes crenças floresceram no país. Milhares de muçulmanos deram um passo corajoso para evitar a repetição do episódio na missa de Natal da Igreja Cóptica, poucos dias mais tarde, voluntariando-se para servir de barreira humana para deter possíveis bombardeadores [en]. Dentre aqueles cidadãos que mostraram solidariedade estava Ibn Abdel Aziz [ar]. Com um choro preso na garganta, o blogueiro escreve uma carta aberta [en] aos seus amigos, colegas e vizinhos cristãos:

اعاهد الله اليوم وانا علي مشارف ان ارزق باول طفل لي في حياتي ان اقوم بما يمكن ان التزم به … ان اعلمه كل ما اعرف وان يكون افضل مني ومن امه ومن اجداده وجداته علي كل مستوى ممكن ، وان هذا هو الذي استطيع ان افعله واسأل الله ان اموت وقد تركت خلفي ذرية تعرف الله كما اراد الله وتامر بالعدل وتطبقه علي نفسها اولا وتكره الظلم وتنقد الذات وتصلح النفس وتبني الارض وتحارب الكراهية والوصم والتمييز وسائر ادواء البشر ما استطعت .

وكفرد من الاغلبية العددية ..اعرف مسئوليتي جيدا تجاه الاخرين من اقليات عددية بسبب الدين او المذهب او العرق ..وليت كل المسلمين يعرفون هذا

في النهاية

كلماتي عاجزة عن وصف ما اشعر به

هذه خواطري المبعثرة

وهذا بوح نفسي المثقلة

وهذا انا ..كما أنا

اسمحوا لي ان اقف في صفوفكم وان اخذ العزاء معكم .

وأن يقال لي : ربنا يعزيك

Juro por Deus, agora que estou para me tornar pai pela primeira vez, que eu farei o que devo fazer para ensinar a meu filho o que eu sei e fazer dele uma pessoa melhor do que eu, que sua mãe, seus avós, em todos os sentidos possíveis, e isso é o que posso fazer. Peço a Deus que quando eu morrer deixe para trás uma família que conhece a Deus como Deus quer. Uma família que clama por justiça, mas que primeiro é justa. Uma família que odeia a injustiça, faz a auto-critica, combate o ódio, o descrédito, a discriminação e todas as outras doenças humanas como puder.
E como uma pessoa que faz parte da maioria, conheço bem a minha responsabilidade para com as outras religiões, seitas ou minorias étnicas. Queria que todos os muçulmanos conhecessem essa responsabilidade.
Finalmente
Não tenho palavras para descrever o que sinto
É apenas um pensamento aleatório
É o meu fardo falando,
É como eu sou,
E permitam-me ficar ao lado de vocês (cristãos) e aceitem minhas condolências.
E que seja dito: Que Deus lhes dê as condolências

Notícias de tolerância entre pessoas de crenças diferentes, como esta, geralmente não alcançam as manchetes dos jornais. As forças da intolerância recebem mais destaque na imprensa, e em tempos como estes, fica difícil ouvir vozes que preguem os valores universais do respeito e compreensão mútuos. Para dar a pessoas que trabalham com esses valores a oportunidade de amplificar a mensagem, a Organização das Nações Unidas designou a primeira semana de fevereiro de cada ano como a Semana Mundial da Harmonia Ecumênica [en] envolvendo todas as religiões, crenças e credos. A partir de 2011, todos os países foram convidados a:

“apoiar, voluntariamente, no decorrer da semana a propagação da mensagem de harmonia e boa vontade ecumênicas baseada no tema Amor a Deus e Amor ao Próximo, ou com base no Amor ao Bem e Amor ao Próximo, em igrejas, mesquitas, sinagogas, templos e outros lugares de culto em todo o mundo, cada qual segundo as suas próprias tradições ou convicções religiosas.”

Foto de choconancy no flickr. CC BY-NC-SA 2.0

Por que o diálogo ecumênico – cujo significado é cooperação entre religiões e entre a religião e a ciência – e a harmonia ecumênica – que significa ausência de ódio entre pessoas de diferentes crenças – são tão importantes assim? Porque todos querem viver em paz.

Da cidade do México, Marvin Lance Wiser compartilha a sua experiência e explica porque o diálogo entre crenças é um componente importante [en] para a manutenção da estabilidade cívica e internacional:

One’s faith traditions should not be asked to be separated from a person as they enter the civic arena. We must no longer claim ignorance towards the religious other, and we must no longer continue in a practice of monopoly of truths, hegemony of God, and assimilation of those that fall into our periphery. Interfaith dialogue does not exist for the sake of proselytizing others to one religion or one culture, nor does it exist to create a melting pot of syncretism where all religious identities are conflated into one. Not all religions are the same, there exist a myriad of differences, however there is dignity in difference, and this is a central tenet of the Interfaith movement. Interfaith dialogue is an exercise of learning about those that are radically different from myself and my community and learning how to coexist with those persons that subscribe to different beliefs, customs, and worldviews other than my own. It also serves to strengthen my own faith identity.

As tradições religiosas de uma pessoa não deveriam ser separadas da sua identidade pessoal quando ela entra no palco cívico. Não podemos mais alegar ignorância em relação à religião alheia, nem podemos mais continuar com práticas de monopólio de verdades, da hegemonia de Deus e da conversão daqueles que caem em nosso quintal. O diálogo ecumênico não existe para o benefício de proselitismo de uma religião ou uma cultura, nem existe para criar um caldeirão de sincretismo religioso, onde todas as identidades são combinadas em uma só. Nem todas as religiões são iguais, existe uma infinidade de diferenças, porém há uma certa dignidade na diferença, e este é o princípio central do movimento inter-religioso. O diálogo ecumênico é um exercício de aprendizagem sobre aqueles que são radicalmente diferentes de mim e de minha comunidade, e de convivência com pessoas de crenças, costumes e outras visões de mundo diferentes dos meus. Serve também para fortalecer a identidade da minha própria crença.

Já que não é possível negar que haja diferenças teológicas entre as várias religiões, o desafio para pessoas religiosas vivendo em sociedades plurais e diversificadas é reconhecer essas diferenças sem perder o respeito e amizade entre todos – e superar as barreiras para que todos trabalhem juntos para alcançar objetivos comuns, como compaixão, justiça e paz. O Reconciliador Ecumênico T C Davis descobriu que, na verdade, fé significa muito mais que religião:

One morning at 2:30 a.m. I awoke and couldn’t fall back asleep. What is this thing called faith, I wondered, which enlivens people from many religious traditions, but also, some people who are not religious? Here’s what came to me:

Faith is an optimistic energy that impels one to make the world a better place. This optimistic energy is not based upon a careful calculation of favorable outcomes, but rather, upon the unshakable conviction that love is stronger than hate, and that one can accomplish much, indeed much more than one can foresee, provided one spends one’s life loving.

Here is a definition of faith, I think, that will bear all freight, and will serve better to understand what “interfaith” means, rather than seeing it as a synonym for “interreligious.”

Certa manhã, acordei às 2:30 e não consegui voltar a dormir. O que é esta coisa chamada de fé, eu me perguntava, que anima pessoas de tantas tradições religiosas, mas também, gente que não é religiosa? Eis aqui o que me veio:

A fé é uma energia otimista que nos impulsiona a tornar o mundo um lugar melhor. Esta energia otimista não é baseada em um cálculo exato de resultados favoráveis, mas sim da convicção inabalável de que o amor é mais forte que o ódio, e que a gente pode alcançar muito mais, certamente muito mais do que é possível prever, desde que passe a vida amando.

Eis uma definição de fé que, acho, que reflete toda a carga [do termo], e servirá para melhor compreender o que “inter-fé” significa, ao invés de ver o termo como um sinônimo de “inter-religioso”.

Foto de choconancy no flickr. CC BY-NC-SA 2.0

Religião; palavra que evoca compaixão e amor. Ao mesmo tempo, interpretações de conceitos religiosos são usadas para justificar violência e guerra. Das centenas de tradições religiosas existentes, cada uma delas prega a fraternidade e a paz. Entretanto, muitos dos conflitos que marcaram a história apresentaram, de uma forma ou de outra, conexões com a religião. Todas as religiões arvoram-se em ter a única verdade e clamam a exclusividade do caminho da salvação, mas segundo o blogueiro português André, no final das contas, tudo depende de interpretações humanas das escrituras sagradas. Tomando a Bíblia como exemplo, ele diz [pt]:

Interpretam a Bíblia crentes e não crentes, investigadores profissionais e outros estudiosos. Quem estuda, forçosamente interpreta, à luz dos seus conhecimentos. Quem tem mais conhecimentos e os sabe relacionar, interpretará necessariamente melhor. Quem só estuda Bíblia e não colige com outras fontes de Conhecimento, forçosamente fica com menos pontos de referência e tem uma visão mais simplificada. O que é lamentável é que ainda haja guerras por causa da Bíblia, agora que o tempo das Cruzadas vai longe. Afinal, a mensagem central da Bíblia é o amor e a tolerância.

Interpretações a parte, uma coisa que pode ter tida como verdade é que a crença sincera não pode ser prescrita, muito menos imposta – é preciso vir de dentro da pessoa. Apesar de todas as diferenças, o historiador malasiano Abu Saif acredita ser possível co-existir pacificamente – desde que todos entendam que não há necessidade de ninguém provar qual religião é melhor – uma vez que o papel da religiosidade é fazer que cada um descubra o que é bom para si mesmo nessa vida temporária [en]:

Me myself, I learn about Muhammad and his religion for me to clarify my own purpose of life, why God created me, why I am here, where am I heading to after this worldly transit? I found my answer best through the teaching of Muhammad. I learn about religion to answer my own Questions, and not to question others!

So, if the sender [of the email that inspired the post] believe[s] that his idea about Christianity gave him satisfaction in finding the absolute truth, then let him be with his Christianity. Islam stands with its own strength and Christianity should be confident with what it has.

[…]

I found peace and had full of tranquility by believing and loving both Jesus and Muhammad and I cannot do anything to help someone who find peace in hating any of these great men.

God knows the best.

Por exemplo, é para mim mesmo que estudo Maomé e sua religião, para esclarecer a minha própria finalidade na vida, o porquê de Deus ter me criado, por que estou aqui, para onde vou após o trânsito do mundo? Encontrei a melhor resposta para mim através do ensino de Maomé. Estudo a religião para responder às minhas próprias perguntas, e não às perguntas dos outros!

Assim, se o remetente [do e-mail que inspirou o post] acredita que encontrou na ideia que tem sobre o Cristianismo a satisfação de encontrar a verdade absoluta, então que continue com o Cristianismo. O Islã tem sua própria força e o Cristianismo deveria estar confiante com a que tem.

[…]

Eu encontrei a paz e tive tranquilidade plena crendo e amando tanto a Jesus quanto a Maomé, e não posso fazer nada para apoiar alguém que encontre a paz odiando qualquer um destes grandes homens.

Deus sabe mais.

Por falar em Deus, uma vez que todas as religiões devotam-se à mesma força criadora do universo, algumas pessoas acreditam que todas cultuam a mesma entidade, sob diferentes nomes sagrados ou santos. A escritora americana Trinda Latherow cita alguns destes nomes – Deus, Senhor, Pai dos Céus, Alá, Senhor Brahma, Yod-Heh-Vav-Heh (JHVH ou Jeová), Elohim, Todo Poderoso – e elabora mais a ideia:

Foto de choconancy no flickr. CC BY-NC-SA 2.0

With so many understandings as to our being and what God is to us, it is no wonder we have so many names for God. Even in my own limited travels and acquaintances thus far, I have come to know not only of the many theories and beliefs as to what God is, but also the many names by which man calls God. They include such sacred and holy names as God the Creator, the One or One of all, the Source of all, the Collective Consciousness, the Highest or Most High, Highest Self, Divine Mind, Great Spirit, Holy Spirit, Spirit, Universal Christ, All that Is, the Universe, the I Am, and my favorite and the one Akiane Kramarik understands her Father in Heaven to be as quite simply Love. Explaining at the young age of just thirteen that everyone’s name and perception of God is different and that is what so often separates us. Yet, if we understand that God is love, and we know what love is, then perhaps our differences will yield way to the universal truth that we are indeed all One. For what lies within you and within me is part of all creation itself, no matter the name we use.

Com tantas interpretações sobre nossa essência e o que Deus significa para nós, não é de se admirar que tenhamos tantos nomes para Deus. Mesmo por meio de minhas viagens limitadas e pessoas que conheci até agora, aprendi não só várias teorias e crenças a respeito do que Deus é, mas também os muitos nomes dados a Deus pelos homens. Eles incluem nomes tão sagrados e santos como Deus, o Criador, o Único ou Único de Todos, a Origem de Tudo, a Consciência Coletiva, o Maior ou Mais Alto, o Eu Superior, a Mente Divina, o Grande Espírito, o Espírito Santo, Espírito, Universal Cristo, Tudo o Que Há, o Universo, o Eu Sou, e o meu favorito e aquele que Akiane Kramarik [en] entende por seu Pai Celestial: tão simplesmente o Amor. Com apenas treze anos de idada, a jovem já explicava que o nome e percepção que cada um de nós tem de Deus é diferente e que é isso o que tantas vezes nos separa. No entanto, se entendermos que Deus é amor, e soubermos o que é o amor, então talvez as nossas diferenças renderão o caminho para a verdade universal de que todos somos realmente um. Pois tudo o que está dentro de você e dentro de mim faz parte da criação em si, não importa a terminologia que usemos.

Transforme a si mesmo, transforme o universo

Deixemos a política da religião de lado – a solução para um mundo de paz é simples e está ao nosso alcance. Do Brasil, Cirilo Moraes nos lembra que o diálogo, respeito, tolerância e compreensão mútuos entre os povos começa conosco, em nossas vidas cotidianas, e sendo assim cada um de nós pode ser um instrumento de paz:

E assim é: mude interiormente e tudo ao redor mudará também. É a antiga noção de que o semelhante atrai o semelhante. Não tem segredo nenhum. Uma ação leva a uma reação; uma causa, a uma conseqüência. Violência gera violência, e dissemina ódio e ressentimentos; paz gera paz; amor gera amor. A questão é o que você escolhe disseminar. […]

Você está sendo tolerante e paciente com seus irmãos, pais, amigos, colegas de trabalho, seus conhecidos e inclusive com os que não conhece? Busca apaziguar os conflitos ou ajuda a inflamá-los? Você respeita as diferenças que os outros têm em relação a você ou quer impor as suas verdades e conceitos pré-concebidos a qualquer custo? São perguntas simples que você deve fazer a si mesmo, e não aos outros. Se cada um mudar a si, o mundo inteiro será diferente. Não adianta pedir paz aos outros, mas não agir de acordo com ela em todos os momentos de sua vida.

Ademais, lembre-se sempre: a paz do mundo começa em ti, em mim, em nós…

[N. da T.: em inglês, a palavra “faith” no termo “inter-faith” significa tanto fé como religião ou crença. Ainda em inglês, o termo “ecumenical” é um adjetivo que se aplica apenas à união dos vários tipos de denominações dentro do cristiansimo, enquanto ecumênico em português também siginifica “que congrega pessoas de diferentes credos ou ideologias” seguindo a origem em grego oikoumenikós ‘do ou aberto para o mundo inteiro’ (Houaiss)]

Foto de choconancy no flickr. CC BY-NC-SA 2.0

Visite o álbum de fotos Seeds of Compassion (Sementes de Compaixão) de Choconancy1, no flickr, cujas fotos ilustram esse post.

Mohamed ElGohary colaborou com essa post.

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