Moçambique: Inquietação Violenta, Frustração em Maputo

A capital de Moçambique, Maputo, acordou para a incerteza nesta manhã (2 de setembro), após os tumultos de ontem resultarem em um número de mortes (os números reportados pela mídia tradicional variam entre 4 e 10 pessoas). Fotos perturbadoras de uma das crianças de uma escola morta ontem foram postadas no Facebook pelo jornal A Verdade.

O site continua a ser uma fonte de informação online excelente. Sua seção “Repórter Cidadão“, que usa a plataforma de crowdsourcing Ushahidi para receber relatos em SMS, registrou novos incidentes do que chama de “Dia 2″, incluindo relatos da cidade de Chokwé, no norte da capital.

Outros jornais e parte da mídia alternativa estão aparentemente fora de circulação hoje, como observa Carlos Serra:

Problemas com dois jornais: “Savana” e “Canal de Moçambique”, o primeiro a braços com falta de papel e dificuldades em fazer circular os camiões, o segundo impresso mas sem que seja possível transportá-lo e vendê-lo, acrescendo que poucos compradores há hoje na cidade e o seu portal está temporariamente inoperacional.

Usada com uma licença Creative Commons. Foto por sharonpe no Flickr.

Na manhã de quinta-feira, habitantes da cidade como Sharon Peters relataram virtualmente quase nenhum trânsito de veículos e pouca movimentação de pedestres nas ruas de Maputo. Ela publicou fotos das ruas vazias tiradas do telhado de sua casa.

Parece que as autoridades militares patrulharam as ruas na madrugada, e a polícia tentou manter as principais ruas da cidade livres pela manhã, mas os moradores estão relatando protestos nos bairros periféricos pobres de Maputo. E há relatos, no Twitter, de tiroteios esporádicos, como diz a freelancer Natstasya Tay [en]:

Out in Mafalala tyres are burning again. Gunshots this morning, heavy police presence. Ambulance sirens going crazy.

Em Mafalala estão queimando pneus novavamente. Tiros esta manhã, forte presença policial. Sirenes de ambulâncias enlouquecendo.

Enquanto isso, a Anistia Internacional emitiu uma nota [en] pedindo a polícia que somente use munição de verdade quando em defesa da vida humana.

Hoje, os habitantes de Maputo aguardavam outro discurso do presidente Armando Guebuza. Muitos não estavam satisfeitos com o discurso lido pelo presidente ontem na TV, como @BeBe_da_DLimpo que escreveu ontem que “o presidente não compreende o quão sério é o problema” e @itzDenisse que critica a falta de espontaneidade em seu discurso. Seu apelo no Twitter “#ResignMrPresident” (#RenuncieSrPresidente) está sendo ecoado nas ruas, como relata o blog Moçambique para Todos.

O editor Jeremias Langa declarou corajosamente seu ponto-de-vista no seu jornal O País, reproduzido no blog Reflectindo Sobre Moçambique:

O Chefe de Estado é o farol orientador de um país, nos bons e nos maus momentos. É ele a voz apaziguadora e tranquilizadora das tensões sociais. Ontem, não o foi. Não soube sê-lo. Porque veio tarde demais a sua mensagem. Tudo porque, ontem, o nosso Presidente, no auge da crise, reuniu o partido no lugar do seu governo. Ou seja, mostrou que confia mais no partido que no próprio governo que lidera, quando se trata de encontrar soluções para o país.

Os blogueiros ainda estão trabalhando para digerir e analisar completamente as causas dos protestos, que foram desencadeados pelo aumento no custo de vida. Uma coisa é clara: isso causou um questionamento profundo sobre a situação econômica, social e política do país.

Por um lado, o país é considerado por muitos como um modelo para desenvolvimento na África. Por outro, Moçambique tem vivido uma forte desvalorização de sua moeda, que juntamente a uma política que favorece as importações ao invés do crescimento da economia local, leva a grandes problemas sociais. Como comenta Vera:

Moçambique à semelhança de outros países de Áfica tem pessoas que vivem numa pobreza extrema e o comércio, indústria,exportações,importações estão nas mãos de uma elite ligada aos meios políticos, aos grandes senhores.
Moçambique importa quase tudo o que consome da África do Sul e isso faz pensar… que um país outrora próspero em alimentos, fruta, hoje não tenha nada.
Não tem porque as gerações que ficaram não sabem ou não podem cultivar a terra… porque a instabilidade e os roubos não lhes asseguram a colheita do que plantarem… não convêm aos grandes senhores que a população encontre formas de sobrevivência que não passem por eles.
Moçambique é um mundo de oportunidades… sim, mas de risco máximo da própria vida. Onde existem as oportunidades é aí mesmo que elas “findam” porque a vida de quem quer fazer alguma coisa fica comprometida pela insegurança.
É claro que a fome, a miséria geram a revolta. Estão em jogo as regras mais elementares de sobrevivência humana.

Ao cair da noite, a incerteza resta em Maputo, como escreve Bibiana Gomes em seu blog:

Escrevo este texto dia 2 de setembro, às 17horas aproximadamente…e acabo de ouvir mais tiros. Ainda não acabou, nem é possível prever quando ou como vai acabar. Talvez os tiros cessem, os focos de incêndios se apaguem, mas em um país onde o espírito da guerra ainda paira, infelizmente, parece que a violência é uma tentativa de ser ouvido, de clamar por liberdade. (…)
Espera-se que até amanhã, Maputo volte a normalidade, pelo menos aparentemente. Mas depois das manifestações, temos uma pista do que se passa na mente do povo, do grito reprimido e do potencial de mobilização dessa sociedade.

Este post foi escrito com Sara Moreira.

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