Austeridade é pretexto para privatizar a água em Portugal

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Privatização da água em Portugal. Imagem: WeHaveKaosInTheGarden

A privatização da água volta a ser tema de debate em Portugal. O tema foi recentemente discutido no parlamento Português, onde a líder do partido “Os Verdes”, Heloísa Apolónia, acusou o governo de “se desdizer sobre o sector da água”. O forte endividamento faz com que o país esteja à mercê do capital estrangeiro tornando-o mais vulnerável face às privatizações.

O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, garante que “não vai fazer a privatização das Águas [de Portugal]”. No entanto, defende a reestruturação do sistema de tratamento e fornecimento da água para assegurar a sua “sustentabilidade económica e financeira”. Os autarcas locais temem que esta reestruturação seja um passo para privatizar esse bem essencial. Mas o ministro rejeita essa teoria e justifica que a reforma implementada permite evitar esse cenário. Moreira da Silva explica que “foi necessário aumentar as tarifas em municípios do litoral para que se possam reduzir os custos no interior”, dando assim “maior equidade”, no custo da água, “a nível nacional”:

As explicações do ministro não convencem o utilizador do twitter, Artur Amorim, que acredita que privatizar a água em Portugal faz parte da agenda política:

Em 2012, num artigo publicado no Jornal de Negócios, a ministra do Ambiente de então, Assunção Cristas, demonstrava as intenções da troika para privatizar a empresa “Águas de Portugal”:

A privatização da Águas de Portugal foi já abordada várias vezes com a troika, explicou Assunção Cristas aos deputados. “Dissemos que precisávamos de tempo e temos 2012 para fazer uma reestruturação do grupo ADP e só depois disso será conhecido o modelo de privatização”, concretizou, remetendo a concretização do processo para 2013.

Em 2013, a mesma ministra foi ao parlamento defender “a venda das empresas públicas de gestão de resíduos e a sub-concessão a privados dos sistemas de abastecimento de água”:


2013-01-25 SICN – Assunção Cristas defende… by tretasorg

Em reacção a este anúncio, foi criado o Movimento pela Água – Privatização da Água a referendo nas redes sociais. A plataforma aparenta estar menos activa mas, ainda em 2013, um post no Facebook dizia que “nenhuma empresa privada ou multinacional arriscaria no negócio da água se o mesmo não gerasse lucros de milhões” e questiona “qual o interesse do actual governo em privatizar este bem público que é acima de tudo um direito humano?”

Ricardo Carvalho reage ao post com o seguinte comentário:

A água potável é fonte de riqueza apetecível às empresas privadas. Se não são mais rentáveis é porque não sabem gerir o serviço. Deve ser dada a devida importância aos Sistemas de Informação Geográfico assim como à gestão com o intuito de minimizar as perdas. Também a pressão existente na rede e contadores qualificados fazem com que o negócio da água seja rentável. Não é preciso privatizar mas sim ser eficiente.

O Ouro azul

A água é chamada como o novo “ouro azul”, um paralelismo com a designação de “ouro negro” para o petróleo. A sua exploração é um negócio à escala mundial que rende milhões. O seu valor comercial e estratégico não escapou ao interesse das multinacionais. A Nestlé, a maior produtora de alimentos do mundo, lidera o mercado da água engarrafada. O seu presidente defende que “a água é um alimento e como qualquer alimento deve ter um valor de mercado“. Encarada como uma mercadoria, defende-se portanto a sua privatização. Essas privatizações já deram origem a tensões sociais (in) em várias regiões do mundo. O documentário Ouro Azul – A Guerra Mundial pela Águamostra a “sede em privatizar a água” pelas grandes multinacionais e o envolvimento do Banco Mundial.

O plano da Troika

Uma reportagem realizada em 2013, para um canal de televisão alemão, mostra como a União Europeia (UE) iniciou um projecto de privatização da água em toda a Europa que inclui algumas regiões de Portugal. Estas serviram como as percursoras desse plano “secreto”:

Em 2014, quando se celebrava a Iniciativa de Cidadania Europeia “Água e Saneamento São Direitos Humanos”, o euro-deputado pelo partido “Os Verdes”, Bas Eickhout, criticou a Comissão Europeia por, em conjunto com a troika, exigir a privatização da empresa “Águas de Portugal”:

A água é um Direito Humano

O Parlamento da Grécia prepara-se para aprovar legislação que pretende enquadrar a Água como um Direito Humano na sua constituição, podendo tornar-se pioneira na Europa no que diz respeito à conservação de um bem essencial e de acesso universal. Se esta lei for aprovada na Grécia, fica o caminho aberto para que aconteça o mesmo nos restantes países europeus.

A iniciativa grega deu o mote para o movimento Right2Water que junta várias organizações europeias com o objectivo de obter dois milhões de assinaturas para que a UE inicie o debate e crie a devida legislação a nível europeu. Tal ainda não aconteceu mas o assunto vai voltar a ser discutido no Parlamento Europeu em breve, segundo o portal InfoGrécia.

[actualizado, 08/06/2015] As privatizações prosseguem a um ritmo alucinante em Portugal. A empresa “Águas de Portugal”, ligada à EDP (entretanto privatizada em 2011) poderá gerar o interesse da Nestlé, que foi dona da marca “Água Castello”(1981) e detém a “Fonte Campilho”. [actualizado, 08/06/2015]

No Facebook, o utilizador Hélio Moreira cita uma célebre reflexão do escritor e Nobel da Literatura, José Saramago, que em jeito de desabafo escreveu um registro sobre as privatizações, em Cadernos de Lanzarote – Diário III, págs. 147 e 148.:

Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a p*** que os pariu a todos.

1 comentário

  • Konfrad Konfratelius

    O maior roubo que a turpe do crápula Passos Coelho se prepara para fazer a este pequeno país. Se isso vier a acontecer, que haja alguém que o prenda e atire fora a chave.
    Subscrevo por inteiro Saramago!

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