Media portugueses querem Códigos de Conduta para jornalistas nas redes sociais

Cego pelo jornalismo. Photo: Ahmad Hammoud/Flickr CC BY 2.0

Cego pelo jornalismo. Photo: Ahmad Hammoud/Flickr CC BY 2.0

Alguns meios de comunicação social portugueses estão a discutir as primeiras regras de conduta no sentido de “regular a actividade dos seus jornalistas nas redes sociais”. Publicou o semanário Expresso que também se insere nesse grupo de empresas.

A notícia adianta que a SIC, a TVI, o Diário de Noticias e o Expresso têm já em marcha novos códigos de conduta que se prevê serem implementados em breve. A estação de televisão pública, a RTP, “promete debater o assunto primeiro”.

A medida está a levantar polémica entre os jornalistas portugueses. Confusão entre o que se pode considerar âmbito pessoal e âmbito profissional “aceleram o debate sobre a ética jornalística”, diz o Expresso.

O Global Voices foi tentar saber o que pensam alguns especialistas acerca da criação de um Código de Conduta para Jornalistas nas redes sociais:

A professora Suzana Cavaco, especialista em Ética e Deontologia Profissional, considera que a sociedade civil deve reflectir em conjunto com os meios de comunicação sobre o que deve ser considerado eticamente correcto. A docente do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto enumera três princípios que, no seu entender, “devem orientar toda a reflexão acerca de códigos de conduta para jornalistas nas redes sociais”:

O primeiro pressuposto é que o jornalista, por ser jornalista, não pode perder o direito inalienável à liberdade de opinião e de expressão que, de acordo com o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões.

Segundo: O jornalista, no exercício da sua profissão, não deve alienar a sua consciência ao órgão de comunicação para o qual trabalha, devendo assumir a responsabilidade por tudo aquilo que escreve/diz (conforme Código da UNESCO, de 1983).

Terceiro: Os códigos deontológicos devem ser elaborados em sede de auto-regulação mas abertos à reflexão cívica.

Tiago Dias, jornalista e membro da nova direcção do Sindicato dos Jornalistas em Portugal, explica a posição do Sindicato :

O Sindicato dos Jornalistas acredita que há uma discussão a fazer sobre o assunto em Portugal, mas rejeita à partida quaisquer concepções que apontem na direcção de normas ou regras de comportamento que limitem a liberdade de expressão – nas redes sociais ou fora delas. Tal não acontece na vida real e tal não deve suceder nas redes sociais.

Os códigos de conduta são já utilizados em países como os Estados Unidos da América e a França. A agência de noticias francesa, AFP, terá implementado um código de conduta para as redes sociais em 2011:

O actual Código Deontológico do Jornalista continua a servir o actual jornalismo, o jornalismo das redes sociais?

Cátia Mateus, jornalista e estudante de doutoramento da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, efectuou uma pesquisa sobre este tema, na qual inquiriu 300 jornalistas portugueses no activo em 76 órgãos de comunicação nacionais, e cujos resultados podem ser consultados no Observatório Europeu de Jornalismo, EJO (sigla em Inglês). Este estudo questiona se a tradicional ética deontológica do jornalista poderá servir o jornalismo actual, o jornalismo das redes sociais. Uma percentagem significativa dos jornalistas inquiridos acredita que não e que os velhos valores do Código Deontológico dos Jornalistas deverá ser adaptado à nova realidade do jornalismo.

Jornalismo nas redes sociais. Photo: Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Jornalismo nas redes sociais. Photo: Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Por outro lado, Tiago Dias afirma que “sim” e acrescenta que:

O Código Deontológico é intemporal e a sua (re)leitura permite essa constatação logo no primeiro momento: “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público. Ainda assim, pode eventualmente ser atualizado para refletir de forma clara a realidade das redes sociais.

A professora Suzana Cavaco considera que:

Os códigos deontológicos não são documentos sagrados, pelo que as suas regras devem ser compreendidas e questionadas, quer pelos profissionais quer pelos cidadãos em geral (…) Na realidade, as incertezas fazem parte da Ética. A questão colocada – a extensão dos deveres deontológicos (moral aplicada ao exercício de uma profissão) à vida pessoal do jornalista – é também rica em complexidade e incerteza. Apesar de actual, a questão não é nova.

No contexto das redes sociais, e do que ali se publica pelos jornalistas, o que se pode considerar eticamente correcto? É possível identificar onde está a barreira entre o que é moralmente correcto e  incorrecto?

O jornalista e dirigente do Sindicato dos Jornalistas, Tiago Dias, diz que “a barreira está no mesmo local da profissão” e alerta que:

Os jornalistas têm de ter noção de que não deixam de ser jornalistas quando utilizam esse espaço. Apesar de terem, claro, o direito de serem “meros cidadãos”, os jornalistas têm uma responsabilidade social e ética acrescida pela profissão que desempenham.

Dias conclui que “o equilíbrio entre estas duas faces exige bom senso”.

A professora de Ética e Deontologia Profissional do curso de Jornalismo da Universidade do Porto dá o exemplo seguido no “Livro de Estilo” do jornal “Público”:

O eventual conflito entre deveres profissionais e direitos individuais mereceu a atenção, por exemplo, do jornal Público, cujo Livro de Estilo, publicado em 2005, constitui uma obra de referência dos cursos de Ciências da Comunicação em Portugal. O documento “Princípios e Normas de Conduta Profissional” (inserido nesse Livro de Estilo) estabelece no artigo 56º que o jornalista deste órgão de comunicação “deve abster-se de tomadas de posição no espaço público não jornalístico de carácter político, comercial, religioso, militar, clubístico ou outras que, de algum modo, comprometam a sua imagem de independência, ou de assinar petições ou de abaixo–assinados em qualquer desses sentidos (…)

O artigo do semanário Expresso refere os casos de três jornalistas (Paulo Dentinho, Rui Araújo e José Gabriel Quaresma) que, ao tecerem comentários nas suas redes sociais, levantaram polémica entre a opinião pública.

Um adepto do Sporting publica no seu twitter o comentário feito pelo jornalista José Gabriel Quaresma na página do Facebook de um amigo. O comentário foi entretanto eliminado pelo jornalista que fez um pedido de desculpa, garantindo se tratar de uma piada.

Muitos jornalistas pensam que este código de conduta poderá “coibir a liberdade de expressão”. O jornalista do Diário de Noticias, Jorge Freitas de Sousa, apelida os autores da intenção de criar códigos de conduta de “Policias do Facebook” num artigo de opinião publicado no DN, um dos jornais que pretende introduzir estas medidas.

Devem estes profissionais estar preocupados?

Tiago Dias remata que:

Depende do que se trata. Se se fala de regras e normas, então é com profunda preocupação que as vemos. Se falamos de linhas orientadoras resultantes de processos de diálogo com os Conselhos de Redacção, Comissões de Trabalhadores, com o próprio Sindicato e com os profissionais em geral, não vemos motivo para tal.

Suzana Cavaco concluí que:

A deontologia dos jornalistas – volto a repetir: enquanto obra dos seus profissionais – constitui um compromisso coletivo que não anula a existência de uma ética individual. Porém, se a deontologia se torna incompatível com a auto-ética, cabe à pessoa ter a honestidade intelectual de não exercer esta profissão. Para bem dela, da classe profissional e da sociedade em geral.

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