Polícia brasileira diz que estes dois homens portavam explosivos durante protesto anti-Copa. Vídeos e fotos mostram outra versão.

Lutar não é crime

Arte do coletivo Se Não Tiver Direitos Não Vai Ter Copa, usada com permissão

Ativistas brasileiros usam fotos e vídeos para mostrar que a polícia teria forjado provas para incriminar dois manifestantes presos no final do protesto anti-Copa na Avenida Paulista no final de junho.

Segundo o boletim de ocorrência, os policiais alegaram ter encontrado um “artefato incendiário de fabricação rudimentar” na mochila de Fábio Hideki Harano e uma “garrafa de iogurte com forte odor de gasolina” na posse de Rafael Marques Lusvarghi em 23 de junho de 2014. Eles foram acusados de formação de quadrilha, incitação ao crime, resistência, desobediência e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Ambos são réus primários e negam as acusações. A polícia não apresentou evidência dos supostos explosivos.

Em declaração à imprensa no dia seguinte, Fernando Grella, secretário de Segurança Pública de São Paulo, afirmou que estes “são os primeiros casos de ‘black blocs‘ presos em flagrante por incentivar a prática de crimes”, rotulando Harano e Lusvarghi como membros de um grupo anarquista conhecido por atos de vandalismo durante protestos.

Grella também defendeu o disparo de tiros de arma de fogo da parte de um policial para dispersar a multidão no decorrer da prisão.

Uma outra versão dos fatos

Entretanto, testemunhas oculares e várias imagens e vídeos postados na internet parecem desafiar a versão oficial.

O estudante e servidor público Fábio Hideki Harano voltava para casa quando foi detido dentro de uma estação de metrô por agentes à paisana do DEIC, delegacia que investiga o crime organizado. Revistado na presença de várias pessoas, ele gritou desesperado para que portadores de câmeras filmassem o ato, a fim de mostrar que não carregava nada ilegal. Um vídeo de Karla Oliveira mostra o momento da prisão e revista de Hideki:

Outro vídeo, do coletivo Advogados Ativistas, formado por advogados que defendem manifestantes nas ruas, mostra policiais fazendo uma segunda revista em Fábio, dessa vez do lado de fora da estação, onde nada parece ter sido encontrado:

O professor Rafael Lusvarghi foi detido pela segunda vez desde o início dos protestos em junho. Este vídeo do coletivo Testemunha do Caos mostra como ele foi capturado brutalmente por quatro policiais. Em um post detalhado sobre o manifestante, um dos blogueiros do grupo dá o seu testemunho sobre o que viu:

Ao final do ato as pessoas foram se dispersando, uns indo pela calçada, outros indo em direção ao metro. Do lado da estação Consolação, atrás de uma banca de jornal, uns policiais do DEIC – GARRA fizeram uma tocaia e foi onde prenderam Lusvarghi. Uma arma de fogo foi disparada pelo menos duas vezes. O manifestante foi jogado no chão, enquanto o CHOQUE fazia uma formação em linha que, no meu entendimento, era para “limpar a rua das pessoas”. Isto posto, o Choque também deu tiros ali, mas não acertou ninguém. Fiquei surpreso que Lusvarghi tinha sido acusado de porte de explosivos. Ele não portava nenhuma mochila, a saia não tinha bolso, então a bomba estava aonde, enfiada no cu?

O site dos Advogados Ativista também coletou várias fotos de Rafael no decorrer de todo o protesto para mostrar que ele não portava bolsas ou bolsos:

No entanto, à noite, já no DEIC – delegacia responsável pelo inquérito das manifestações – “surge” um explosivo nos objetos de ambos. A acusação torna-se mais que estúpida, talvez criminosa, isto é, a possível realização de flagrante forjado pela Polícia Civil do Estado de São Paulo.

O coletivo também oferece uma detalhada análise da atuação policial durante os protestos de 23 de junho.

Gás lacrimogêneo e balas de borracha para defensores

Na noite de 1º de julho, manifestantes fizeram uma assembleia pública na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, para exigir a libertação dos dois presos. O ato pacífico foi repreendido por bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. O premiado escritor Ricardo Lisias, que seria um dos palestrantes na assembleia, conta no Facebook como ele viu a polícia “enfiar câmera” nos rostos das pessoas para intimidá-las:

De repente, um negócio me deixou pasmo: dois policiais sem identificação entraram no meio da manifestação e se colocaram na frente da mesa onde a gente iria falar! Um deles tinha uma câmera (bem obsoleta, parecia câmera de VHS) e ficava filmando o rosto das pessoas.
Repito: dois policiais entraram no meio da manifestação para intimidar o pessoal. Foi a mais ou menos três metros de onde eu estava. Aí um grupo ficou tenso e começou a gritar. Os dois policiais continuaram enfiando a câmera na cara das pessoas em clara atitude de intimidação e na verdade ainda uma outra coisa: para causar um incidente. Bastava que um jovem caísse ali na frente dele e um policial escorregasse para que os cavalos viessem em cima da gente.
Por sorte o ato estava bem organizado e não houve incidente. Dois advogados foram presos (pasmem!!) sem que houvesse qualquer tumulto. Vou repetir o que eu vi: o protesto era pacífico, não havia ninguém com o rosto coberto, não havia nada sendo depredado e a polícia de fato tentava a todo custo causar um incidente.

Pelo menos seis pessoas foram detidas naquele protesto, e ao menos uma delas foi a prisão arbitrária de Silvia Daskal, advogada do coletivo Advogados Ativistas, como mostra esse vídeo:

Ela mais tarde explicou o que aconteceu:

A tenente já veio pra cima de mim me enforcando e quase quebrando meu pulso. Quando me levaram para perto da viatura eu vi que o outro detido era nosso companheiro, o advogado Daniel Biral, que estava no camburão sendo agredido por diversos policiais. Ele estava algemado, gritando e se debatendo na tentativa de se defender.

Transformando manifestantes em bodes expiatórios

Os Advogados Ativistas consideraram que as prisões de Fábio e Rafael ocorrem em um momento oportuno para a Polícia Civil. O DEIC, departamento responsável pela administração do inquérito que investiga os manifestantes do “Black Bloc” – que vestidos de preto e com os rostos cobertos praticaram atos de vandalismo nos protestos contra o governo em junho do ano passado – sofre críticas por ainda não ter conseguido apresentar provas suficientes para embasar uma ação penal contra ninguém. Segundo os advogados do coletivo, a atuação demonstra que o objetivo da polícia é criminalizar manifestações populares, procurar “bodes expiatórios” e “mostrar serviço”.

Enquanto a grande imprensa divulga apenas a versão policial, manifestações continuam em São Paulo. Um novo protesto está marcado para amanhã, dia 10 de julho. Organizado pelo coletivo Se Não Tiver Direitos Não Vai Ter Copa”, o evento chama-se, com oportuno duplo sentido, “A Grande Formação de Quadrilha”:

É tempo de festa junina, mas não temos tempo para comemoração.
Aproveitaremos o clima e faremos uma grande quadrilha pela libertação dos nossos dois presos políticos, Fábio e Rafael, acusados de formação de quadrilha (sim, quadrilha de dois é mais uma das invenções dos Jênios do Estado).
#SomosTodosPresosPoliticos

Protesto Grande Quadrilha

Arte do coletivo Se Não Tiver Direitos Não Vai Ter Copa, usada com permissão

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