Guiné Equatorial: O Preço da Adesão à CPLP

Decorrerá a 20 de Julho de 2012 a Cimeira de Maputo, na qual vai ser tomada uma decisão sobre a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Em Junho de 2011 reportamos sobre questões levantadas por vários bloggers do espaço lusófono que questionavam se a CPLP teria “olhos para os direitos humanos“.

Um ano depois, marcando o 70º aniversário do Presidente Teodoro Obiang (desde 1979 no poder após um golpe de estado que depôs e condenou à morte o seu antecessor), fazemos um novo ponto de situação. Se por um lado têm surgido várias iniciativas contra o que consideram ser a instrumentalização de laços linguísticos, a “petroditadura” e a falha do regime de Obiang no cumprimento dos princípios orientadores da CPLP, também há quem esteja a favor da entrada.

Presidente Obiang. Pavilhão da Guiné Equatorial na Expo de Shangai 2010. Foto de nozomiiql no Flickr (CC BY-NC-SA 20.0)

Presidente Obiang. Pavilhão da Guiné Equatorial na Expo de Shangai 2010. Foto de nozomiiql no Flickr (CC BY-NC-SA 20.0)

Um exemplo é o Movimento de Apoio à Guiné Equatorial como Membro da CPLP (MAGE), que faz alusão a acontecimentos históricos que ligaram Portugal a parte do território da Guiné Equatorial no século XV, e que tem como objectivo “recolher o máximo possível de assinaturas de cidadãos de todos os Países membros” que favoreçam a admissão da Guiné Equatorial como membro efectivo da CPLP, para que sejam entregues ao Secretário Executivo da CPLP.

Como defende Clavis Prophetarum, do blog Quintus, “a questão da eventual adesão da Guiné Equatorial à CPLP é muito polémica, praticamente desde o primeiro dia”:

A CPLP ganharia influencia e presença no mundo com esta adesão? Sim, mas a um preço demasiado alto. A CPLP só pode aspirar a ser o ponto de partida para aquilo que desejamos: uma União Lusófona, se mantiver o respeito aos seus próprios estatutos, que consagram o respeito pelos Direitos Humanos e pelo são exercício democrático. A Guiné Equatorial pode aderir (e deve) desde que respeite ambos os conceitos. Se o regime tem assim tanto desejo em aderir então que faça como fez a União Europeia para com a Turquia: que exija o cumprimento destas regras básicas. Uma Guiné Equatorial respeitadora dos Direitos Humanos e da Democracia é bem vinda. A atual, não. Nem que fale português.

"Consegue-se ver um futuro país chamado TORRE DE BABEL". Imagem do blog Las Locuras de Jamón y Queso (usada com permissão).

"Consegue-se ver um futuro país chamado TORRE DE BABEL". Imagem do blog Las Locuras de Jamón y Queso (usada com permissão).

Também o escritor e dissidente Juan Tomás Ávila, em entrevista ao jornal Público de 1 de Junho de 2012, recuperada no blog O Linguado, é peremptório:

Nos meus artigos na imprensa estrangeira, falo da situação política, o que me permite, nos livros, falar de outras coisas, contar histórias. E muitas transportam-nos para Annobón. Lá, a língua materna é o fadambo, um crioulo de origem portuguesa.
Esse foi um dos aspectos apontados para justificar uma entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A Guiné Equatorial já tem estatuto de país observador, agora quer ser país-membro com plenos direitos. (…)
O país também faz parte da francofonia e para isso aprovou o Francês como língua oficial. O Português foi aprovado por decreto presidencial. Essas duas línguas juntam-se ao Espanhol, como línguas oficiais. Qual o sentido que isso faz?
Quando ele [Obiang] tenta entrar nestas instituições, quer branquear a sua imagem e organizar eventos para dizer que é um líder muito importante.

Não é apenas do lado de guinéu-equatorianos que se questionam as motivações por trás do regime de Teodoro Obiang em querer pertencer à CPLP. Em Cabo Verde, Abraão Vicente afirma-se “frontalmente contra a entrada”, e acrescenta:

confio que a grande maioria dos cabo-verdianos que acreditam nos valores universais da humanidade também se objectam. As razões da minha oposição são muito pragmáticas: Guiné Equatorial é um regime ditatorial, o seu presidente Teodoro Obiang Nguema é acusado não só de desviar elevadíssimas quantias dos cofres do Estado como também é acusado de executar sumariamente todos os seus oponentes. A família Obiang neste momento é alvo de investigação na França e em vários outros países do mundo por transacções de avultadas quantias, compras de propriedades, obras de artes e outros bens sem justificativos devidos da origem do dinheiro. Enquanto isso milhar e milhares de cidadãos desse país morrem à fome. O regime instalado na Guiné Equatorial é feito do sangue e da miséria de milhares de cidadão e as tais reformas nas quais o nosso PM [Primeiro MInistro] se baseia para apoiar a entrada desse país na CPLP são apenas fachada.

Em Portugal, o blog Guiné Equatorial Livre nasceu da vontade de um grupo de cidadãos em dar a conhecer alguns factos deste país que não são divulgados nos meios de comunicação de massas, de que é exemplo a condenação à pena de morte de um cidadão do Mali em Maio de 2012, quando a abolição da pena de morte seria expectável para a entrada da Guiné Equatorial na CPLP.

Ao exemplo das acções de 2010, e tendo em conta o actual contexto, foi lançada uma petição a 4 de Junho de 2012, promovida por plataformas do Brasil, de Cabo Verde, de Portugal e de São Tomé e Príncipe, fazendo um apelo aos Chefes de Estado e de Governo da CPLP para que recusem a adesão da Guiné Equatorial à instituição:

não permitam que a Dignidade Humana seja penhorada ao aceitarem a admissão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Este país não reúne as condições para esse efeito. Trata-se de um país onde não há espaço para a democracia, para a liberdade, para a igualdade, para os direitos humanos, para a justiça social e onde a adopção da língua portuguesa como (terceira) língua oficial não resulta da história, da expressão cultural ou vontade do povo. A admissão deste país à CPLP, nas actuais condições e face aos princípios que esta Comunidade propugna, nomeadamente nos seus Estatutos, descredibilizará e manchará irremediavelmente a reputação e a respeitabilidade da CPLP na comunidade internacional.

2 comentários

  • José Senna

    Teodoro Obiang Nguema, Nosso futuro Presidente

    Não se trata de
    engano, nem sequer de ironia: dentro de poucos anos, um dos mais obscuros
    ditadores deste Planeta, Teodoro Obiang Nguema será nosso Presidente. Presidente
    em  exercício da Comunidade dos
    Países de Língua Portuguesa.

    Essa será a
    consequência lógica da prevista admissão da Guiné Equatorial como membro
    efectivo da CPLP, na cimeira desta organização prevista para o próximo mês em
    Maputo, Moçambique. Uma vez membro da CPLP, o país candidatar-se-á a acolher
    uma das próximas cimeiras da organização, o que fará de Obiang o seu
    Presidente.

    Em Maputo, os
    Presidentes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e
    Timor-Leste perfilar-se-ão para cumprimentar com veneração e abraçar com entusiasmo
    a mais nova estrela do firmamento lusófono, Sua Excelência Teodoro Obiang
    Nguema, franqueando as portas da CPLP a uma das mais retrógradas e opressivas
    ditaduras que ainda persistem no mundo, emprestando-lhe desse modo prestígio e
    credibilidade. Prestígio e credibilidade esses que a CPLP perderá a dobrar.

    E a CPLP passará a
    ser diferente.

    A pena de morte, de
    cuja abolição sempre se orgulharam os países da CPLP, ganhará direito de
    existência no seio da Comunidade. A CPLP deixará de poder apresentar-se com uma
    posição coerente nos esforços para se pôr termo a essa punição cruel, desumana
    e degradante, perdendo a distinção de ser a única organização internacional
    cujos membros aboliram a pena capital.

    As garantias de liberdade
    de imprensa, de opinião e de expressão, que através de uma luta tenaz dos povos
    dos países de língua portuguesa vêm sendo gradualmente conquistadas e
    consolidadas, sofrerão um sério revés com a aceitação na CPLP de um regime que
    baseia a sua sobrevivência na repressão dessas liberdades.

    Se é verdade que a
    corrupção não foi eliminada nos países da CPLP, a entrada da Guiné Equatorial
    vem trazer para a CPLP o pior exemplo que o mundo de hoje testemunha em termos
    saque das riquezas de um país por parte do seu próprio governo, cujos membros
    são, na sua maioria, filhos, irmãos, cunhados e sobrinhos do ditador-presidente,
    que também controlam as Forças Armadas, a Segurança, a banca e as empresas
    públicas e privadas.

    E se a democracia nos
    Estados da CPLP é um processo em vias de afirmação e consolidação, a Guiné
    Equatorial representa a negação dos mais elementares pressupostos dessa
    conquista, com a concentração absoluta do poder nas mãos de um homem que se
    perpetua no poder há mais de três décadas e, tranquilamente, se prepara para
    transferir esse poder para seu filho, reconhecido delinquente com mandados de
    captura internacional por práticas de corrupção, enriquecimento ilícito e
    lavagem de dinheiro.

    A Comunidade dos
    Países de Língua Portuguesa apronta-se para aceitar no seu seio um país que usa
    o espanhol em actos oficiais, onde se falam várias línguas nacionais mas onde o
    português é completamente ignorado. Para tentar enganar a opinião pública e
    contornar uma exigência fundamental dos estatutos da CPLP, o ditador-presidente
    fez adoptar às pressas e sem observar os requisitos legais do próprio país, uma
    decreto que torna o português língua oficial.

    Em 2010 os Chefes de
    Estado da CPLP, particularmente devido à posição firme do Presidente de
    Portugal Aníbal Cavaco Silva, mas também graças a uma importante mobilização da
    opinião pública dos países da CPLP, recusaram o estatuto de membro à Guiné
    Equatorial, tendo estabelecido um conjunto de requisitos para que ela pudesse
    ingressar na comunidade.

    Apesar de o
    ditador-presidente se ter comprometido em respeitar essas condições, suas
    promessas, como de hábito, nunca foram cumpridas: os cidadãos do seu país continuam
    sujeitos à mesma opressão e desmandos, privados de poderem escolher livremente
    os seus governantes e despojados das imensas riquezas produzidas no país que
    vão para os bolsos de Teodoro Obiang Nguema e seus familiares. A última
    condenação à morte por um tribunal guineense teve lugar há escassas semanas.

    Nada de substancial,
    portanto, mudou na situação da Guiné Equatorial de 2010 para os nossos dias.

    Aliás, pelas razões
    apontadas atrás, o Grupo Ibero-Americano que reúne todos os países de língua
    espanhola e portuguesa, tem sistematicamente recusado a entrada da Guiné
    Equatorial no seio dessa organização, onde seria mais aceitável a presença de
    uma antiga colónia espanhola.

    Contudo, as
    diplomacias dos países da CPLP assim como o seu Secretariado mantém o maior
    silêncio sobre o desprezo que mereceu de Teodoro Obiang a decisão dos Chefes de
    Estado. Pior do que isso, há indicações de que, por pressões ditadas por
    mesquinhos interesses comerciais de alguns governos, foi já tomada a decisão de
    admitir a Guiné Equatorial na CPLP, estando em curso concertações sigilosas
    para acertar os pormenores das “justificações” que serão apresentadas ao
    público para justificar tal decisão, mantendo-se a imprensa à distância, para
    não levantar ondas na opinião pública.

    Este é um momento
    crucial para se agir no sentido de travar essa acção pela calada, que pretende
    trazer para o seio da CPLP um dos regimes notoriamente mais opressivos da
    actualidade.

    Assim como foi
    possível em 2010, uma opinião pública e cidadã mobilizada pode fazer a
    diferença e impedir uma tomada de decisão lesiva aos interesses dos povos dos países
    de língua portuguesa e da Guiné Equatorial.

    Uma decisão que  desvirtuaria irreparavelmente a Comunidade
    dos Países de Língua Portuguesa!

     

  • Emerson

    Absurda essa veneração a Direitos Humanos e condenação de ditaduras que se faz neste caso. Então, a situação em Angola, com um mesmo presidente desde 79 é o quê? Tanto Obiang (o ditador) quanto Eduardo dos Santos (o presidente) são chefes de estado de seus países desde 1979! E há perspectivas de uma Angola democrática, por acaso?
    Na Guiné Equatorial não se fala português……e em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor Leste, ou mesmo em boa parte de Moçambique? E contnuam sendo lusófonos, porque documentos atestam que assim o são.
    Há por acaso respeito a Direitos Humanos em Guiné-Bissau? É temerário dizer que sim!
    A CPLP está se transformando apenas em um clubinho de ex-colônias portuguesas…só isso. Muito triste.
    Emerson

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