Portugal: País à Deriva e Intenções de Resgate

Na mesma semana em que Portugal celebra o 25 de Abril – que em 1974 pôs fim à ditadura de 41 anos para dar lugar a uma democracia neo-liberal – e o 1º de Maio – Dia do Trabalhador – o apelo aos ideais de liberdade, justiça e igualdade é feito em cenário de grave e prolongada crise económica que contamina a esfera social e política.

A queda do Governo, em meados de Março, e a abertura das portas à “troikaformada pelo Fundo Monetário Europeu (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE), para um resgate financeiro internacional, acendeu ainda mais o estado alerta dos portugueses para questões que determinarão as condições em que vão ter de viver nos próximos anos.

Nos blogs e redes sociais, fazem-se contas a um Portugal desgovernado e à deriva, que não consegue satisfazer o complexo modelo macro-económico com o qual se comprometeu,  ao abrigo de uma ideia de Europa aberta e solidária.

"Proposta de actualização da bandeira portuguesa, juntamente com um aumento da duração do hino nacional para o dobro com redução da velocidade para metade, institucionalizado em vídeo com edição em loop, ora para a frente, ora para trás. Esta intenção está de acordo com a realidade do nosso país."

"Proposta de actualização da bandeira portuguesa, juntamente com um aumento da duração do hino nacional para o dobro com redução da velocidade para metade, institucionalizado em vídeo com edição em loop, ora para a frente, ora para trás. Esta intenção está de acordo com a realidade do nosso país." Fotografia de Miguel Januário ± do site maismenos.net, usada com permissão

Mais ou menos desenvolvimento

Embora desde a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE, hoje União Europeia, UE), em 1986, tenham sido injectados dezenas de milhares de milhões de euros em fundos estruturais e de coesão, para o desenvolvimento do país, estudos recentes concluem que “o crescimento da economia portuguesa foi adversamente afectado pela adesão de Portugal à União Económica e Monetária” [pdf].

No blog Quintus, um post assinado com o pseudónimo Clavis Prophetarum, explica:

pagaram para que destruíssemos o nosso tecido produtivo: a frota abatida em troca de subsídios de “modernização da frota” que não exigiam que as embarcações abatidas fossem substituídas por novas (…), com o abandono dos mares e a abertura escancarada dos nossos mares às frotas europeias e com idênticas acções na agricultura e na indústria, tornamo-nos num estéril “país de serviços”.

Moedas de 2€ de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (os "PIGS" da Europa), face à Alemanha. Foto no Flickr de Landahlauts (Creative Commons 2.0 BY-NC-SA).

Moedas de 2€ de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (os "PIGS" da Europa), face à Alemanha. Foto no Flickr de Landahlauts (Creative Commons 2.0 BY-NC-SA).

Com a adopção do Euro desde 1999 e entrada em circulação única desde 2002,  Portugal comprometeu-se com os “Critérios de Convergência” estabelecidos para todos os países da zona Euro, que exigem políticas fiscais responsáveis, como a dívida pública abaixo de 60% do PIB e o défice orçamental inferior a 3%. Segundo dados lançados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em Março de 2011, o valor do défice de Portugal subiu 0,6% face a 2010, para 9,1%, e a dívida pública passou de 92,4 para 93% do PIB.

Austeridade com Ostentação

Já desde o final de 2007 que as palavras “crise”, “défice” e “dívida” pública são “prato do dia” na conversa dos portugueses.  Há seis anos no poder, o governo de José Sócrates vinha a procurar soluções para equilibrar o défice e desde Março de 2010 apresentou quatro propostas de Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), com medidas de austeridade sobre as contas públicas que geraram polémica nos cortes a diversos apoios sociais.

O ano 2011 começou com cortes nos salários dos funcionários públicos, o que levou a um descontentamento generalizado face à incapacidade de encontrar medidas constitucionais de contenção de despesas mais “justas”.

Outra medida de austeridade com reflexo imediato nos bolsos dos portugueses desde o início do ano foi a subida do imposto sobre o valor acrescentado ou agregado (IVA) – aplicado na União Europeia sobre a despesa ou consumo. Com o incremento de 2% ao valor do IVA, são agora tributados 23% sobre a generalidade das operações económicas efectuadas em (e a partir de) Portugal. Quando o Governo anunciou que o golfe (com uma contribuição de 500 milhões de euros para o produto interno bruto (PIB) nacional) seria tributado à taxa mínima de 6%, a onda de indignação foi imediata. O objectivo seria promover a recuperação económica através do sector turístico, mas sendo por muitos considerado “um desporto das classes ricas“, a redução do IVA do golfe gerou grande polémica ao ser confrontada com as crescentes propostas de novos cortes nos apoios sociais.

O Protesto da Geração à Rasca a 12 de Março trouxe às ruas cerca de 200 mil pessoas que demonstraram o seu descontentamento com o crescente desemprego e precariedade laboral. Em resposta à forte adesão ao protesto, formou-se uma coligação de blogsJá Basta! – que exigia a queda do Governo.

A 23 de Março, quando a Assembleia não aprovou o PEC IV proposto por José Sócrates, este apresentou o seu pedido de demissão ao Presidente Cavaco Silva. No mesmo dia, uma intervenção criativa do artista e activista Miguel Januário na escadaria da Assembleia da República, marcava a data com uma tacada e ostentação:

“± EGO SUM PANIS VIVUS ±” (Eu sou o pão vivo) de ± no Vimeo

Ao contrário do que no início do ano José Sócrates tinha afirmado que não iria acontecer, em Abril, foi dirigido um pedido de ajuda à troika composta pelo FMI, CE e BCE, para resgatar o país das dívidas. Estão já a ser avaliadas as condições de um “inevitável” empréstimo de 80 mil milhões de euros.

O inevitável é viável?

São vários os movimentos sociais online que questionam, e fazem questionar, se aquilo que o Governo e demais agentes do resgate da dívida propõem é a melhor solução.

"O inevitável é inviável" por Gui Castro Felga de "O Blog ou a Vida". Imagem usada com permissão

"O inevitável é inviável" por Gui Castro Felga de "O Blog ou a Vida". Imagem usada com permissão

O colectivo anti-austeridade Portugal Uncut diariamente desenvolve acções de denúncia de cortes nos serviços públicos e transferências sociais em todo o país.

Um manifesto assinado por 74 cidadãos nascidos depois de 74 apela à necessidade de se repensarem as mudanças que se adivinham no campo do trabalho – com uma “regressão dos direitos laborais [a caminhar] a par com uma crescente precarização que invade todos os planos da vida” – e no Estado social – sublinhando a crescente privatização dos sectores da saúde e da educação. Criticam ainda o “novo vocabulário” que se instala no país:

transformando em «credores» aqueles que lucram com a dívida, em «resgate financeiro» a imposição ainda mais acentuada de políticas de austeridade e em «consenso alargado» a vontade de ditar a priori as soluções governativas.

Lançado no 25 de Abril, o portal de transparência Despesa Pública promete fazer os cidadãos portugueses perceberem de que forma é que o Governo tem gasto o dinheiro público. O site permite pesquisar as ajudicações de contratos entre o estado e entidades públicas ou privadas, respondendo à falta de informação acessível sobre como, onde e por quem é que os impostos são gastos.

As eleições legislativas estão marcadas para o dia 5 de Junho. Mas ainda antes disso, vejamos o que Maio traz.

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