Brasil: Formas criativas de censura, e a questão da anonimidade

O Brasil está acostumado a ser reconhecido pela presença qualificada da população na Internet, e pela facilidade dos usuários em assimilar novas possibilidades da rede. Apesar disso, ou talvez exatamente por conta disso, o país esteja se tornando rapidamente um espaço para inovadores e criativos modelos e táticas de censura na internet.

Uma busca rápida por “‘brazil’ + ‘censorship'” no Global Voices [En] nos retorna um punhado de títulos assustadores publicados nos últimos 6 meses (todos já traduzidos para o português): Demissão de Blogueiro: Censura ou apenas negócios? (23 de março), Blogueiros unidos contra o bloqueio do WordPress (12 de abril), Primeiro blog vítima da lei eleitoral (1 de junho), Blogando Contra a Censura na Rede (19 de julho), Blogueiros questionam os 13 novos crimes cibernéticos (17 de julho), Censura eleitoral a todo vapor (22 de julho).

Desta vez, as notícias estranhas vem do estado de Minas Gerais, onde o atual governador Aécio Neves cuidadosamente se prepara para disputar a presidência do país nas eleições e 2010, quando Lula deixará o cargo. Em meio às eleições municipais que ocorrem agora em todo o Brasil, o jornal online de oposição ‘Novo Jornal’ foi retirado do ar por procuradores estaduais — o Ministério Público — sob acusações (já refutadas) de anonimidade.

A verdade é que as disposições da Constituição Brasileira criam uma situação algo contraditória, especialmente para as manifestações online: a livre expressão do pensamento é garantida no mesmo parágrafo em que a anonimidade é formalmente proibida. Ainda assim, a derrubada do ‘Novo Jornal’ está chamando a atenção da blogosfera pela criatividade estratégica em usar o Ministério Público estadual e alegações de cibercrimes para imediatamente retirar do ar um site jornalístico sem a necessidade do processo legal apropriado. Os blogues também estão apontando para o fato de que a mídia tradicional está silenciando sobre o caso — no que começa a transparecer como um padrão quando se trata de cobertura negativa a respeito de Aécio Neves.

A tela exibida no lugar do site do ‘Novo Jornal’, que nos lembra o filme Matrix, nos diz algo sobre a questão:

This page is suspended by a legal precautionary measure and the site content is being analysed for criminal evidences
“Esta página foi suspensa por medida cautelar judicial e o conteúdo do site é objeto de apuração por indícios de prática de crimes”
Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos

A justificativa do MPE, retirada do site do jornal O Tempo: “Instaurado o Procedimento Investigatório Criminal, constatou-se que não há identificação do responsável pelo site – que se intitula jornal, fato que fere frontalmente a Constituição Federal que prevê que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, além da Lei de Imprensa, que se aplica à Internet”… Independente de lados políticos, postura jornalística, anonimato ou não, o que percebo é que os braços da censura estão à solta, e a História mostra que eles costumam ser usados por aqueles que estão no poder, poucas vezes com boas razões. Mais do que apoiar ou condenar, é preciso ficar de olho, fiscalizar. Pensando bem, não era essa a função do Ministério Público – e, em outra esfera, da imprensa?
E tem gente que pensa que calice é coisa do passadoNaRua.org

No momento em que foi retirado do ar, o Novo Jornal trazia em sua primeira página uma matéria com pesadas críticas ao Presidente do STF, Gilmar Mendes. A matéria ainda pode ser lida no cache do Google. O Novo Jornal também denunciou que o governador Aécio Neves pagou US$ 269 milhões de dívidas da Rede Globo de Televisão na compra da Light.
Retirado do ar site jornalístico que continha denúncias contra Aécio NevesO Biscoito Fino e a Massa

Ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, o Novojornal encontra-se rigorosamente dentro da lei, inclusive com diretor-responsável registrado na DRT, detentor do MTE nº 000311/MG, respondendo o mesmo por todas as matérias não-assinadas publicadas no Novojornal… Dessa forma, comprovado está que jamais existiu o anonimato argüido pelo MP-MG. Inclusive o diretor-responsável e o endereço de sua sede encontram-se registrados no Registro.br, cadastro oficial de todos os sítios da internet no Brasil.
Continua censurado por Aécio Neves o site ‘Novo Jornal’Em cima da notícia

Será que não existem coisas mais importantes para o Ministério Público mineiro investigar do que ficar censurando a Internet, a mando do governador, com a desculpa de se tratar de Crime Cibernético?
Em terra de presidenciável, censura-se a oposição como crime cibernéticoRastreadores de Impurezas

Como os blogueiros perceberam rapidamente, há algumas outras coisas sendo feitas no Brasil (veja também: “Blogueiros questionam os 13 crimes cibernéticos“, “O preço da Lei de Cibercrimes“, “Lei de Cibercrimes traduzida para o inglês“), disfarçadas de ações contra o Cibercrime.

Na revista digital NovaE, um longo texto do blogueiro José de Souza Castro, o primeiro a descobrir que o site do Novo Jornal foi tirado do ar por ação da justiça, começa a detalhar o que ocorreu e faz o link entre esse processo e o cerco que começa a se estruturar no Brasil contra a liberdades na rede mundial de computadores:

“O governo de Minas parece que tinha muita pressa para resolver essa questão com o Novo Jornal. Segundo O Tempo, “a Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos foi criada em Belo Horizonte em 16 de julho deste ano. Com o crescente número de crimes praticados por usuários da rede, o MPE decidiu pela sua implantação. A promotoria atua como um órgão de suporte aos promotores de Justiça que atuam na área criminal e agiliza o atendimento às vítimas”. E acrescenta, citando uma pessoa identificada como Vanessa Fusco: A estratégia é agir proativamente no enfrentamento desse tipo de crime, que vem crescendo principalmente com a chegada da banda larga às cidades do interior”. E conclui: “Um projeto de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB) prevê a tipificação da conduta dos crimes praticados na Internet”. (texto da Novae)”

A censura à Internet em Minas Gerais – Em busca da palavra justa

O caso do ‘NovoJornal’ também está mostrando que, apesar das disposições constitucionais sobre a liberdade de expressão, a ‘anonimidade’ pode ter um papel importante como um elemento de ‘equilíbrio da balança’ em um espaço público democrático. O vídeo abaixo mostra o Diretos em Exercício do NovoJornal, Marco Aurélio Carone, respondendo por quê os artigos no website não tem atribuição de autoria nem são assinados por ninguém. A entrevista, realizada por Camila Vidal e Daniela Nunes da PUC-Minas, foi publicada no YouTube algumas semanas antes do ‘NovoJornal’ ser censurado.

Se você nos acompanhou até aqui, certamente irá se interessar em assistir o vídeo abaixo, feito pelo blogueiro brasileiro Daniel Florêncio para a Curren.TV, e apresentado como “uma investigação a respeito da aparentemente cada vez mais controlada imprensa brasileira”. Mas antes disso, o relato de um blogueiro para dar contexto ao caso:

A reportagem de Florêncio ‘nasceu’ do documentário “Liberdade, essa palavra“, produzido em 2006 pelo então estudante de jornalismo Marcelo Baêta… Tanto o documentário de Baêta quanto a reportagem do Daniel repercutiram na imprensa nacional e internacional (a Folha e o Le Monde publicaram matérias sobre o caso), e geraram respostas incisivas dos partidários de Aécio, que usaram a mesma ferramenta, o YouTube, para a defesa… Depois de ver todos os vídeos relacionados ao caso (veja mais aqui), ficou a pulga atrás da orelha: teriam os jornalistas realmente tirado os seus da reta no caso?
Minas Gerais, a censura e o estado de coisasNaRua.org

Em tempo, talvez você também se interesse em ver a vídeo-resposta ao vídeo da curren.tv abaixo.

A difusão viral da participação na internet através da população brasileira está surtindo um grande efeito nos reinos estabelecidos da mídia, da política e dos tribunais. Mas é exatamente este tipo de efeito que cria a discussão necessária para a descoberta de protocolos equilibrados para lidar com as contradições reveladas pela era da informação. Fique ligado — este é um processo em andamento.

Há um backup do site [NovoJornal] em http://rapidshare.com/files/138763257/novojornal.tar.bz2.html
Comentário de Winston
em Retirado do ar site jornalístico que continha deúncias contra Aécio NevesO Biscoito Fino e a Massa


[A tradução deste artigo contou com a gentil colaboração de seu autor, José Murilo Junior]

6 comentários

  • Por uma falha do sistema, este post foi publicado com a caixa de comentários desabilitada. Esta não foi, de forma alguma, uma tentativa de impedir que as pessoas expressassem aqui sua opinião sobre este assunto tão relevante. Foi, como dito a princípio, uma falha do sistema que infelizmente só foi detectada e corrigida agora.

    Pedimos as mais sinceras desculpas por nosso erro.

    Daniel Duende
    Coordenador do Global Voices em Português

  • Tales Lacerda, do Panis et Circensis, fez dois posts bem interessantes sobre o assunto.

    No primeiro ele fala mais sobre o esquema de corrupção em Minas Gerais:
    “”O site “novojornal” apresentou documentos que comprovavam o superfaturamento de Lacerda no fornecimento de serviços por parte de suas empresas às estatais Telemig e Telebrás. O “lucro” era dividido com Roberto Lamoglia, diretor das estatais.”
    Não é sem razão que Márcio Lacerda foi o nome preferido do governador de Minas e do prefeito de BH para ser o candidato de tal aliança. Em 2002, ele doou 1,15 milhões de reais para campanhas eleitorais. Desse montante, R$ 750.000,00 foram doados no nome do próprio Lacerda e R$ 400.000,00 no nome da Construtel.

    Também em 2002, Márcio Lacerda doou R$ 950.000,00 para a campanha de Ciro Gomes à presidência da República. A seguir, ele foi indicado por Ciro para o cargo de secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional. Em 2005, houve uma denúncia que apontava que Lacerda teria recebido R$ 457 mil de uma conta da SMP&B de Marcos Valério. Na época, Lacerda teria confirmado três encontros com o Marcos Valério.”
    http://taleslacerda.blogspot.com/2008/09/oportunista-e-operador-de-caixa-dois-ou.html

    No segundo, falaria um pouco mais sobre a censura ao NovoJornal:
    “Faz 13 dias que o site http://www.novojornal.com.br foi fechado por ordem do Ministério Público Estadual. O Novo Jornal era um site até pouco conhecido, mas que tentava ser uma ilha de independência no jornalismo chapa-branca de Minas Gerais, sendo o único a tocar no assunto do mensalão mineiro, descoberto e abafado quando as investigações saíram do ‘boi de piranha’ Eduardo Azeredo e chegaram perto do governador virtual carioca de Minas gerais.

    O motivo? Calúnia e difamação contra o governo estadual (aquele, do carioca espertalhão Aécio Neves).”
    http://taleslacerda.blogspot.com/2008/08/censura-todo-vapor-na-terra-da.html

    O assunto continua cada vez mais quente na blogosfera.

    Abraços do Verde.

  • […] dia mais criativa e da criatividade que contra-ataca, além do caso pela anonimidade na rede. Em português e em […]

  • Juliana

    Gente….não deixem de conferir….o novojornal voltou com novo endereço.

    http://www.novojornal.net

    não deixem de ver!!!!!!

  • Olá Juliana,

    bom saber que o NovoJornal está de volta. Já dei uma passada por lá (no momento em que liberei o comentário) e ví que ele voltou com força total.

    Abraços do Verde.

  • Jornalistas Anônimos

    Público lota auditório da Reitoria (UFMG) para debate sobre jornalismo independente.
    quarta-feira, 27 de maio de 2009, às 18h54

    Com a participação de cerca de 200 pessoas, o auditório da Reitoria foi palco, durante a tarde de hoje, do seminário Jornalismo Independente – liberdade de imprensa, direito à informação e democracia no Brasil. O evento foi mediado pelo reitor Ronaldo Pena. As qualidades de um bom jornalista, a concentração da propriedade dos meios de comunicação, o poder da mídia, o sensacionalismo, as novas tecnologias de informação, o conceito de jornalismo independente, a relação entre o Estado e a imprensa, o direito de resposta e a revogação da lei de imprensa pelo STF foram os temas postos em destaque pelos debatedores – Luis Nassif, jornalista; Venício Lima, professor de Comunicação Social da Universidade de Brasília (UnB) e Luciano de Araújo Ferraz, professor de direito da UFMG.

    “As informações estão à disposição. A internet é uma base de dados impressionante. Isso tem duas implicações importantes. Por um lado, as pessoas têm agora condições de se defender, no meio virtual, de eventuais denúncias da imprensa e da mídia em geral. Por outro lado, fica mais fácil produzir um escândalo. Um simples problema burocrático pode ser detectado e transformado pela mídia numa denúncia sensacionalista de grandes proporções. A resposta é transparência. Os políticos e as instituições terão que ser o mais transparentes possíveis”, alertou Nassif, ao analisar o impacto do desenvolvimento tecnológico sobre o modelo político vigente no país.

    Luciano Ferraz abordou o jornalismo do ponto de vista jurídico. Ele criticou a forma como os meios de comunicação têm trabalhado. “A pressa pelo furo jornalístico atropela os direitos fundamentais. De vez em quando, lemos num jornal que fulano, procurado pela redação, não foi encontrado para comentar a situação. O jornalista telefona de madrugada no domingo para o escritório da fonte; obviamente não a encontra e, como tem pressa em apresentar a denúncia, publica a matéria e ainda diz que procurou o acusado”, critica.

    http://www.ufmg.br/online/arquivos/012014.shtml

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