Descobrindo a blogosfera moçambicana através do Diário de um Sociólogo

Enquanto navegava pela blogosfera Moçambicana, encontrei o “Diário de um Sociólogo”[PT], um blog de Carlos Serra, sociólogo Moçambicano baseado em Maputo, associado à Universidade Eduardo Mondlane, a universidade pública do país. Tem, portanto, o potencial de oferecer uma interessante mistura de observação pessoal e comentário acadêmico, no meio de, como ele o apresenta, “um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.”

Das suas actuais ofertas decidi pegar numa análise comparativa entre as posições políticas do recém-eleito Presidente Francês, Nicolas Sarkozy, e do Presidente Moçambicano, Armando Guebuza. Apresentada em quatro partes, a análise começa com esta pergunta, Existe alguma afinidade política entre os programas políticos do presidente Sarkozy de França e do presidente Guebuza de Moçambique?”, sendo as restantes três partes dedicadas à resposta. Assim vai:

Sarkozy and Guebuza
sarkozy guebuza

”São dois presidentes de países diferentes, de continentes diferentes, com histórias diferentes, com problemas certamente, eles-também, diferentes ou, pelo menos, de coeficientes de extensão e de intensidade diferentes. Mas ambos vivem numa mesma época e esta época pode dotar histórias diferentes com um fio condutor político do mesmo teor, com um magma semântico da mesma intensidade. Quando estive recentemente em Paris procurei estudar o programa eleitoral do presidente Sarkozy. Tentei, mesmo, recuar um pouco até à altura em que ele foi ministro do Interior do governo de Jacques Chirac. Depois dei por mim a encontrar nos temas políticos de Sarkosy um eco dos temas de Guebuza. Como se, vejam lá, Sarkozy fosse o Guebuza francês. E, se quiserdes que eu diga as coisas com o humor doce da nossa terra, ambos em luta contra um certo deixa-andar. Presidentes de capital simbólico forte, de aura carismático, com uma traça populista imediata, ambos se identificam em temas como o trabalho, a família, a unidade nacional, a ordem e a segurança.
Sarkozy e Guebuza (2)

“Homem de direita, Sarkozy não hesitou, porém, na campanha eleitoral para a presidencial francesa, em surpreender os seus adversários apontando como seu guia político o comunista italiano António Gramsci. “É com ideias que se ganha o poder” – afirmou. Não estou certo de que a frase seja gramsciana (e mesmo que seja não representa a linha dorsal do pensamento político de Gramsci), mas o importante é que Sarkozy citou o homem cujo cérebro (recorde-se, a talhe de foice) era necessário “impedir de pensar por vinte anos” na óptica do fascismo italiano de 1926. E o fez numa estratégia plural, na qual a luta contra o que chamou imobilismo e inércia dos seus antecessores (o deixar-andar de Guebuza) devia fazer-se em múltiplas frentes de actividade. O Estado é fundamental, claro, mas há limites para aquilo que o Estado pode fazer. Os Franceses deviam estar claros de que a França que se levanta cedo e trabalha muito não podia tolerar mais a França que se levanta tarde ou que, mesmo, nunca se levanta e que dorme e nada faz. Era preciso que todos trabalhassem, que todos abandonassem o fatalismo e o costume da mão estendida, que todos acreditassem em si-mesmos * (recordemos a auto-estima do alfobre ideológico guebuziano). No nosso país, em recente presidência aberta (que é sempre uma antecipação eleitoral), não fustigou Guebuza a preguiça moçambicana, atribuindo-lhe a responsabilidade pela pobreza e pela fome que afectam muitos de nós?
Sarkozy e Guebuza (3)

Temos assim um Sarkozy contra uma França preguiçosa, contra o assistencialismo, tal como temos um Guebuza contra o Moçambique preguiçoso à espera do Estado paternal. À busca da França sarkozyana gloriosa, antecipou-se Guebuza com a pátria amada e com a pérola do Índico. À família francesa unida de Sarkozy, pré-anunciou Guebuza a honesta família moçambicana. E múltiplos outros campos é possível encontrar identidades entre os dois presidentes. Por exemplo, no campo das alianças e da cooptação política. Se Sarkozy incluiu no seu governo ministros socialistas, Guebuza visitou o presidente do maior partido da oposição quando este foi hospitalizado na sequência de um acidente de viação e acaba de receber generais da Renamo descontentes com a sua situação profissional. Entretanto – e este é um ponto capital -, ambos os presidentes evacuaram e evacuam do seu discurso qualquer referência séria e sistemática à divisão e às assimetrias sociais. Se à divisão se referiram e se referem, situaram-na e situam-na em campos inócuos (divergências de visão, perspectiva psicológica, globalização, etc.). Não surpreende, assim, que a preguiça seja por ambos encarada como algo exterior a um sistema social determinado e surja como algo que tem inexoravelmente a ver com as pessoas em si. No caso de Sarkozy a defesa do inatismo (homossexualidade, por exemplo) foi constante. Ambos são dois bons líderes populistas no sentido do sincretismo político, da indeterminação e do minimalismo das orientações programáticas. Ambos oscilam entre uma orientação autoritária e uma deriva hiperdemocrática*. E assim termino estas breves notas, às quais dei o selo do imediato e das quais aboli deliberadamente a análise em profundidade.
_________________________
Leia Taguieff, Pierre-André, L´Illusion populiste, Essais sur les démagogues de l´âge démocratique. Paris. Champs/Flammarion, 2007.
Sarkozy e Guebuza (fim)

 

(Texto original de Koluki, graciosamente enviado também em português pela mesma)

 

O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.

1 comentário

  • Boa tarde

    Gostaria de dar o meu pequeno contributo opondo me a comparacao dessas duas grandes figuras. Na minha opiniao nao se pode comparar duas pessoas que vivem em mundos completamente opostos, isto e, tentar comparar S. Excelencia Armando Guebuza, um Presidente de um pais em vias de desenvolvimento com um Sarkozy, presidente de um Pais que conheceu desenvolvimento ha talves cem anos..
    sinceiramente nao vejo nenhum denominador comum nos dois presidentes…

    Sei que ambos tem certas virtudes que quase os assemelham mas continuarei bater na mesma tecla que esta comparacao e “infazivel”.

    Abracos

    Elvino

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