Família de Português detido em Timor-Leste diz que os seus direitos não estão garantidos

Página do Facebook criada para apoiar Tiago Guerra.

Página do Facebook criada para apoiar Tiago Guerra.

Tiago Guerra está detido numa prisão de Timor-Leste há cerca de seis meses sem ter sido formalmente acusado:

Presentemente o Tiago está impedido de se poder defender da indiciação criminal que contra ele foi levantada porque não lhe foram comunicados quais os factos que ele praticou.

O número 3 do Artigo 30.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste diz que:

Todo o indivíduo privado de liberdade deve ser imediatamente informado, de forma clara e precisa, das razões da sua detenção ou prisão, bem como dos seus direitos, e autorizado a contactar advogado, directamente ou por intermédio de pessoa de sua família ou de sua confiança.

O engenheiro Português foi detido em Outubro de 2014, no aeroporto de Díli, por alegado “crime de branqueamento de capitais”, segundo consta no mandado de detenção. A sua mulher, que o acompanhava juntamente com os filhos, também foi detida mas posteriormente libertada com Termo de Identidade e Residência. Contudo, não pode abandonar o país enquanto decorre a investigação. Os filhos estão em Portugal sob a guarda dos avós paternos. 

Tiago permanece preso na prisão de Bécora onde as condições são muito precárias. De acordo com relatos, não há água potável dentro da prisão e os reclusos dormem no chão. A prisão de Bécora fica na zona leste da cidade de Dili. É o principal estabelecimento prisional masculino do país.

A sua irmã, Inês Lau, que reside no Brasil, disse ao GlobalVoices (GV) que:

O Tiago esteve gravemente doente e nem assistência médica teve. O médico do recinto prisional de Bécora estava ausente há pelo menos 10 dias e por mais que houvesse um médico de fora disposto a observar o Tiago, a ordem, por parte da prisão, foi de que nenhum médico externo entraria. O Tiago acabou por ser hospitalizado durante 1 dia apenas e depois foi novamente levado para a prisão com a promessa de que a mulher e/ou família seria avisada da necessidade de comprar os remédios receitados pelo médico com urgência.

Inês Lau acrescenta que “ninguém da família chegou a ser notificada”. E quando se veio a descobrir do estado do seu irmão, “tinha perdido dez quilos devido à extrema desidratação e febres altas” em que se encontrava.” A irmã confessa que “não consegue estar calada” ao saber das condições precárias em que o seu irmão se encontra e esclarece que: 

Nunca foi pedido que se atropelassem os processos judiciais legais, por menos céleres que sejam. O que se pede às pessoas é que tomem conhecimento da violação dos direitos humanos que está a acontecer e que nos ajudem a conseguir que seja feita uma investigação transparente no intuito de se apurar a verdade e ser feita justiça.

O Tribunal Distrital de Díli decretou a prisão preventiva do consultor argumentando que havia perigo de fuga. A prisão preventiva pode durar até um ano e meio no decurso do qual terá de ser feita a investigação.

Tiago e a sua família têm vindo a recorrer dessa decisão pedindo para que Tiago Guerra aguarde julgamento em liberdade.

De acordo com a sua família, o Tiago não sabe até à presente data “quais os factos por ele concretamente praticados que levaram a tal conclusão”. Um artigo do jornal Expresso diz que “o Tiago Guerra recusou-se a assinar o auto de interrogatório a que foi sujeito, por não se rever no que ficou escrito.” O mesmo jornal acrescenta que o auto apresentava “partes incompreensíveis”.

A agência Lusa diz que “as autoridades timorenses têm demonstrado muitas reservas em explicar o desenrolar da investigação.”

Quem é Tiago Guerra

Tiago Guerra tem 43 anos, é engenheiro de telecomunicações e mestre em administração de empresas. É casado e tem dois filhos. Foi administrador na Portugal Telecom em Macau, Brasil e China, assessor do governo timorense e consultor do Banco Mundial. Vive em Timor-Leste há quatro anos.

O que o levou a Timor-Leste

Em 2010 viajou para Timor-Leste contratado por uma multinacional que estava a tentar entrar no mercado das telecomunicações móveis timorense. A empresa acabaria por perder a corrida por uma licença para operar em Timor e acabou por abandonar o país. Mas Tiago optou por ficar e abrir uma empresa de contabilidade e consultoria financeira em Dili, capital de Timor-Leste. Em Fevereiro de 2014 tornou-se consultor do Banco Mundial.

A suspeita

Segundo o Diário de Noticias:

A investigação foi alertada por comunicações bancárias que notificaram a saída de somas avultadas de Timor através de contas de Tiago Guerra e da sua mulher, cidadã chinesa. No total, o alegado desvio de fundos timorenses terá chegado ao total de 900 mil dólares.

A família de Tiago tem vindo a prestar esclarecimentos, no Facebook, devido às informações erróneas publicadas em alguns meios de comunicação social:

(…) 3- O que se diz à comunicação social e onde vão buscar a informação para dizer esta e outras incorrectas afirmações, nós não sabemos. Mas fomos avisados de que é algo que acontece muito e para o qual deveríamos estar preparados. (…)

Inês Lau esclarece ao GV que:

Infelizmente a 1ª notícia publicada foi absolutamente caluniosa e longe da verdade… e descobrimos nós que as notícias seguintes foram um copy/paste desta notícia. E assim se condena um homem inocente, por incompetência e irresponsabilidade por parte de quem se comprometeu a publicitar a verdade e depois não o faz. 

O pai de Tiago declarou, em entrevista à SIC – Estação de Televisão, que as movimentações bancárias:

Se referem à transferência de todas as suas poupanças pessoais, cerca de $250 mil” uma vez que o filho estava a mudar-se para Macau onde passaria a viver com a mulher, de nacionalidade chinesa. O pai acrescenta que, ao contrário do que pensam as autoridades timorenses, “o seu filho não estava a fugir de Timor até porque organizou várias festas de despedida, entregou a casa ao senhorio e matriculou os filhos na escola Portuguesa de Macau com bastante antecedência.

A suspeição que cai sobre Tiago consiste num alegado:

Desvio de cerca de $900 mil dólares que passaram pela conta da sucursal da sua empresa, em Macau. A verba, proveniente da Noruega, foi posteriormente transferida para os Estados Unidos da América, à ordem do advogado Bobby Boye [en], um nigeriano naturalizado americano que chegou a Timor-Leste enviado pelo governo da Noruega como especialista em Petróleo. O advogado começou a assessorar o governo de Timor-Leste nos contratos milionários efectuados com as petrolíferas mas acabou por ser detido pelo FBI [en], nos EUA, sob a suspeita de desviar cerca de 3.5 milhões de dólares pertencente ao Estado timorense. 

Na reportagem da SIC explica-se que tratou-se de uma “conta de garantia” na qual a empresa de Tiago terá participado. O engenheiro diz que foi “apanhado numa burla internacional”, declarou o seu pai na mesma reportagem.

Entrevista, na integra, com o pai de Tiago Guerra

Acções de apoio

A família diz estar “cansada” de aguardar pela justiça timorense que “é ainda frágil”. Ao fim de cinco meses em silêncio e “a acreditar na justiça” decidiu criar uma campanha de solidariedade nas redes sociais e apelar ao mundo para que ajude o Tiago a poder defender-se formalmente. Foi também criado um blogue a explicar o caso e uma petição online.

“Algo tem que mudar.” Diz a irmã de Tiago ao GV e conclui:

Este homem tem que aguardar o decurso das investigações FORA da prisão. Já o disse inúmeras vezes e repito: Não se prende ninguém para se investigar! Investiga-se para prender!

Tiago Guerra queixa-se da falta de apoio diplomático por parte de Portugal. Entretanto, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário garantiu, à agência Lusa, “estar a acompanhar a situação”.

A norte-americana Stacey Addison, que recentemente também se viu “apanhada pelas falhas do sistema legal em Timor”, foi detida, na mesma altura que o Tiago, na fronteira entre a Indonésia e Timor-Leste. A médica veterinária, entretanto libertada e de regresso a casa nos EUA, escreveu uma carta de apoio a Tiago onde diz “acreditar que a pressão internacional teve um papel vital na sua libertação” e pede que as pessoas “assinem a petição”.

Actualizado em 22/03/2015: As últimas informações, divulgadas na imprensa em Portugal, dão conta que Tiago Guerra foi levado para o hospital com urgência, na sexta-feira (20 de Março), por motivos de doença grave. Pensa-se que o Português tenha contraído dengue na cadeia.

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