Uma garota gritou “macaco” durante uma partida de futebol. E o Brasil foi lançado outra vez ao debate online do racismo.

A partida entre Grêmio e Santos, em Porto Alegre, na quinta-feira (28), pela Copa do Brasil se aproximava do final. O time da casa perdia por dois gols e o goleiro Aranha, do Santos, para os gremistas, parecia querer atrasar a saída de bola ganhando tempo para seu time. Da torcida gremista passaram a vir sons estranhos, os comentaristas se perguntavam “eles estão imitando macaco?”. E numa volta, a câmera de televisão flagrou em close o rosto de uma torcedora pronunciando claramente a palavra ”ma-ca-co”. As imagens mostraram outro grupo de torcedores imitando macacos – alguns deles, negros – mas foi o rosto de Patricia Moreira, 23 anos, que ficou. O goleiro reclamou com o juiz da partida sobre o que estava acontecendo, bateu no peito dizendo: “Sou negão sim!”. Mais tarde contou em uma entrevista:

Goleiro Aranha responde a agressões de torcedores durante partida. Foto: Revista Fórum

Goleiro Aranha responde a agressões de torcedores durante partida. Foto: Revista Fórum

Eu estava no gol e a torcida começou a xingar de preto fedido, cambada de preto, essas coisas. Fiquei nervoso, mas estava me segurando. Foi aí que começou um pequeno coro de ‘macaco’. Mandei o câmera filmar, mas quando ele foi mostrar já tinha acontecido. Fico puto, com o perdão da palavra, e dói muito.

Rapidamente a internet se transformou em um tribunal. Brasileiros de todas as torcidas se uniram criticando a atitude da torcedora. A hashtag #FechadoComAranha ficou entre os TTs brasileiros. O jornalista Igor Natusch, também gremista, resumiu o episódio:

Casos anteriores

Essa não foi a primeira vez que o futebol levou o Brasil a discutir racismo em 2014. Em abril, ataques racistas contra o jogador Neymar, do Barcelona, motivaram a campanha viral #SomosTodosMacacos, com internautas de todo o mundo tirando fotos ao lado de bananas como forma de apoiar o jogador. 

Antes disso, o racismo já havia entrado na pauta do esporte nacional duas vezes este ano. Primeiro quando o jogador Tinga, do Cruzeiro, foi assediado moralmente por torcedores no Peru. Depois, no episódio em que o árbitro Márcio Chagas foi vítima de racismo da torcida, durante o Campeonato Estadual no Rio Grande do Sul, mesmo estado do Grêmio. A equipe dos torcedores que atacaram Chagas foi desclassificada da competição como punição.

Antes da Copa do Mundo no Brasil, Chagas e Tinga foram convidados para uma reunião em Brasília com a presidente Dilma Rousseff e o Ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, para tratar do assunto. A preocupação, porém, parecia focar somente no evento da FIFA no país. Na época, o ministro declarou:

Evidente que a preocupação da presidente é a de expressar solidariedade e a determinação do governo em enfrentar esse tipo de problema. A presidente já manifestou a intenção de fazer uma Copa pela paz e contra o preconceito, junto à ONU e à FIFA, criando mecanismos de expressão de repúdio, com frases, faixas e ações que definiremos. É um evento com muita visibilidade, e as mensagens, transmitidas por ídolos como são os atletas, causam muito impacto.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) chegou a anunciar um aplicativo de celular para que torcedores registrassem denúncias de racismo ainda dentro dos estádios. Mas, na prática, as ações tomadas efetivamente contra o racismo têm sido nulas. O juiz da partida da última quinta não anotou o ocorrido na súmula, acrescentando-o depois pela pressão. O próprio Aranha demorou até o dia seguinte para registrar a ocorrência junto à Polícia. 

Somos todos alguma forma de preconceito

Usuários que criticavam racismo fizeram ataques machistas à torcedora.

Usuários que criticavam racismo promoveram ataques machistas nas redes. Foto: Facebook/Quebrando o Tabu

O episódio mais recente do racismo no futebol, no entanto, também se transformou em uma caçada a mulher que aparecia no vídeo reproduzido incessantemente pelas redes sociais, televisões e jornais do país. O jornalista gaúcho Daniel Cassol, do site de futebol Impedimento, ironizou em seu Twitter:

Patricia deletou todas as suas contas em redes sociais, foi despedida do emprego e teve sua casa apedrejada. Chamou a atenção, no entanto, que boa parte dos que tentavam repreender a conduta de preconceito racial da torcedora, também usaram do preconceito para atacá-la. Vadia, vagabunda e ameaças de estupro foram apenas alguns dos comentários machistas que se proliferaram na rede.

No ano passado, o mesmo Grêmio dos torcedores que atacaram o goleiro Aranha, lançou uma campanha institucional, junto a seus jogadores, em combate ao racismo. Usar a palavra “macaco” nos cânticos da torcida em referência ao rival Internacional é uma tradição de anos, mas as ações tentaram indicar que já passa da hora de ser repensada. O time, que publicou nota de repúdio na noite do jogo, ainda divulgou um novo vídeo lembrando ídolos negros e brancos que vestiram a camisa tricolor.

Logo após o episódio, uma das torcidas organizadas, a Torcida Jovem, pediu que torcedores não usassem mais a palavra. Porém, neste domingo (31), em nova partida disputada em Porto Alegre, um pequeno grupo de torcedores, menosprezando a discussão dos últimos dias, resolveu voltar a usar os gritos de macaco. Foram vaiados pelo restante dos torcedores e criticados pelo técnico Luis Felipe Scolari que classificou o racismo como uma “aberração”.

Os torcedores identificados no vídeo da partida da quinta-feira serão ouvidos pela Polícia Civil e podem responder por crime de injúria racial. Talvez o Grêmio esteja encontrando neste episódio uma maneira de repensar o sutil racismo que ignorou durante anos. Mas e o futebol? Para o Observatório Racismo, perfil que se dedica a “monitorar e divulgar casos de racismo e ações afirmativas no futebol brasileiro” há apenas uma forma de começar:

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