Milhares de espanhóis exigem uma República após abdicação do rei

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Vista de la Puerta del Sol (Madrid) durante la manifestación del día 2 de junio. Foto subida a Twitter por Danips.

Vista da Puerta del Sol (Madrid) durante a manifestação do dia 2 de junho. Foto postada no Twitter por Danips.

Segunda-feira, 2 de junho de 2014, entrará para a história da Espanha como o dia em que o Rei Juan Carlos I abdicou de seu trono. De acordo com suas próprias palavras, “uma nova geração está clamando por protagonismo (…). Hoje, uma geração mais jovem merece se mover para as linhas de frente.” Em poucas horas, centenas de milhares de cidadãos foram para as ruas do país clamando por um referendo que lhes permita decidir entre manter a monarquia ou substituí-la por um governo republicano no qual eles possam eleger um chefe de estado.

Muitos observadores veem nesta abdicação a intenção da coroa em manter o sistema monárquico e consideram que o fato de que isto aconteça, enquanto um partido conservador governa a Espanha com maioria absoluta, seja uma jogada para garantir que a sucessão ocorra suavemente.

Mas o clima nas ruas parece ser completamente diferente. Após a abdicação, as redes sociais testemunharam uma avalanche de comentários que quebrou todos os recordes. Além das hashtags #ElReyAbdica [#OReiAbdica] e #VivaElRey [#VivaORei], outran como #IIIRepublica [#3ªRepública], #EligeTuRey [#ElejaSeuRei], #ProcesoConstituyente [#ProcessoConstituinte], #AporLaTercera [#PelaTerceira] e #ReferendumYA (#ReferendoJÁ) começaram a se destacar e tornaram-se trending topics na rede social praticamente o dia todo.

Desses, #ElReyAbdica, #IIIRepublica, #AporLaTerceraRepublica e “Felipe VI” foram TT no mundo inteiro.

É hora de fazer história. Queremos + democracia

Se é verdade que a “Soberania nacional pertence ao povo espanhol”, por que o Rei pode abdicar em favor de alguém?

O Discurso do Rei. Disse que apostou nos cidadãos para “escolherem seu próprio destino.” Ele impôs seu filho sobre nós sem que votássemos nele.

No Change.org, duas petições foram criadas pedindo por um referendo sobre a monarquia que alcançaram mais de 23,000 e 15,000 assinaturas, respectivamente, depois de abertas por um dia. Outra petição no Avaaz.org superou 265,000 assinaturas no momento da escrita deste artigo. O declínio na popularidade do Rei tem sido cada vez mais evidente no últimos anos, como mostra o gráfico que acompanha este tweet da Europa Press

Assim evoluiu a avaliação dos cidadãos sobre a monarquia desde a década de 90

Sem dúvida, os escândalos que atingiram o chefe da família real nos últimos anos contribuíram para essa perda drástica de apoio da população: o julgamento do genro do rei [en], Iñaki Urdangarín, as acusações contra a Princesa Cristina [en] no mesmo caso, as luxuosas viagens para caçar em tempos de crise[en], a aparição da suposta amante do Rei, Corinna zu Sayn-Wittgenstein, que usou uma casa pertencente ao Patrimônio Nacional decorada com todo o luxo… Embora a monarquia Espanhola pareça ser a menos cara do mundo, recentemente têm havido rumores sobre a fortuna pessoal do Rei, que a NBC [en] estimam ser mais de 2 bilhões de euros:

Thirty-nine years after he took the throne, the outgoing king is now seen as a man deeply out-of-touch with the social landscape of post-economic-meltdown Spain. Some estimate the king's worth could exceed 2 billion euro, a galling sum for a country that has been one of the hardest hit in Europe by the financial crisis.

Trinta e nove anos depois que assumiu o trono, o Rei que está se retirando agora é visto como um homem profundamente fora de contato com o cenário social da Espanha pós-colapso econômico.

Alguns estimam que os bens do Rei poderiam ultrapassar 2 bilhões de euros, uma quantia ofensiva para um país que tem sido um dos mais atingidos pela crise financeira na Europa

Coste real de la monarquía española. Imagen subida a Twitter por Silvia Prieto.

Custo atual da monarquia espanhola. Imagem postada pelo usuário do Twitter Silvia Prieto.

A amizade do rei com grandes empresários e banqueiros – alguns presos por corrupção -, favorecidos pelas viagens oficiais do Rei, que tem percorrido o mundo em busca de oportunidades de negócio para a elite, também tem sido criticada. Há alguns meses atrás, o papel da coroa na transição também foi questionado após a publicação de um livro intitulado “O Grande Esquecimento” por Pilar Urbano, no qual a jornalista afirmou que a tentativa de golpe militar em 23 fevereiro de 1981 foi  organizada pelo próprio reipara ganhar a lealdade do povo espanhol.

Os cidadãos espanhóis também não concordam com a opacidade em torno da instituição monárquica que não é obrigada a detalhar as contas sob a nova lei da transparência. A constituição afirma que “A pessoa do Rei é inviolável e não está sujeita a responsabilidade”, ou seja, ele não pode ser responsabilizado por nenhuma de suas ações, o que se torna difícil de entender numa democracia, como também o é a nova Lei do Poder Judiciário, que concede a condição de imunidade à rainha e aos príncipes das Astúrias até então.

Para muitos espanhóis, o fato da Constituição não ter sido reformada desde a sua adoção em 1978, é uma prova da estagnação da classe política espanhola – incluindo a monarquia – e de seu distanciamento dos cidadãos. Assim se expressa o jornalistaAndrés Gil no eldiario.es:

La Constitución de 1978 responde a 1978. Pero 2014 ya no es 1978. (…) Una ciudadanía que se organiza, debate y hace política, principalmente sin partidos, y que este lunes ha salido a la calle en toda España para pedir un referéndum sobre el modelo de Estado mientras los políticos dominantes se aferran a los jirones del régimen de 1978.

A Constituição de 1978 responde a 1978. Mas 2014 não é 1978. (…) Uma cidadania que se organiza, debate, e cria políticas, principalmente sem partidos, e tomou as ruas em toda Espanha nesta segunda-feira para exigir um referendo sobre o modelo de Estado enquanto os políticos dominantes se agarram aos pedaços do regime de 1978.

E jhr cronos escreveu no fórum MACanime [es]:

El fin de la monarquía debe darse por la idea en sí misma, porque es una desfachatez tener un rey por supuesto derecho divino (o el dedo del dictador Franco en el caso español), y es una tontería que se vaya heredando el asunto, como si fueran sangre azules que siempre nacen adecuados para ser dirigentes o reyes. Yo no sé si sea ahora cuando se empiece a abolir la monarquía española, pero de que se abolirá ténganlo por seguro. La república volverá y terminarán con ese legado de oscurantismo que debió caer cuando el siglo de las luces.

O fim da monarquia deve acontecer como a ideia em si, porque é uma afronta ter um rei por um suposto direito divino (ou o dedo do ditador Franco, no caso espanhol), e é tolice herdarem tronos como se todos fossem sangues azuis que sempre nascem prontos para serem líderes ou reis. Eu não sei se a monarquia espanhola começará a ser abolida agora, mas aboli-la é certamente o caminho a seguir. A República retornará e este legado de escuridão que deveria ter caído durante o iluminismo vai acabar.

As manifestações pedindo um referendo sobre o modelo de estado ainda não terminaram: novos protestos serão realizados neste fim de semana

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[Nota de tradução: Transição Espanhola foi o período entre o regime ditatorial de Franco e o período constitucional.]
Artigo traduzido por Cristiano Hentges.

1 comentário

  • Henrique

    A Espanha já teve várias “experiências” com a república, e sempre se arrependeu, e voltou a escolher a Monarquia.
    É uma pena que o Brasil não fez o mesmo, pois esta republiqueta só afundou o nosso país deste o golpe de 1889.

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