No final de março, o coronel reformado Paulo Malhães chegou de óculos escuros e cadeira de rodas para um dos depoimentos mais fortes já ouvidos na Comissão Nacional da Verdade, sobre o período militar no Brasil. Um mês depois, na sexta-feira 25 de abril, o torturador e assassino confesso foi encontrado morto [2]. Segundo informações da polícia, Malhães foi feito refém por três homens, junto a sua esposa e o caseiro, em sua casa no interior de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.
A polícia trabalha com hipóteses de queima de arquivo, vingança e latrocínio [3]– já que os assaltantes levaram consigo a coleção de armas do coronel – como motivações para o crime. Já o relatório do legista, apresentado no sábado, apontou morte por causas naturais. A família confirmou [4] que Malhães, de 76 anos, sofria de problemas cardíacos. Ainda assim, a CNV pediu que a polícia federal acompanhe [5]as investigações sobre o caso.
De acordo com informações publicadas pela revista Carta Capital [6], em “depoimentos privados”, Malhães teria afirmado que temia por sua vida. O coronel se negou a fornecer nomes de agentes da repressão, que atuaram a seu lado durante o período do regime militar, alegando “que não podia deixar escapar nomes porque estaria correndo risco de vida”.
Confessar sem se arrepender
Em depoimentos à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e à Comissão Nacional da Verdade, Malhães confessou e descreveu torturas, assassinatos e práticas de ocultação de cadáveres – como remoção de arcadas dentárias e mutilações que dificultariam a identificação. Em fevereiro, assumiu responsabilidade no desaparecimento do corpo do deputado estadual Rubens Paiva [7], mas depois voltou atrás [8]. Quando perguntado quantas pessoas havia matado, friamente, o coronel respondeu: “Tantos quantos foram necessários [9]”. Desde o início das atividades da CNV, em 2012, Malhães foi o quinto agente a depor em audiência pública, o segundo a admitir a prática de tortura e o primeiro a confessar sua participação nos crimes. Não mostrou arrependimento em nenhum momento das quase três horas [10] em que foi ouvido. Ao contrário, logo no início da sessão, declarou:
Como faço com tudo na vida, eu dei o melhor de mim naquela função. (…) Eu cumpri o meu dever. Não me arrependo.
A morte de Malhães fez com que o Brasil voltasse a olhar para o período militar como uma época que, talvez, não tenha terminado. E suscitou o debate sobre os criminosos da história recente que nunca receberam punição [11]. A Lei de Anistia [12], ainda em vigência no país, não permite o julgamento de torturadores nos tribunais.
O blogueiro e ativista Douglas Belchior – conhecido como Negro Belchior – chegou a lamentar a morte [13]do torturador, lembrando a onda de justiça pelas próprias mãos levantada em diversas cidades brasileiras no início do ano:
Foi acerto de contas por parte de grupos ligados a resistência à ditadura? Foi vingança por parte de família e amigos de algum torturado? Não acredito. É mais razoável imaginar que se trata de uma ação com a intenção de intimidar possíveis futuros delatores das atrocidades cometidas pelas forças oficiais do Estado durante os anos da repressão.
Mas, quero tratar aqui da mensagem que fica: A ideia da justiça feita pelas próprias mãos. Assassinatos, torturas, desaparecimentos e linchamentos cada vez mais frequentes e banalizados, a começar pela ação das polícias, cujos exemplos não faltam. E que agora se vê promovido por “populares”.
O discurso fascista se fortalece: “É a ausência da lei! Bandido faz o que quer e a população se sente desprotegida. A tendência é que façam justiça com as próprias mãos!”