Torturador da ditadura militar é encontrado morto no Brasil

Coronel Paulo Malhães em depoimento a comissão Nacional da Verdade, em março. Foto: Marcelo Oliveira / ASCOM – CNV

Coronel Paulo Malhães em depoimento a Comissão Nacional da Verdade, em março. Foto: Marcelo Oliveira / ASCOM – CNV

No final de março, o coronel reformado Paulo Malhães chegou de óculos escuros e cadeira de rodas para um dos depoimentos mais fortes já ouvidos na Comissão Nacional da Verdade, sobre o período militar no Brasil. Um mês depois, na sexta-feira 25 de abril, o torturador e assassino confesso foi encontrado morto. Segundo informações da polícia, Malhães foi feito refém por três homens, junto a sua esposa e o caseiro, em sua casa no interior de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. 

A polícia trabalha com hipóteses de queima de arquivo, vingança e latrocínio – já que os assaltantes levaram consigo a coleção de armas do coronel – como motivações para o crime. Já o relatório do legista, apresentado no sábado, apontou morte por causas naturais. A família confirmou que Malhães, de 76 anos, sofria de problemas cardíacos. Ainda assim, a CNV pediu que a polícia federal acompanhe as investigações sobre o caso. 

De acordo com informações publicadas pela revista Carta Capital, em “depoimentos privados”, Malhães teria afirmado que temia por sua vida. O coronel se negou a fornecer nomes de agentes da repressão, que atuaram a seu lado durante o período do regime militar, alegando “que não podia deixar escapar nomes porque estaria correndo risco de vida”. 

Confessar sem se arrepender

Em depoimentos à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e à Comissão Nacional da Verdade, Malhães confessou e descreveu torturas, assassinatos e práticas de ocultação de cadáveres – como remoção de arcadas dentárias e mutilações que dificultariam a identificação. Em fevereiro, assumiu responsabilidade no desaparecimento do corpo do deputado estadual Rubens Paiva, mas depois voltou atrás.  Quando perguntado quantas pessoas havia matado, friamente, o coronel respondeu: “Tantos quantos foram necessários”. Desde o início das atividades da CNV, em 2012, Malhães foi o quinto agente a depor em audiência pública, o segundo a admitir a prática de tortura e o primeiro a confessar sua participação nos crimes. Não mostrou arrependimento em nenhum momento das quase três horas em que foi ouvido. Ao contrário, logo no início da sessão, declarou:

Como faço com tudo na vida, eu dei o melhor de mim naquela função. (…) Eu cumpri o meu dever. Não me arrependo. 

A morte de Malhães fez com que o Brasil voltasse a olhar para o período militar como uma época que, talvez, não tenha terminado. E suscitou o debate sobre os criminosos da história recente que nunca receberam punição. A Lei de Anistia, ainda em vigência no país, não permite o julgamento de torturadores nos tribunais. 

O blogueiro e ativista Douglas Belchior – conhecido como Negro Belchior – chegou a lamentar a morte do torturador, lembrando a onda de justiça pelas próprias mãos levantada em diversas cidades brasileiras no início do ano:

Foi acerto de contas por parte de grupos ligados a resistência à ditadura? Foi vingança por parte de família e amigos de algum torturado? Não acredito. É mais razoável imaginar que se trata de uma ação com a intenção de intimidar possíveis futuros delatores das atrocidades cometidas pelas forças oficiais do Estado durante os anos da repressão.

Mas, quero tratar aqui da mensagem que fica: A ideia da justiça feita pelas próprias mãos. Assassinatos, torturas, desaparecimentos e linchamentos cada vez mais frequentes e banalizados, a começar pela ação das polícias, cujos exemplos não faltam. E que agora se vê promovido por “populares”.

O discurso fascista se fortalece: “É a ausência da lei! Bandido faz o que quer e a população se sente desprotegida. A tendência é que façam justiça com as próprias mãos!”

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