‘Não vai ter Copa': Das bandeiras clássicas ao ciberativismo

Foto de protesto a 25 de janeiro de 2014.

Foto de protesto a 25 de janeiro de 2014.

[A reportagem “Quem grita ‘Não vai ter Copa?’” de Ciro Barros foi publicada originalmente pela Agência Pública a 17 de fevereiro de 2014 e republicada pelo Global Voices em duas partes. Leia a primeira.]

Desde a redação do manifesto “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”, mencionado na primeira parte desta reportagem, a articulação das manifestações contra a Copa no Brasil se define como horizontal, sem que ninguém chame para si o papel de líder ou organizador do movimento.

Todos participam da discussão das pautas e estratégias dos atos. E o coletivo continua a atrair novos atores, como integrantes do Sindicato de Metroviários de São Paulo, membros de movimentos de moradia como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), representantes do movimento estudantil, do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), um coletivo que presta primeiros socorros aos manifestantes atingidos, entre outros. Um caldo bem heterogêneo, basicamente formado por movimentos urbanos de esquerda com pautas clássicas (moradia, saúde, educação, transporte…) e outros de ciberativismo, como demonstram as páginas do Facebook “Contra Copa 2014” e “Operation World Cup”, do grupo Anonymous.

Sérgio Lima do Fórum Popular conta:

Houve uma junção [com os grupos de ciberativismo]. Tinha uma rapaziada que já tinha criado um evento no Facebook chamando protestos contra a Copa e a gente se articulou com eles e chegamos com uma pauta mais concreta.

Segundo os ativistas ouvidos pela reportagem da Pública, os grupos que atuam online têm duas funções básicas: ajudar a divulgar os protestos e veicular a versão dos manifestantes para episódios controversos. O ato do dia 25 de janeiro, por exemplo, era focado em São Paulo, já que tinha como gancho o aniversário da capital paulista. Mas a divulgação e articulação nas redes acabou multiplicando os protestos em outras cidades do país.

O grupo online também se articulou para rebater as informações de que adeptos do Black Bloc teriam incendiado o Fusca do serralheiro Itamar Santos, de 55 anos. As primeiras informações da imprensa davam conta de que o carro tinha sido incendiado pelos adeptos da tática, mas a página “Contra a Copa 2014” divulgou um vídeo, três dias depois, mostrando imagens de Itamar tentando passar com o Fusca por cima de um colchão em chamas, que ficou preso no carro e o incendiou.

Há muitos membros de movimentos sociais, porém, que associam o Anonymous e outros grupos ciberativistas a setores conservadores, até mesmo à própria polícia.  Eles se declaram apartidários.

Bandeiras clássicas

“Se tem alguém de direita ali, está muito bem escondido”, afirma categoricamente Sérgio Lima. Maurício Carvalho, do Juntos!, concorda:

Nós estamos elaborando uma lista de reivindicações de direitos básicos de algumas bandeiras que estão envolvidas em seis eixos: saúde, educação, transporte, moradia, contra a ingerência da Fifa e contra a repressão. E todas essas bandeiras são históricas que a esquerda e os movimentos sociais construíram.

Outro membro da articulação é o ativista Vitor Araújo, o “Vitinho”, que perdeu um olho em uma manifestação do último dia 7 de setembro, em São Paulo, enquanto cobria a manifestação pelo Basta TV, um canal independente. Vitor afirma que perdeu o olho depois de uma bomba da Polícia Militar estourar perto do seu rosto – episódio que o motivou a seguir nas ruas.

Vitor Araújo, o “Vitinho”, perdeu um olho em uma manifestação do último dia 7 de setembro, em São Paulo, enquanto cobria a manifestação pelo Basta TV, um canal independente.

Vitor Araújo, o “Vitinho”, perdeu um olho em uma manifestação do último dia 7 de setembro, em São Paulo, enquanto cobria a manifestação pelo Basta TV, um canal independente.

Nosso movimento é horizontal e não partidário, nem ideológico. Existe muita discussão, muita gente com ideologia diferente, mas temos um único cunho que é ‘Se não tiver direitos, não vai ter Copa’: direito à saúde, à educação, à moradia, à segurança pública. São por esses méritos que cada uma das pessoas luta por um objetivo final.

A fala de Vitor parece ilustrar a crise de representação política tão citada pelos sociólogos no momento em que vivemos. Ele diz não acreditar nos métodos da política clássica, apesar de não se opor à participação de ativistas que militam nos partidos. “Nossa luta é por direitos básicos, que estão na Constituição e não acontecem. Não tem vinculação a partidos, a ideologias”, realça, acrescentando que também já fez manifestações contra o chamado “Propinoduto Tucano” (denúncia de corrupção nos contratos do metrô e trens de São Paulo) e que não há motivos partidários nas manifestações contra a Copa.

É simples: havia um acordo, que era o do governo montar toda uma estrutura em volta da Copa, dos estádios. Isso não aconteceu e é por isso que a gente luta. São sete anos e eles não cumpriram esse acordo.

Vitor também nega a presença tanto de “pessoas assumidamente de direita” como de adeptos da tática Black Bloc na concepção e organização dos movimentos contra a Copa. “Os protestos são convocados na internet, nas redes sociais, são abertos. Eles veem e se organizam para ir lá”, diz. Também diz entender a atitude Black Bloc como uma reação à violência policial. “Posso te dizer, já fui em muita manifestação aqui em São Paulo e quem começa a reprimir é sempre a PM”, afirma.

Vários protestos sob o lema “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” estão previstos para acontecer nesse semestre. Cada protesto levantará a bandeira de um direito que, na visão dos ativistas, é negado à população, ou então problemas concretos acarretados pela Copa. No dia 22 de fevereiro está marcado um ato na Praça da República, centro de São Paulo. O mote do protesto é a educação.

Com cautela

A ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa) apoia os atos realizados pelos coletivos, mas não participa de sua articulação. Cada Comitê Popular em cada cidade-sede tem independência para aderir ou não aos atos. Marina Mattar, do Comitê Popular de São Paulo, diz:

O lema ‘Não vai ter Copa’ veio das ruas, das manifestações, não foi imposto por nenhum grupo político. A gente claro que aceita. Não temos a pretensão de ser vanguarda ou monopolizar a resistência à Copa. Mas no entendimento que a gente tem discutido bastante, o ‘Não Vai Ter Copa’ é muito mais uma palavra de ordem do que um objetivo concreto. Dentre os nossos objetivos não está não acontecer a Copa. Temos objetivos concretos, como reparações às vítimas da Copa.

“Dá para perceber que são movimentos bem heterogêneos, tem de tudo nessa proposta. Ela vem com pouco debate político e alguns comitês não conseguem contato com quem tá propondo, organizando. Aqui em Porto Alegre a gente não conhece as pessoas que estão propondo isso”, diz Claudia Favaro, do Comitê Popular de Porto Alegre, e acrescenta:

Quando chamaram o ato do dia 25, não foi conversado com o Bloco de Lutas pelo Transporte Público e nem com o Comitê, que são os espaços onde os coletivos estão organizados. Aqui a gente não tem essa posição de que mobilização só se chama pela internet. E existe uma preocupação por parte da esquerda em geral da apropriação da pauta por setores mais conservadores. A gente se soma ao grito de ‘Não vai ter Copa’ entendendo que é uma amarra na garganta de um povo que já está oprimido há um tempo, mas ainda vemos com cautela.

"Se não tiver direitos, não vai ter Copa!"

“Se não tiver direitos, não vai ter Copa!”

“Em todos os debates que a gente teve a gente acha até ruim que o debate fique polarizado entre ‘Vai ter Copa’ e ‘Não Vai Ter Copa’. Fica então uma discussão superficial, a gente não discute as violações. E o que a gente quer discutir são as violações”, opina Renato Cosentino, do Comitê Popular do Rio de Janeiro:

Tanto as violações diretas em decorrência da Copa como as de modelo de cidade que a Copa do Mundo faz parte. É isso que a gente vem tentando dar destaque. Mas é claro que a gente apoia o lema e as mobilizações contra a Copa.

Leia a primeira parte desta reportagem: Brasil: Quem grita ‘Não vai ter Copa’?

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

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