Há exatamente uma semana, na noite de 20 de junho de 2013, o Brasil foi sacudido pela maior onda de protestos da história recente do país. No Rio de Janeiro, a manifestação que começou pacífica com uma marcha do centro da cidade até à prefeitura alastrou-se por outros bairros e terminou com confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes.
Segundo estimativas oficiais, cerca de 300 mil pessoas participaram da manifestação no Rio. Dentre elas, estava o fotógrafo Calé, que registrou o uso indiscriminado de balas de borracha, spray de pimenta e bomba de gás lacrimogêneo por parte da Polícia Militar contra manifestantes desarmados e indefesos.
O resultado são os testemunhos e fotos a seguir, que Calé escolheu especialmente para o Global Voices Online:
Ontem à noite [20 de junho de 2013] eu cobri os protestos no Rio e vi a polícia usar gás lacrimogênio e balas de borracha para limpar as ruas do centro do Rio, em um caso evidente de abuso de poder.
Em grande parte, tratava-se de uma reunião pacífica e alegre, com bandas tocando marchinhas de carnaval e pessoas de todas as idades carregando bandeiras e cartazes com reivindicações. Houve pequenos incidentes, como uma briga entre militantes de um partido de esquerda e jovens que não aceitavam que a marcha fosse explorada ou ligada a qualquer partido político.
Curiosamente, a polícia demorou muito para reagir, enviando apenas três motocicletas para verificar a ocorrência e, possivelmente, reportar aos comandantes. Nenhuma prisão foi efetuada, nem mesmo quando algumas pessoas, sangrando, apontaram os autores do ataque.
Quando a multidão finalmente chegou à praça da prefeitura, encontrou uma grande concentração de policiais protegendo o prédio, com a cavalaria à frente do portão. Os líderes da manifestação fizeram uma corrente humana na frente da polícia, para evitar conflitos e garantir que um pequeno grupo de bardeneiros não estragasse a bela noite.
Os manifestantes estavam conseguindo manter a calma na frente da prefeitura até que um fisiculturista de 29 anos chamado Gabriel Campos, agora procurado pela polícia, começou a insultar os policiais da cavalaria, apesar dos pedidos da multidão para que ele fosse embora. A uma determinada altura, os manifestantes começaram a pedir aos policiais para que o prendessem, antes que fosse tarde demais.
Como não houve resposta, os manifestantes tentaram fazer justiça com as próprias mãos, o que levou a uma briga. Era a desculpa que a polícia estava esperando para, ao primeiro sinal de de mau comportamento, começar a atirar bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra a multidão.
Em nenhum momento houve uma tentativa de invadir a prefeitura; as pessoas simplesmente ficaram furiosas e começaram a lutar contra a polícia, armadas de paus e pedras. O que aconteceu em seguida foi o maior caso de abuso policial da década: as tropas especiais do Batalhão de Choque e do Bope varreram as ruas do centro de Rio até o bairro boêmio da Lapa, a 2.5 km de distância. Em resposta, muitas lojas e edifícios foram vandalizados e saqueadas na Avenida Presidente Vargas.
Mesmo após o fim da briga, a polícia continuou a jogar gás em manifestantes pacíficos que voltavam para casa, longe da prefeitura. Não houve distinção entre arruaceiros e gente de bem tentando encontrar o caminho de volta para casa.
Como as estações de metrô haviam sido fechadas, todo mundo teve que fazer a pé o percusso até sair da zona de conflito. Na estação Carioca, um grupo estava esperando as portas abrir, quando a polícia marchava pela Avenida Rio Branco. Esta estação localiza-se em um corredor de pedestres, perpendicular à avenida, e quando a polícia já estava quase fora do campo de visão, alguém gritou “covardes, filho de p…”: os policiais imediatamente se viraram e jogaram gás na multidão.
Os funcionários do metrô foram rápidos e abriram uma pequena porta para as pessoas entrarem, o que acabou criando uma armadilha onde todo mundo ficou preso em um funil de ar contaminado com gás. Lá embaixo, muitos estavam sentindo náuseas, deitados no chão.
Muitas das pessoas que deixaram a marcha ao primeiro sinal de problemas decidiram ir para a Lapa, para tomar uma cerveja, em suas cabeças um lugar distante e seguro. Mas logo os esquadrões estavam lá também e o caos foi estabelecido nas ruas. Na Lapa, também longe da prefeitura, muita gente ficou presa dentro de hotéis, bares e restaurantes, sendo que a polícia atirou balas de borracha e gás dentro de alguns recintos.
Sim, havia vândalos na marcha, causando quebra-quebra e incêndios, mas a maioria dos atos do tipo aconteceu apenas na Avenida Presidente Vargas, próxima ao gabinete do prefeito. Por que será então que a polícia alargou o raio de ação, apontando armas para pessoas inocentes? Em encontros e nas redes sociais, todo mundo agora fala sobre o medo de participar de novas manifestações, e algumas querem que tudo acabe. E apenas uma expressão me vem à mente para explicar o comportamento da nossa força policial: terrorismo de Estado.
Todas as fotos que ilustram esse post foram usadas com permissão do fotógrafo Calé, que além de trabalho comercial, desenvolve projetos artísticos e autorais renomados no mundo inteiro. Algumas de suas fotos podem ser vistas na exposição Buscadores, que segue no no dia 29 de junho no Ateliê da Imagem, Rio de Janeiro. Buscadores já foi exibida em mostras individuais na Dinamarca, Rússia, Argentina e Bolívia e participou de coletivas nos EUA e Irlanda.
Veja também a nossa cobertura dos protestos de 20 de junho em todo o Brasil.