[Esse é um post transregional sobre histórias em quadrinhos e intercâmbio cultural, em duas partes, produzido pelo GV América Latina e pelo GV em Português.]
Volume I: Histórias Invisíveis
O que há por trás do aumento do interesse por gibis em espanhol no reino dos quadrinhos do Brasil? Embora cercado por vizinhos cujo idioma é o espanhol, é estranho que os trabalhos artísticos desses países sigam pouco conhecidos por aqui.
O mercado brasileiro de quadrinhos era bem diferente nos anos 1980-1990. Materiais estrangeiros traduzidos para o português, que não fossem gibis dos EUA, costumavam ser publicados em revistas como a Animal e a Heavy Metal. Não havia muitas lojas especializadas fora dos grandes centros naquele tempo. A Turma da Mônica, famosa tira convertida em série, fazia sucesso entre as crianças e atualmente é publicada em várias línguas, incluindo uma edição em espanhol – Monica y su pandilla [es].
Algumas poucas edições underground nacionais eram mais fáceis de achar naquela época, e nomes como Angeli, Glauco e Laerte vêm à memória. Curiosamente, em algum momento de suas carreiras, eles trabalharam juntos em uma tira chamada Los 3 Amigos, na qual adotavam o Portuñol como idioma oficial.
Hoje o mercado ganhou escala em termos de variedade. Tiras online fomentaram um novo cenário para artistas como Andre Dahmer, o criador dos Malvados.
E os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá ganharam os holofotes com seu aclamado trabalho Daytripper.
Mercados emergentes, embora invisíveis entre si
Sacudido pelas grandes mudanças no reino das HQs, trazidas pela internet e pelo maior acesso a conteúdos do mundo inteiro, o Brasil vem experimentando um momento de maiores trocas com uma variedade de culturas.
As razões pelas quais os produtos culturais latinoamericanos, nesse caso histórias em quadrinhos, são desconhecidos no Brasil não são uma preocupação recente. Esse tipo de pergunta já foi feita por pessoas como o artista Gabriel Bá, em uma postagem de 2010:Qual será o problema do Brasil com o resto da América Latina? Será que é a língua? Por que só queremos saber dos Quadrinhos norte Americanos, Europeus e Japoneses? Porque nos encanta tanto as culturas mais distantes, enquanto há tanto a ser descoberto logo aqui ao lado? Será que é só com a gente, ou do outro lado acontece a mesma coisa?
E Paulo Floro, em 2011, em um artigo para O Grito, um site sobre a cultura pop:
[Danilo] Beyruth, um dos quadrinhistas presentes na Fierro [es, mas o comentário refere-se à edição brasileira], esteve na Argentina recentemente. “Achei curioso eles terem um mercado de quadrinhos tão rico e tão desconhecido da gente. Um é completamente invisível do outro”. O oposto também acontece. “Eles não conhecem Laerte, Henfil, do mesmo modo que não conhecemos os autores deles”.
Quino e Maitena desfrutaram de algum sucesso por aqui, mas o que dizer de outros autores?
Garota Sequencial, blogueira e editora de quadrinhos, também está intrigada com a estranha sensação de que pouco sabemos sobre os vizinhos do Brasil: “A rica produção de quadrinhos da América Latina ainda é pouco conhecida no Brasil”. Ela comentou:(…) são raros os casos de quadrinistas argentinos que chegam ao Brasil – e também de outros países do continente.
E adicionou um mea culpa:
Se há algo pelo qual me recrimino é o total desconhecimento sobre a produção quadrinística dos outros países da América Latina.
Para a Garota Sequencial, esse desconhecimento vale para os os dois lados:
E isso é meio que recíproco: na entrevista que linkei (…), Liniers diz que Angeli é quase desconhecido na Argentina – O ANGELI!
Há dois grandes fatores empresariais que criam problemas para editoras independentes: “má distribuição e/ou preço proibitivo”. Por fim, ela comentou:
Agora que as fronteiras não são mais tão impossíveis de serem atravessadas, considero importante que voltemos os olhos para o que ainda não conseguimos enxergar, seja por leniência (no meu caso) ou simples inadvertência.
Como afirmou Gabriel Bá em uma retrospectiva de 2012:
O bom trabalho precisa de tempo pra amadurecer, o autor precisa de tempo pra ter o que falar. Não precisa ter pressa. O mundo não vai acabar.
Sem dúvida. E talvez até mesmo o público precise de um tempo para amadurecer. Talvez finalmente estejamos compreendendo isso.
Acompanhe-nos no próximo post, quando conheceremos alguns artistas latinoamericanos e algumas das pontes entre os seus mundos. Nesse meio tempo, reconhecendo que uma lista exaustiva é uma tarefa inviável, preferimos pedir a sua ajuda – que quadrinhos latinoamericanos você recomenda?