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Perfil da blogueira Nessa Guedes, a Garota Coca-Cola

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Juventude, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Blogueiros

A comunidade Global Voices Online trabalha em conjunto para compartilhar as vozes de milhares de blogueiros e jornalistas cidadãos que vivem ao redor do mundo. Algumas vezes, porém, estes mesmos blogueiros são alvo de nossa curiosidade.

Na entrevista abaixo, descobriremos um pouco mais sobre a Nessa Guedes, uma blogueira gaúcha de seus quase 23 anos de idade radicada em São Paulo. Feminista, programadora e vegetariana, a Garota Coca-Cola [1] é antes de tudo alguém que não consegue ficar parado diante das injustiças do mundo.

Global Voices: Quem é a Nessa Guedes?

Nessa Guedes: Programadora? Blogueira? Gerente de Projetos? Voluntária? Feminista? Vegetariana? Ciclista? Bonne vivant? Ativista digital? Entusiasta de software livre? Até hoje nunca consegui dizer quem eu sou, porque nunca sei se falo da profissão, dos ativismos, das atividades. Por me identificar com vários ativismos, e precisando conhecer outros contextos, saí de Porto Alegre para conhecer outras pessoas, para entender melhor como me posicionar e como agir para praticar esses ativismos.

A blogueira e ativista, Nessa Guedes

A blogueira e ativista, Nessa Guedes

Bloghttp://garotacocacola.com.br/ [1]
Twitter@nessoila [2]
Facebook: Nessa Guedes [3]
Link favorito: ANDA (Agência de Notícias dos Direitos dos Animais) [4]

GV: Porque escrever um blog?

NG: O blog surgiu em um contexto totalmente diferente, quando eu tinha dezessete anos e tinha muito tempo livre – queria expor minhas impressões sobre o mundo e compartilhar com quem eu achava que interessava. Com o tempo eu parei de falar só das minhas indagações pessoais e abri os assuntos do blog para um esfera mais coletiva, pensando em mobilidade, escolhas, política, profissões, carreira, comportamento e relacionamentos.

Isso tudo fez parte de um longo e contínuo crescimento de percepção, de mundo. Dá para dizer que o blog é um reflexo fiel de uma adolescente virando mulher.

GV: Porque “Garota Coca-Cola?

NG: Garota Coca-Cola vem do sentimento de fazer parte de um mundo com o qual eu não concordo totalmente, e não poder sair efetivamente de dentro dele. Isso às vezes me mata aos pouquinhos. Muitas vezes pensei em virar ermitã, mas mesmo que eu adotasse uma caverna para morar, ainda assim, a propriedade privada me cercaria, pois não há território no mundo que não tenha dono, então eu teria que comprar a caverna ou invadi-la, o que me deixa à mercê das coisas que não concordo no mundo em qualquer circunstância. Outra coisa que não me permite “abandonar” o mundo do jeito que eu gostaria é o fato de saber que existem pessoas que precisam de ajuda, exatamente por não terem culpa de viverem em um contexto injusto que as deixa desprivilegiadas de contarem com o mínimo de comida, saneamento e liberdade de escolha.

Ser uma “garota coca-cola” é estar eternamente presa a propriedade privada, à mídia, à legislação, sem poder escolher estar ou não dentro delas. É não beber coca-cola mas ainda ser alvo de um mundo viciado em refrigerante. Apesar de que eu bebo coca-cola às vezes.

GV: Qual seu texto favorito no blog? E porque?

NG: Talvez o texto em que eu admito assistir pornografia [5] – é um grande tabu no Brasil falar que mulheres consomem esse tipo de conteúdo. E também um texto de desabafo em que eu falo de meritocracia e conto a experiência horrível que eu tive de ver um cara agonizando na minha frente e não poder fazer nada. O mais triste dessa reflexão do mendigo agonizante [6] foi a banalização da morte da pessoa só porque ela vivia na rua. Era como se uma vida não valesse nada se a pessoa não tiver posses. Ela, por ela só, não vale nada. Você tem que ser alguma coisa para obter proteção, respeito e assistência; isso está errado. Muito errado.

GV: E como as pessoas reagem aos seus textos?

NG: Meus amigos costumam ser os principais leitores do blog. Muita gente me manda email ao invés de comentar no blog; tanto para parabenizar sobre o texto quanto para dizer que discorda de mim. Eu acho isso o máximo, já que consigo exercer a capacidade de argumentação sobre as minhas idéias tanto quanto consigo olhar meus textos sob outros pontos de vista. Vez ou outra rola uma discussão mais intensa que vai para outras esferas do contexto do assunto tratado, como listas de discussões de email e posts-resposta de outros blogs.

Eu gosto dessa movimentação. Às vezes, inclusive, mudo de idéia sob certos aspectos – e acho isso extremamente importante para quem busca estar sempre à frente no entendimento das coisas que compreende como erradas no mundo.

GV: Seu ativismo já lhe causou problemas?

NG: Em 2011 tive problemas quando um vídeo da Folha de são Paulo, em que me entrevistaram sobre a Marcha das Vadias em São Paulo [7], caiu na minha esfera profissional, devido sua repercussão. Mas foi uma crise gerenciável que, através de outros fatores, culminou em uma demissão. Nunca me arrependi de ter mantido minha opinião, e nunca me envergonhei de ter sido exposta em ambiente de trabalho; não cometi nenhum crime. Criminoso pode ser até quem se omite frente a uma situação injusta e não faz nada para melhorar aquilo, mas não alguém que fala quando acha que algo está errado, e mais; levanta o traseiro da cadeira e tenta realmente mudar a situação. Já levei a lição para a vida: nunca me chatear se perder uma oportunidade de trabalho por causa das minhas opiniões e ideais, ou por causa das coisas que já fiz na vida. Eu dou sim é graças aos céus, por ter me livrado de investir meu tempo com jobs e pessoas que não me respeitam como eu as respeitaria.

Nessa Guedes segura cartaz das Blogueiras Feministas durante a Marcha das Vadias em São Paulo

Nessa Guedes segura cartaz das Blogueiras Feministas durante a Marcha das Vadias em São Paulo

Frase favorita:

Seja a mudança que você quer ver no mundo.” Dalai Lama

Pra seguir no Twitter:

@srtabia [8], por que eu admiro o jeito com o qual ela toca todas as comunidades que participa, e como ela sempre expressa sua opinião sem se comprometer, ou sem ofender as pessoas, sempre sendo muito gentil e sutil, com muito respeito.

GV: Os blogs são importantes numa era em que o Facebook e outras redes sociais predominam?

NG: Bem, os blogs são mais do que importantes na era das redes sociais: eles são a nossa garantia de autonomia política na internet. Enquanto usamos redes sociais ou sistemas de blogagem não-independentes, nós nos submetemos às suas políticas de uso e privacidade. Com nossos blogs independentes somos livres de verdade.

GV: E o que mais faz a Nessa Guedes?

Nessa Guedes com seu chapéu de desenvolvedora em hackaton do iMasters, no evento Intercon 2012. São Paulo, Brasil.

Nessa Guedes com seu chapéu de desenvolvedora em hackaton do iMasters, no evento Intercon 2012. São Paulo, Brasil.

NG: A Nessa trabalha com produção digital em uma agência de publicidade. Sempre gostei de tecnologia e vez que outra pego um freelancer de desenvolvimento web. Costumo fazer trabalhos voluntários na área de Tecnologia da Informação, e participo de todos os eventos possíveis relacionados. Uma das minhas paixões é dar aula, e sempre que possível ministro algum curso de desenvolvimento para pessoas de fora da área, nem sempre de forma voluntária, mas sempre com muito entusiasmo. Sou membro jedi do Garoa Hacker Clube [9], e voluntária de engajamento na Mozilla Foundation. Também sou membro do Blogueiras Feministas [10], uma lista de discussão e portal sobre feminismo no Brasil. Escrevo algumas coisas sobre desenvolvimento no meu outro blog [11].

Minha formação é em redes de computadores, mas já fiz de tudo na vida, desde telefonista a voluntária de ONG que cuida de cachorros, até estudar licenciatura em Física durante três anos frustrantes na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Sempre me perco quando ficam me perguntando o que mais eu faço da vida além de trabalhar, ou além de blogar; são tantas coisas…

GV: Por fim, uma ideia em um tweet para mudar o mundo:

NG: Não deixe pra depois o que você pode fazer nos próximos 5 minutos.