O caos político em que se encontra a Guiné Bissau – particularmente desde o golpe de estado de Abril de 2012 [1] – pode ter encontrado novo alento para a procura da sua resolução com a recente nomeação do Prémio Nobel da Paz e ex-Presidente timorense, José Ramos-Horta, para liderar o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz no país (UNIOGBIS [2]), a partir de Fevereiro.
É constante a instabilidade política e militar na Guiné Bissau, país que desde a sua independência [3] de Portugal colonial, em 1974, nunca viu um presidente eleito chegar ao fim do seu mandato. Em Abril de 2012, a poucos dias da segunda volta das eleições presidenciais, o país mergulhou numa nova crise com o golpe de estado militar que instalou o actual “governo de transição” no poder.
Ramos Horta é agora chamado para “consolidar a paz”, sucedendo ao ruandês Joseph Mutaboba, cujo mandato termina no final de Janeiro. A sua nomeação tem sido elogiada tanto por diplomatas [4] internacionais como por organizações da sociedade civil guineense. Um artigo [5] publicado na Deutsche Welle (DW) explica porquê:
Presidente de Timor-Leste entre 2007 e 2012 e anteriormente ministro dos Negócios Estrangeiros, Ramos-Horta dispõe de experiência diplomática e de influência internacional, algo que poderá ser relevante para voltar a colocar a Guiné-Bissau na agenda política mundial. Foi condenado ao exílio forçado nos Estados Unidos na sequência da invasão indonésia do seu país e durante 24 anos defendeu a causa timorense na Organização das Nações Unidas (ONU) e nas capitais mundiais. Em 1996, o seu esforço valeu-lhe o Prémio Nobel da Paz, que partilhou com o bispo de Díli D. Ximenes Belo.
Enquanto que muitos consideram a nomeação de Ramos Horta um “bom augúrio”, Nádia Issufo, jornalista moçambicana, indica que a mesma pode representar um “presente envenenado” para o governo de transição. No seu blog pessoal, Acalmar as Almas [7], são apontadas várias organizações representantes da comunidade internacional que têm tentado intervir na situação política actual da Guiné Bissau, das quais destaca a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que não reconhece o actual governo de transição, e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que o reconhece:
Está assumido pelo governo de transição guineense que a CPLP não é exatamente bem vinda na negociação da sua crise. A CEDEAO é o parceiro confiado de Bissau. Por exemplo, recentemente o governo de Serifo Nhamadjo disse estar satisfeito com a presença das forças desta organização no país, apesar da Liga dos Direitos Humanos Guineense afirmar que a tal força assiste impávida as violações dos direitos humanos no país.
(…)
A nomeação de um representante da ONU proveniente de um país membro da CPLP, pode parecer inocente, mas em termo práticos isola e sufoca a CEDEAO e obviamente a Guiné-Bissau. Quer queira quer não, de alguma maneira o governo de transição é obrigado a engolir a CPLP, se não desliza com mel, então…
Enquanto a guerra entre a CEDEAO e a CPLP não terminar as chances para uma saída pacífica são mínimas. Sabemos que no fundo a disputa é dominada por Angola, que se quer impor no continente africano ao nível diplomático, e a Nigéria que quer também o posto. Portanto, está um país a afundar-se também em nome de ambições alheias.
As “ambições alheias” que Nádia refere também são mencionadas pelo consultor de marketing político português José Paulo Fafe, que comenta [9]no seu blog:
Recorde-se que, em 2004, Ramos Horta chefiou a missão da CPLP que “fiscalizou” (sem grande sucesso, diga-se de passagem…) as eleições naquele país, quando sob o olhar cúmplice da comunidade internacional e do governo então chefiado por Durão Barroso, se sucederam as fraudes e as “chapeladas” por todo o território. Esperemos agora que o antigo mandatário timorense “emende a mão” e, pelo menos, não seja à semelhança do chefe da diplomacia portuguesa [Paulo Portas], um porta-voz dos interesses angolanos naquele país. É que para mandarete, já basta o que temos…
A jornalista Helena Ferro de Gouveia, no blog Domadora de Camaleões [10], diz que Ramos Horta, “o homem que exclamou que ‘Timor ida deit'” (Timor é um só), apelando à união do povo timorense, pode ser “o homem certo para que o futuro não deserte a Guiné e ela encontre o caminho para casa”, mas ressalva algumas das dificuldades que este poderá encontrar:
- A ossatura de um Estado faz-se de dois pilares: o da segurança e o da justiça; na Guiné-Bissau, o pilar da segurança ruiu há muito e o sistema de justiça é inexistente.
- O uso da força pelos militares [substituiu] as instituições do Estado. Sem ajuda externa para acabar com o envolvimento das Forças Armadas na política, é impossível acabar com a chantagem dos militares sobre os políticos, a sua manipulação do poder legislativo e do poder judicial e o deslizar do país para o tráfico de drogas entre a América Latina e a Europa.
Ainda sobre a questão do narcotráfico, um editorial do blog Página Global [11], dedicado à lusofonia, diz que esta é uma “fatura [que] pesa desumanamente sobre o povo guineense (…) a braços com uma crise gerada por corruptos e golpistas comprometidos com carteis da droga”:
A determinação de fazer da Guiné-Bissau um território sobre a posse do narcotráfico é por demais evidente e não será Ramos Horta que conseguirá mudar o curso desses objetivos se a comunidade internacional, a ONU, não der um “murro na mesa” e usar os argumentos e provas que possui para criminalizar em Tribunal Internacional os criminosos e cúmplices que detêm os poderes e a sistemática subjugação do país aos ditames do narcotráfico, dos golpismos e de prepotência. Basta de impunidades.