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Mulheres Afro-Brasileiras, Cabelo Crespo e Consciência Negra

Categorias: América Latina, Brasil, Arte e Cultura, Etnia e Raça, Filme, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

“Pode ir de cabelo solto na minha escola, mas eu não gosto, porque ele seca e fica ruim. Meu cabelo é ruim”. A frase é dita por uma menina no web documentário Raíz Forte [1], que mostra como mulheres negras no Brasil lidam e lidaram com seus cabelos. Segundo a descrição do projeto na página do Facebook [1], o intuito é “gerar discussões acerca das relações com o cabelo enquanto forma de pertencimento e de explicitação da ancestralidade africana”.

No dia em que se celebra a Consciência Negra [2] no Brasil, 20 de novembro, convidamos a conhecer este filme cuja narração, feita em primeira pessoa, conecta às histórias das diferentes personagens, mostrando o preconceito sofrido pela sociedade e, muitas vezes, por elas mesmas ao longo da vida.

O documentário [3], dividido numa série de três episódios, começa por abordar os rituais de manipulação do cabelo crespo durante a infância da mulher negra, e depois mostra como várias mulheres agem diante das opções adquiridas durante a adolescência e juventude. O terceiro e último episódio apresenta experiências das personagens em relação ao cabelo crespo, da infância a juventude, que marcam sua história hoje.

Em entrevista ao blog Meninas Black Power [4], Charlene Bicalho, idealizadora do documentário Raíz Forte, compartilha sua própria experiência com seu cabelo. Segundo conta Charlene, sua “raíz” foi negada desde a infância até à idade adulta, passando por várias fases de disfarce, como as trancinhas, “o alisamento como a salvação do problema”, o consequente enfraquecimento do cabelo, a dependência de tratamentos químicos e caros. Até que, aos 26 anos, resolveu entrar num processo que lhe permitisse descobrir de novo como era o seu cabelo. E o resultado? Charlene conta:

Charlene Bicalho [5]

Charlene Bicalho

comecei a ser abordada por mulheres negras, em ambientes que eu frequentava, perguntando o que eu fazia para meu cabelo ficar daquela forma. As abordagens aumentavam a medida que o meu cabelo crescia e isso começou a mexer comigo porque eu me via naquelas mulheres, via nelas meu cabelo de anos atrás.  Comecei então a pensar algum projeto cultural onde pudesse abordar essa temática, no intuito de mostrar para essas mulheres que existem alternativas para tratar dos cabelos diferentes das que geralmente são ensinadas no âmbito familiar. Dessas reflexões surgiu o projeto RAIZ FORTE!

A relação entre preconceito, mulheres negras e cabelos crespo pode ser acompanhada em diversos setores da sociedade e mídia.

Como relata no site Jezebel, no artigo [6] intitulado “Bombril é palha de aço. Cabelo crespo é outra coisa”, Livia Deodato critica a relação entre o objeto e seu cabelo:

Aí, quando a gente pensa que todo este mal-estar ficou lá nos anos 80, vem a Bombril [empresa cujo principal produto é palha de aço, pejorativamente associada aos cabelos crespos], ciente da associação preconceituosa criada em torno da sua marca, claro, e lança um concurso para descobrir a nova melhor cantora do Brasil no programa do Raul Gil: Mulheres que Brilham, cujo logo é a sombra de uma mulher de perfil que tem cabelo crespo.

(O concurso [7], que durou entre junho e outubro de 2012, teve como vencedoras as cantoras Bruna e Keyla, notavelmente loiras e não afro-brasileiras).

O blog Cabelo Crespo é Cabelo bom [8], da jornalista Mariangela Miguel, tem o mesmo intuito do documentário: mostrar que o cabelo crespo é tão bonito quanto o liso:

Quando o seu cabelo só cresce para cima, como explicar para uma menina de 13 anos que ela não pode nem sonhar com o cabelo Chanel? Quem é o culpado? O cabelo ruim.

Acreditei nisso por muitos anos. Hoje, depois de tantas experiências (que vou fazer questão de contar cada uma para vocês), cheguei a seguinte conclusão: se meu cabelo fosse realmente ruim, não teria agüentado tanto secador, chapinha e química.

Luísa Diogo, ex-Primeira Ministra de Moçambique, no documentário "Mulheres Africanas - A Rede Invisível" [9]

Luísa Diogo, ex-Primeira Ministra de Moçambique, no documentário “Mulheres Africanas – A Rede Invísivel [10]“, apresentando a trajetória de lutas e conquistas históricas da mulher africana em diferentes países do continente africano. (Clique para ver o trailer)

“Esse fenômeno pelo qual passam as cabeleiras das mulheres, principalmente as negras, não é exclusivo entre as brasileiras”, indica o blog Colherada Cultural [11]:

Nos Estados Unidos a questão está tão presente que virou tema de um divertido documentário chamado “Good Hair” [12] (ou “Cabelo Bom”, em tradução livre) (…) [que] mostra como age a indústria de produtos para cabelos voltada aos negros, bem como a ausência quase que total de personalidades negras que assumem os fios crespos.

Também no mundo da música a questão é retratada. Um exemplo é dado pela jovem psicóloga Jessica Sandim, que partilha [13] no seu blog a música “I am not my hair [14]“, da cantora norte americana India Arie, dedicando-a a:

nós que sempre, I mean, SEMPRE TODA A VIDA, entramos em conflito sobre nossos cabelos, nossa identidade, nosso gosto e a “maldita ditadura da sociedade”…
E também pra você que adora criticar tudo que é diferente.

A música faz uma apologia à recusa dos estereótipos incutidos pela sociedade, e tem sido partilhada pela blogosfera como “canto libertador”, descreve-o [15] assim a autora do Diário de Bordo, Bordado a Bordô [15], como “canto de quando já se chegou, canto de tributo à trajetória”.