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A sofisticação da censura em Angola

Categorias: África Subsaariana, Angola, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política

Angola assinalou este domingo, dia 11 de Novembro, o 37º aniversário da sua independência [1]. Mas, na verdade, quão independente é o país actualmente? Em termos de liberdade da comunicação social, por exemplo, a realidade que se vive é preocupante e, segundo alguns especialistas, a censura em Angola tende até a sofisticar-se.

O mais recente episódio de censura aconteceu recentemente, no dia 27 de Outubro de 2012, quando o Semanário Angolense [2] foi retirado da gráfica pela Media Investe. O motivo terá sido a publicação quase integral de um discurso muito crítico do presidente da UNITA, Isaías Samakuva, sobre o estado da Nação, avançou em primeira mão a Maka Angola [3]:

A  empresa proprietária, controlada por altas figuras dos Serviços de Segurança e Informação do Estado (SINSE), retirou os exemplares impressos do jornal para serem queimados. Maka Angola obteve uma cópia digital do jornal censurado, cujas páginas 8, 9 e 10 reproduzem, com tratamento gráfico, o discurso de Samakuva, de 23 de Outubro.

Cópia da capa do Semanário Angolense censurado. O discurso proferido por Samakuva a de 23 de Outubro é reproduzido nas páginas 8, 9 e 10. [3]

Cópia da capa do Semanário Angolense censurado. O discurso proferido por Samakuva a de 23 de Outubro é reproduzido nas páginas 8, 9 e 10.

O discurso do líder do maior partido da oposição angolana – cuja versão integral é disponibilizada online pela Maka Angola [4] [pdf] – criticava o facto de o presidente angolano, José Eduardo dos Santos, não ter feito o discurso sobre o estado da Nação na abertura da terceira Legislatura, como está previsto na Constituição. Em vez disso, o chefe de Estado angolano mandou distribuir aos deputados cópias do seu discurso de tomada de posse, a 26 de Setembro passado. A atitude foi muito criticada pela oposição e por vários sectores da sociedade.

Em entrevista à DW [5], o defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques, fundador da Maka Angola, diz que se trata de “mais uma forma de controlo da informação que circula” no país:

O presidente da UNITA fez um discurso bastante contundente que teve grande aceitação na sociedade (…). Daí a necessidade de ter que garantir que o discurso de Isaías Samakuva não tenha ampla circulação. Ele está a circular apenas na internet e, como é do conhecimento geral, Luanda e o país sofrem uma grave crise de abastecimento de eletricidade. Logo muito poucas pessoas têm acesso à internet e os jornais são mais lidos, porque um jornal pode ser lido por várias pessoas. Agora também os jornais privados são controlados pelo aparelho de segurança e neste caso houve uma falha dos censores, mas mesmo assim ainda foram a tempo de ir buscar os jornais da impressão diretamente para a queima.

No seu site, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos [6] (SJA) lamenta que “incidentes” como este já não são novidade no panorama da “liberdade de imprensa” em Angola:

Este tipo de atentados começou verificar-se desde a altura, já lá vão mais de dois anos, em que alguns semanários luandenses começaram a ser comprados por empresas sem rosto, tendo neste âmbito mudado de proprietários o “Semanário Angolense”, a “A Capital” e o “Novo Jornal”. Do ponto de vista editorial, “A Capital” foi até agora a publicação que mais foi violentada/censurada pelos seus novos proprietários, por razões claramente políticas e relacionadas com a sua discordância no tocante a determinadas matérias desfavoráveis aos interesses do actual poder político.

O caso do Semanário Angolense gerou inúmeros comentários nas redes sociais. A 29 de Outubro de 2012, Joana Clementina comentava no Facebook [7]:

Tanto barulho porquê? O Semanário em questão tem um dono e cabe a ele decidir o que vai para a rua. Se o problema é o discurso do man samas [Isaías Samakuva], a Rádio Despertar pode passar sempre que quiser e diga-se que a Despertar tem maior audiência em relação ao Angolense. No big deal. Ficaria feliz se vocês apontassem soluções para o problema da luz e água. O Semanário Angolense nem está ao alcance do bolso do cidadão comum, uma minoria é que o lê.

Pouco depois, Mingiedy Mia Loa respondia directamente a este comentário:

Joana Clementina: independentemente do dono, existe o Conselho Nacional de Comunicação Social e cabe a este órgão regular e fiscalizar a linha editorial dos órgãos de comunicação social, sejam eles privadas ou publicas, e por outra a Constituição de Angola não prevê censuras em matérias jornalísticas no seu capitulo de liberdades de expressão…

No dia 31 de Outubro de 2012, Maurilio Luiele escrevia também no Facebook [7]:

O facto é que a constituição consagra a liberdade de imprensa e ipsis factus proíbe a censura. Se isso não é censura então é o quê? O que está em causa é a violação da Constituição, e pior ainda, a forma sistemática e leviana como se ultraja a Lei em Angola. Sempre me faço a seguinte pergunta: se a lei não é a baliza e livre arbitrio prevalece onde fica o Estado Democrático de Direito? Onde está a PGR para defender a legalidade?

Como refere o SJA [6], que cita a legislação vigente (7/06/15 de Maio), o atentado à liberdade de imprensa acontece quando:

“aquele que fora dos casos previstos na lei impedir ou perturbar a composição, impressão, distribuição e livre circulação de publicações periódicas, impedir ou perturbar a emissão de programas de radiodifusão e televisão, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da actividade jornalística”.

“A liberdade de cada um, não deverá ser respeitada?”, [8]interrogava também o investigador Eugénio Costa Almeida num artigo de opinião sobre o tema, publicado no semanário angolano Novo Jornal, a 2 Novembro de 2012:

A ser verdade esta eventual atitude, deram mostras de não respeitar a liberdade de cada um. A liberdade de quem escreveu, a liberdade de quem produziu e, mais grave ainda porque a condiciona, a liberdade de escolha do leitor. Porque os jornais, a comunicação social, só existe porque há leitores, ouvintes e telespectadores que lêem, ouve, ou vêem as notícias e as opiniões emitidas para, posteriormente, terem a liberdade de as apreciar, citar ou questionar e criticar as mesmas e delas tirarem as ilações possíveis.

"Samakuva: Cadê o meu discurso?" Imagem partilhada no Facebook de Projecto Kissonde. [9]

“Samakuva: Cadê o meu discurso?” Imagem partilhada no Facebook de Projecto Kissonde.

Episódios como este são a prova de que o lápis azul angolano está a assumir novos contornos, com a propaganda e a autocensura a limitarem cada vez mais a liberdade de imprensa. O modelo de censura angolano é até “mais sofisticado do que o chinês”, defende o analista angolano Nelson Pestana em entrevista à DW: [10]

O modelo de censura chinês é assumido como um dos mecanismos do partido. Em Angola não. O discurso de legitimação passa pela ideia de democracia, pela ideia de pluralismo. Não é um órgão exterior que impede o jornal de circular é o próprio dono do jornal que decide que desta vez não circula. Só que o dono do jornal faz parte do grupo do poder e por isso é evidentemente um mecanismo de censura e de controlo da opinião pública nacional.

“Nenhum dos PALOP tem os meios de pressão que Angola tem”, criticava já o jornalista português Pedro Rosa Mendes numa entrevista em Fevereiro deste ano [11], pouco depois do programa de rádio em que colaborava (“Este Tempo”, transmitido no canal Antena 1) ter sido suspenso depois de uma crónica [12] crítica ao governo de Angola:

É óbvio, para toda a gente que não queira ser ingénua, que muita da pressão que Angola pode fazer já funciona por si. É uma espécie de diplomacia paralela e de pressão tácita.