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Brasil: Violência Policial e Privatização do Espaço Público em Porto Alegre

Categorias: América Latina, Brasil, Economia e Negócios, Governança, Juventude, Mídia Cidadã, Protesto

Em 4 de outubro de 2012, centenas de estudantes e ativistas se reuniram na Praça Montevidéu e no Largo Glênio Peres em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para protestar contra o que chamavam de privatização do espaço público [1].

Eles protestavam contra a proibição de uso daquele espaço [2] por artistas de rua e pela população em geral em atividades artísticas ou feiras, ao passo que foi permitido à Coca-Cola usar o espaço para a colocação de um boneco inflável de um Tatu-Bola, simbolo da Copa do Mundo de 2014, cuja cidade é uma das sedes.

Marco Aurelio Weissheimer explicou [3]:

A prefeitura de Porto Alegre repassou para a Coca-Cola a tarefa de “cuidar” do Largo Glênio Peres, uma das áreas mais tradicionais do centro da capital e espaço histórico de manifestações sociais, culturais e políticos.

[…]

A iniciativa não é isolada. Outros espaços públicos da cidade estão sendo repassados pela gestão Fortunati para a iniciativa privada, como é o caso do Auditório Araújo Viana, agora sob os cuidados da produtora Opus. O ufanismo empreendedorista embalado pelas “obras da Copa” justifica a invasão privada de espaços públicos na cidade.

Os estudantes e ativistas tentaram destruir o boneco – no que foram bem sucedidos – e no processo foram reprimidos com extrema violência pela Brigada Militar, a Polícia Militar local à serviço do governador do estado.

[4]

Foto que ficou famosa das cenas de violência em Proto Alegre. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br usada com permissão

Ramiro Furquim, Igor Natusch, Samir Oliveira e Felipe Prestes escreveram [4] para o jornal alternativo Sul 21 sobre o ocorrido. Segundo eles, os “manifestantes estavam dançando, cantando e gritando palavras de ordem contra o prefeito José Fortunati (PDT)” enquanto “mais de 20 guardas municipais faziam a defesa da entrada da prefeitura e exatos 19 policiais militares – agrupados em quatro viaturas e três motocicletas – faziam a defesa do mascote”.

[4]

Tatu bola destruído após ação de manifestantes. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br usada com permissão

Segundo testemunhas, alguns poucos manifestantes passaram sem ser contidos pela barreira em volta do boneco e, uma vez próximos a ele, a Brigada Militar passou a agredir todos que estavam na área.

Para defender o boneco (…) foram deslocados cerca de 60 policiais militares do Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9º Batalhão de Polícia Militar, além de tropas da Guarda Municipal. Os policiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo, dispararam tiros com munição não-letal e partiram para cima dos manifestantes com seus cassetetes. Os relatos informam que sequer os jornalistas presentes foram poupados. Pelo menos três, que estavam devidamente identificados com seus crachás, foram agredidos: um fotógrafo do jornal Zero Hora, um repórter do Correio do Povo e um repórter da Rádio Guaíba.

Pelo menos 6 manifestantes foram presos e entre 14 e 20 ficaram feridos e foram levados para o hospital. O Blog do Prestes relatou [5] agressões à jornalistas e mesmo um caso de racismo contra um repórter.

O usuário do Youtube ciclodocs postou um vídeo com imagens da agressão policial:

O Blog F2 Véia de Guerra postou uma série de vídeos sobre a violência da Brigada Militar e comentou [6]:

Em que nível a sociedade [7] chegou. Pagamos impostos (que não são poucos) para pagar salário de policial que defende boneco de plástico. Boneco esse que não foi pedido pelo povo, boneco esse que não representa as necessidades desse povo.
[…]
Policiais batem em outros seres humanos para defender uma porcaria de uma multinacional, e justificam isso dizendo que essas pessoas estão depredando propriedade privada, policiais que logo depois machucam , quebram celulares e máquinas fotográficas dessas pessoas.
Quem são os vândalos? Quem são os estúpidos?
[8]

Cartum de Carlos Latuff, sob licença Creative Commons

Simone Schuck, do blog Tensa Intensa, se diz cansada da situação [9] de violência e humilhação:
Estou cansada de ver a polícia militar protegendo um tatu de plástico que simboliza tudo o que não é interessante para uma cidade como Porto Alegre. É extremamente humilhante até para a própria instituição. Estou cansada de ver, nessa instituição, o reflexo da violência extremada da sociedade, a falta de democracia, do respeito que [encaro] todos os dias ao sair de casa. Estou cansada de ver jornalistas serem espancados enquanto trabalham. Isso remonta ao quê, mesmo? Estou cansada de ver a humilhação ser respondida com humilhação.
Mas ela também critica os manifestantes:
Mas também estou cansada de ver protestos um tanto quanto inúteis, senão pela inocência de achar nque um cartaz muda tudo, então pela mediocridade de utilizá-los como escopos individuais. Estou cansada de ver gente se aproveitando de questões importantes, que devem sim ser discutidas, para fazer politicagem. Pessoal, estou cansada de ver sangue sendo derramado por causa de um tatu de plástico

A usuária do Youtube Samantha Torres postou mais imagens da violência policial contra manifestantes e jornalistas:

Sob as alegações de provocação ou mesmo violência por parte dos manifestantes, Marco Eurélio Weissheimer, no blog RS Urgente, comenta [10]:
Mesmo diante de eventuais excessos por parte de alguns manifestantes, não há nenhuma justificação para as cenas que se vê, incluindo agressões contra quem estava filmando o episódio (o que, aliás, não é a primeira vez que acontece).
[11]

Mashup sobre foto de cena de violência policial. Foto de Ramiro Furquim/Sul21.com.br usada com permissão

E Eduardo Nunes, do blog Periscópio completa [12]:

Pessoalmente, sou contra o confronto físico com policiais. Isso gera repercussão negativa (mesmo que a causa seja justa) e coloca o grosso da população, essa massa amorfa e apática, contra os manifestantes.

Mas acredito que, neste caso do Largo Glênio Peres, esconder ou omitir as violências originárias do poder público e de uma empresa multinacional também é vandalismo, também é violência. Achar que revitalizar o Centro é sinônimo de tirar o povo do Largo e beneficiar empresas é um gravíssimo ato de violência, que deve ser denunciado.

Se esta é uma briga de sujos contra mal lavados, adoto o seguinte critério: entre bonecos infláveis e pessoas, fico do lado das pessoas. Não é da cabeça do boneco que sai sangue.

No dia 7 de outubro, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, responsável pela Brigada Militar do estado, soltou nota [13] repudiando a violência policial. No dia seguinte a Brigada Militar reconheceu [14] ter cometido “excessos”.