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Brasil: Medida Ameaça Autonomia de Terras Indígenas

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Governança, Indígenas, Lei, Protesto

A publicação da Portaria 303 [1] em meados de julho de 2012 pelo Governo Federal do Brasil, através da Advocacia Geral da União [2] (AGU, a instituição responsável pelo exercício da advocacia pública a nível federal), visando restringir a autonomia sobre as terras indígenas do Brasil, tem sido duramente repudiada por diversos movimentos sociais [3] que lutam pelos direitos originários dos povos indígenas no país, e além.

Luana Luizy do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) resume [4] as implicações da portaria:

a Portaria 303 determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos. Por um mero instrumento, a AGU desconstrói o direito constitucional indígena de usufruto exclusivo da terra de ocupação tradicional.

Opositores à medida exigem a sua imediata revogação já que a consideram [5] “uma afronta aos direitos garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que é lei no país desde 2004, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas”.

Populações como obstáculos ao desenvolvimento

Protesto indígena em Brasília, 2011. Foto de International Rivers no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [6]

Protesto indígena em Brasília, 2011. Foto de International Rivers no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

A portaria surge numa altura em que a política de desenvolvimento implementada pelo governo de Dilma Rousseff, tem visivelmente colidido com direitos de comunidades indígenas do país. Segundo dados do IBGE em 2010 foram contabilizados mais de 800 mil indíos [7] no Brasil.

Nos holofotes da mídia tem estado a Usina de Belo Monte [8], que poderá vir a ser a terceira maior do mundo se a sua construção for de facto concretizada. Conforme o Global Voices reportou [9] em agosto, as obras do complexo hidrelétrico tinham sido suspensas por determinação do Ministério Público Federal no estado do Pará, exatamente por, entre outros motivos, as comunidades indígenas não terem sido consultadas antes do decreto legislativo que autorizou a sua instalação. No entanto, a suspensão das obras apenas durou poucos dias, já que a 27 de agosto o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu [10] a liminar em favor da AGU, que exigia a retoma dos trabalhos.

Casos como o de Belo Monte expõem as fragilidades do Brasil no que toca o seu posicionamento quanto a compromissos internacionais de defesa dos direitos humanos, como se viu quando em 2011 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitou ao governo de Dilma, mediante uma medida cautelar, que suspendesse imediatamente a construção da obra.

No entanto, dada a influência do país nas Américas, o próprio sistema interamericano de direitos humanos é posto em risco, acredita o professor catedrático e sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que escreveu [11] sobre o que as pressões da CIDH desencadearam:

O Brasil protesta contra a decisão, retira o seu embaixador na Organização dos Estados Americanos (OEA), suspende o pagamento da sua cota anual à OEA, retira o seu candidato à CIDH e toma a iniciativa de criar um grupo de trabalho para propor a reforma da CIDH no sentido de diminuir os seus poderes de questionar os governos sobre violações de direitos humanos.

Sousa Santos descreve [11] ainda a linha seguida nas atuais políticas “progressistas” de desenvolvimento de forma acutilante:

Os territórios passam a ser terra e as populações que nelas habitam, obstáculos ao desenvolvimento que é necessário remover quanto mais rápido melhor.

A mesma linha de pensamento foi também reforçada por M. Marcos Terena (@MarcosTerena [12]), blogueiro e ativista indígena, que tuitou no Dia Internacional dos Povos Indígenas [13], 9 de agosto:

Nós Indigenas lembramos nesse nosso Dia que a Portaria 303 da AGU ve nas nossas terras, ouro, novas estradas, etc, menos nós os Indigenas

Tolerância zero

Manifestação indígena contra a portaria nº 303/12 em Manaus. Foto de Fora do Eixo no Flickr (CC BY-SA). [14]

Manifestação indígena contra a portaria 303/12 em Manaus. Foto de Fora do Eixo no Flickr (CC BY-SA).

A Portaria 303 serviu de incentivo à união inédita [3] de diversos movimentos sociais, como as lideranças indígenas membros do Comitê do GATI [15] (Gestão Ambiental e Territorial Indígena), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Missionário Indigenista (CIMI) e a Associação Nacional dos Servidores da Funai (Fundação Nacional do índio [16], Ansef), para tentar sensibilizar parlamentares, judiciário e a sociedade, não só sobre as implicações dessa medida mas também sobre aquilo que consideram ser os vários os atos em curso que “demonstram o contexto de desmonte da política indigenista no país e de ataque às comunidades indígenas e as suas terras”:

o novo decreto de reestruturação da Funai, Decreto 7778/12, as PECs [Propostas de Emenda à Constituição] 038, que daria ao Senado a competência exclusiva para demarcação de terras indígenas e, 215, que transfere essa atividade para o Congresso.

Mais informação sobre essas e outras medidas que vão contra os direitos dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e o ambiente, foi partilhada pelo Instituto Humanitas UNISINOS (@_ihu [17]) no seu site:

Governo Dilma promove a maior cruzada contra os direitos indígenas com trapalhadas jurídicas. http://bit.ly/NiSQjo [18]

Em resposta às ações levadas a cabo nas últimas semanas, em finais de agosto o governo propôs [19] a suspensão da Portaria 303 “até o julgamento dos embargos de declaração postos contra  a sentença do STF que julgou a ação judicial relativa à Raposa Serra do Sol” (o Global Voices reportou [20] sobre este caso de demarcação territorial em 2009) e “a criação de um Grupo de Trabalho composto pelo Ministério da Justiça, AGU, Funai, e representantes dos povos indígenas, com o objetivo de discutir as condicionantes estabelecidas na Portaria 303/2012 e outras formas de viabilização de processos de demarcação de terras indígenas”.

A APIB mostra-se contrária [19] à proposta de suspensão, por acreditar que esta “manterá latente os riscos de conflitos fundiários generalizados no país” e promete “seguir mobilizando e lutando pela revogação integral da Portaria 303 da AGU”.

Colaboraram neste post João Miguel Lima [21] e Raphael Tsavkko Garcia [22].