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Paquistão: O Caso da Blasfêmia e as Notícias Conflitantes

Categorias: Sul da Ásia, Paquistão, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero, Política, Protesto, Religião

A lei contra a blasfêmia [1] [en] no Paquistão novamente tem sido o foco de um debate acalorado, depois de uma garota de 14 anos ter sido acusada de queimar páginas da Noorani Qaida, uma lição do Corão. Rimsha Masih foi presa no dia 17 de agosto de 2012, quando uma horda de mais de cem pessoas a levou ao posto da polícia local. A notícia fora reportada primeiramente na página Christian in Pakistan [2] [en] [Cristão no Paquistão], que rotineiramente publica notícias a respeito da perseguição sofrida pela comunidade cristã no Paquistão. À medida em que a notícia se espalhou, várias pessoas usaram o Twitter para tentar verificar a validade das informações, bem como para procurar por uma resposta das autoridades (veja a reportagem do Global Voices [3] [en]). A mídia tradicional passou então a cobrir a história e, desde então, algumas petições online foram criadas.

Porém, deixando o ativismo de lado, algumas informações conflitantes acerca deste caso têm sido publicadas, sendo a mais significativa delas a imagem da garota, que se tornou o emblema da campanha #SaveRimsha (ou “Salvem Rimsha”).

[4]

Foto cortesia de: Sunny Gill- Cidadãos pela Democracia – Pessoas de todas as idades em solidariedade a Rimsha, Carachi.

O problema do nome e da imagem da garota

Quando as notícias se espalharam, vários veículos tradicionais de mídia se referiram à garota chamando-a de “Rifta” ao invés de “Rimsha” – o nome reportado inicialmente na página Christian in Pakistan [en] [2]. Veículos populares – como Dawn [5], Express [6] e The Guardian [7] – e até mesmo o grupo de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional se referiram a ela como Rifta em seus notificados à imprensa [en] [8], exigindo que a libertassem e repelindo as leis contra a blasfêmia. Enquanto isso, outro caso – desta vez de um garoto cristão de 11 anos morto queimado [9] [en] – também fora noticiado. Apesar de não se saber ao certo se este último caso se trata de um crime baseado em valores religiosos, alguns leitores reagiram aos erros cometidos pela mídia tradicional ao reportar os fatos:

Raza Rumi (@Razarumi) [10]: RT @junaidqaiser [11]: @rezhasan [12] BTW name and Samual's age is not correct in ET's report.bit.ly/OwDAjH [13] #Pakistan [14] (August 22, 2012)

A propósito, o nome e a idade de Samual não estão corretos na reportagem do Express Tribune. #Paquistão

Halima Mansoor (@Hmansoor) [15]: @razarumi [16] @junaidqaiser [11] @rezhasan [12] Rimsha was reported as Rifta by many, inc ET at first. Dnt knw if its poor reporting or poor systems (August 22, 2012)

Rimsha foi noticiada como Rifta por muitos, começando pelo Express Tribune. Não sei se é mal jornalismo ou se são sistemas ruins.

Junaid Qaiser (@JunaidQaiser) [17]: @hmansoor [18]@razarumi [16]@rezhasan [12] Reporting without cross checking facts. And no proper editorial check. (August 22, 2012)

É jornalismo sem se verificar a fonte. E sem revisão editorial. (22 de agosto de 2012)

Possivelmente, a última reportagem que usou o nome Rifta tenha sido a de 23 de agosto [19] [en]. Também é interessante notar que os veículos de notícias corrigiram o nome para Rimsha, mas não se publicou nenhuma errata a respeito; uma prática padrão no jornalismo. À medida em que petições e protestos foram surgindo, um número considerável destes usou a imagem de uma garotinha como sendo a foto de Rimsha.

Uma vez que vi a foto ser usada em diversas campanhas no passado, decidi buscar sua fonte para desencorajar seu uso como a foto de Rimsha. A ferramenta de arrastar e soltar do Google Imagens foi bastante útil para determinar a fonte da imagem, que fora publicada primeiramente em abril de 2006. Trata-se da foto de uma garota num campo escolar temporário em Balakot, na Caxemira [20] [en], tirada depois do terremoto de 2005 (por Maciej Dakowicz [21] [en]).

[20]

A imagem da garota também tem sido usada por repórteres e por sítios sem verificação. As páginas do Examiner.com [22] [en], do Huffington Post e do France 24 também mostravam a foto. O Huffington removeu a imagem posteriormente.

Sunil Dixit (@sudixitca) [23]: @raushenbush [24] @huffpostrelig [25] -Could you please confirm/verify that this picture is indeed of Rimsha Masih? Thanks – twitter.com/sudixitca/stat… [26] (August 22, 2012)

Por favor, você poderia confirmar/verificar se a imagem se trata de fato de Rimsha Masih? Obrigado (22 de agosto de 2012)

Paul B. Raushenbush (@raushenbush) [27]: @sudixitca [28] I don't know, we didn't have a foto of the girl in our coverage (August 22, 2012)

Eu não sei, não tínhamos uma foto da garota em nossa cobertura (22 de agosto de 2012).

Sunil Dixit (@sudixitca) [29]: @raushenbush [24] – Sir this where I saw this picture. huffingtonpost.com/mike-ghouse/mu… [30] (August 23, 2012)

Senhor, foi aqui que vi esta imagem. (23 de agosto de 2012)

Naeem Shamim @naeemshamim: [31] Even marxist poets like #Faiz remained silent when State & Mullahs were persecuting #Ahmadis ! (August 27,2012)

Até mesmo poetas marxistas como #Faiz [32] se calaram quando o Estado e os Mulás [33] perseguiram a Comunidade Ahmadi [34]!

Maham Ali (@Mahamali05) [35]: The girl in your profile picture is not Rimsha Masih @naeemshamim [31] (August 27, 2012)

A garota na sua imagem do perfil não é Rimsha Masih.

Umer Arain (@UmerArain) [36]: Indian channel running the Rimsha/blasphemy story with picture of the earthquake victim. @cyalm [37] speaks too.youtu.be/SGwMBcQNnP8 [38] #FAIL [39] (August 29,2012)

Canal indiano transmitindo a história de Rimsha e da blasfêmia com a imagem de uma vítima do terremoto. @cyalm diz o mesmo.

Um vídeo a respeito dos protestos em Londres mostra pessoas carregando cartazes com a foto da garota:

A Radio France International usou a imagem enquanto entrevistava o autor Irshad Manji acerca do assunto:

O autor de um artigo do Huffington Post comentou com uma pessoa do meu time que a imagem usada é de “uma garota aleatória”. Desapontamento.

Apesar da foto ter sido utilizada por muitos veículos, apenas um grupo ativista – Citizens For Democracy [42] [en] (ou “Cidadãos Pela Democracia”) – publicou esclarecimentos e desculpas como forma de desencorajar o uso da imagem:

CFD apologises for using a misleading photo with the visual earlier posted on this blog regarding the demonstration in Karachi on Aug 25. We realise that there is a need to be more thoughtful with the visuals we use with our campaigns. Please read the note below, sent to the petition owners of the Free Rimsha campaign, from a health professional in Lahore: “The photo being used with the Rimsha Masih campaign is fake and misleading. As a member of the healthcare professionals community, I can assure you the child in the photo clearly lacks any of the characteristic facial features of Down’s Syndrome [..] It is unfortunate that this photogenic-but-normal child’s picture has also been snapped up to make press club banners and illustrate other articles without appropriate verification, almost unchanged and with the incorrect labeling still intact…”

O CFD pede desculpas por usar uma foto enganosa nas imagens do artigo publicado anteriormente a respeito dos protestos em Carachi no dia 25 de agosto. Nós percebemos que há uma necessidade em sermos mais cuidadosos com as imagens que usamos em nossas campanhas. Por favor, leiam a nota abaixo, enviada aos responsáveis pelas petições da campanha Libertem Rimsha por um profissional da saúde em Lahore: “A foto que está sendo usada na campanha por Rimsha Masih é falsa e enganosa. Como um membro da comunidade dos profissionais de saúde, posso assegurar que a criança na foto claramente não possui quaisquer das características faciais da Síndrome de Down […]. É triste que essa foto – de uma criança fotogênica, ainda que saudável – tenha se espalhado a ponto de compor cartazes e de ilustrar artigos sem a devida verificação, quase sem alterações e com as legendas incorretas ainda intactas…”

A não ser que os veículos tradicionais de mídia reconheçam seu erro, será cada vez mais difícil limitar o uso dessa imagem. Dado o risco envolvido em casos de blasfêmia, publicar uma imagem e uma identidade enganosa pode colocar muitas pessoas em perigo.