- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Brasil: Facebook Censura Fotos da Marcha das Vadias

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Fotografia, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Protesto, Tecnologia

Pouco após a grande divulgação de fotos das Marchas das Vadias que ocorreram em várias cidades do Brasil [1] nos dias 26 e 27 de maio, surgiram várias denúncias de que fotos de mulheres com os seios à mostra, em sinal de protesto contra o machismo que denunciavam, estavam sendo deletadas pelo Facebook por “violar a declaração de direitos e responsabilidades” para com o serviço online.

Alguns casos tiveram maior publicidade, o da ativista Luka Franca em São Paulo, o do perfil da Marcha das Vadias de Belo Horizonte e o da fotógrafa Ananda Luz na Marcha do Rio de Janeiro, em caso denunciado por sua filha, Tarsila Luz. Esta última escreveu [2] em seu perfil do Facebook:

Galera, a minha mãe Ananda Luz não pode acessar o facebook hoje, está bloqueada porque foi denunciada as fotos que ela fez sobre a marcha das vadias… o engraçado e que retiraram somente fotos que as mulheres com seios de fora estavam em conflito com a polícia. Quem será que denunciou? Será que os mesmos fizeram com outros meios de comunicações? Por que incomoda tanto, nós mulheres, protestarmos? Chega dessa ditadura!!!!!!

É possível comparar as fotos de seu álbum do Facebook [3] com as do Flickr [4]e notar, por exemplo, que uma das fotos [5] – dentre outras – não aparece mais no primeiro. Todas elas com mulheres com seus seios à mostra. Curiosamente, as fotos de homens sem suas camisas [6] não foram censuradas. O caso ainda foi repercutido [7] pela blogueira Conceição Oliveira em seu blog.

Uma das fotos de Ananda Luz censurada pelo Facebook. Usada com permissão. [5]

Uma das fotos de Ananda Luz censurada pelo Facebook. Usada com permissão.

O perfil da Marcha das Vadias de Belo Horizonte foi igulamente censurado e protestou. Falando em nome do grupo, a administradora da página no Facebook, Débora, disse [8] que “as ameaças de porrada, os insultos… esses não foram denunciados. Passaram ilesos, comuns e socialmente aceitos que são”:

Mas os peitos… ah, os peitos, afrontosos peitos, que ainda hoje assustam aqueles que cospem nas tetas que mamaram, esses seres de boa índole que querem ‘proteger sua filha de 5 anos da imoralidade do mundo'; aqueles que te asseguram que você ‘deveria ir marchar contra a corrupção'; aqueles que nos culpam de todas as moléstias do mundo; aqueles que afirmam que é por nossa causa que ‘o Brasil não vai pra frente'; aqueles porcos de alma imunda, por viverem na lama, só têm lama a oferecer às vacas profanas, às putas das divinas tetas, às vadias que têm a ousadia, a impáfia, o atrevimento, a infâmia, a imoralidade, a sem-vergonhice de… mostrar os peitos. Ah, os peitos! Polícia, socorro! Padre, me ajude! Há peitos livres lá fora, alguém me ajude, é urgente, eu tenho medo de peitos!!!

Fotos censuradas pelo Facebook retornaram com tarjas no perfil da Marcha das Vadias de Belo Horizonte. [8]

Fotos censuradas pelo Facebook retornaram com tarjas no perfil da Marcha das Vadias de Belo Horizonte.

Outro caso com ainda mais visibilidade é o da jornalista e ativista Luka Franca [9], cuja foto em que aparece com os seios à mostra junto à sua filha “foi denunciada como ‘conteúdo inadequado’ e o Facebook concordou com a reclamação, barrando futuras postagens e interações da jornalista com seus amigos”, explica [10] Manu Barem, do blog Jezebel:

Mas aí veio a rebeldia: seus amigos compartilharam a foto centenas de vezes na rede social como forma de contestar a postura adotada pelo Facebook em relação ao ativismo de Luka.

Pedrão Ribeira Nogueira, foi um dos que postou a foto de Luka no Facebook, e acabou sendo censurado [11] também.

Foto de Luka Franca deletada pelo Facebook e postada com "censura", em tom de brincadeira, por Pedrão Nogueira. A foto sem censura pode ser vista no link. [11]

Foto de Luka Franca deletada pelo Facebook e postada com "censura", em tom de brincadeira, por Pedrão Nogueira. A foto sem censura pode ser vista no link.

A própria ativista escreveu [12] em seu blog:

Para se retirar uma imagem ou publicação do ar é preciso que esta seja denunciada ao Facebook, mas quando se faz isso o próprio site indica que a imagem pode não ser retirada, justamente por causa do código de boa vizinhança que eles estabelecem – só lembrar que eles incluíram no código a questão da amamentação e das obras clássicas com nudez – ou seja, antes qualquer imagem era considerada pornografia, hoje o que não consta na lista de exceções do FB é suspenso e com 3 suspensões você é expulso da rede social, quase um colégio marista…

Ela ainda relembra de um antigo caso de suspensão no Facebook da ativista Kalu, suspensa por postar uma foto amamentando [13], e também denuncia que a ativista do Ocupa Sampa Paula Lion, suspensa por também postar fotos de mulheres com seios descobertos na Marcha das Vadias de São Paulo.

Foto de Paula Lion, censurada pelo Facebook.

Sobre o conceito da Marcha das Vadias, a professora e ativista Maíra Kubik Mano comentou [14]:

Dentro desse contexto de afirmação da liberdade e do corpo como um campo de batalha política, algumas manifestantes optaram por sair às ruas com os seios descobertos. Uma provocação, claro, para mostrar que a mulher não deve ser objeto de desejo 24 horas por dia, como querem as propagandas de cerveja.

E completou:

Entendo que a empresa tenha uma política que proteja sua rede, por exemplo, de pedófilos. Mas faltou um bom discernimento para perceber a diferença entre protesto e pornografia.

Todas as fotos censuradas foram consideradas pelo Facebook como contendo “nudez e pornografia [15]“:

O Facebook tem uma política rígida contra o compartilhamento de conteúdo pornográfico e impõe limitações à exibição de nudez. Da mesma forma, desejamos respeitar o direito das pessoas de compartilhar conteúdo de importância pessoal, sejam fotos de uma escultura, como Davi de Michelangelo, ou fotos de família da amamentação de uma criança.

O site de compartilhamento, obviamente, não faz distinção entre nudez “gratuita”, pornografia e ativismo social.