Rússia: Campanha por Posse de Armas Pega Carona no Herói de Tula

As leis de posse de armas na Rússia são antigas e restritivas [ru]. Atualmente, civis não podem portar armas para autodefesa e a maioria não tem permissão para comprar rifles. Ninguém pode possuir armas menores do que 80 centímetros (o que torna ilegais os revólveres e pistolas). É por isso que um pequeno fazendeiro em Tula teve que recorrer a uma faca de cozinha [ru] para matar três dos quatro assaltantes armados que ameaçaram sua família no dia 7 de abril. Pelo menos é essa a história que alguns defensores do direito ao porte de armas na Rússia procuraram contar após o ocorrido.

Naquele dia, Gegam Sarkisian [ru], 52, estava assistindo televisão com sua esposa, filha, sua nora e seus netos, quando quatro homens armados portando uma pistola (ilegal), facas e um taco de beisebol invadiram a sua casa. Os ladrões, insatisfeitos com o dinheiro que Sarkisian tinha disponível, começaram a bater nele e na esposa. Milagrosamente, Sarksian conseguiu se defender com uma faca. Como resultado, apenas um ladrão escapou, vivo e com ferimentos. Sarkisian ficou internado no hospital por pouco tempo.

A história tornou-se viral e, com o status de herói adquirido instantaneamente, Sarkisian livrou-se de acusações criminais – um perigo muito real na Rússia, mesmo nos casos em que a autodefesa é evidente. O sentimento popular foi expressado por Vladimir Soloviev, um jornalista e personalidade televisiva, que tuitou [ru]: “Gegam Sarkisian […] é um verdadeiro herói. Ele deveria ser louvado, não julgado”. O governador de Tula Oblast respondeu [ru] via Twitter oferecendo garantias: “[Gegam] é um verdadeiro HOMEM, e nós não deixaremos que nada de ruim aconteça com ele”. De fato, nenhuma acusação de assassinato foi apresentada contra Sarkisian.

No geral foi isso – um raro final feliz no mundo frio da reportagem criminal. Mas não terminou ali para os ativistas do incipiente movimento pró-armas russo, que vêem na situação algo totalmente evitável se a posse de armas fosse legalizada na Rússia. Alguém pode questionar a ideia de converter um homem que matou a facadas quem tentava assaltá-lo em um caso notório para a posse de armas. A ativista Maria Butina não pensa assim [ru]:

Однако кажется очевидным, что далеко не каждый сможет зарезать нападающих ножом, возможность защищаться более совершенным техническим инструментарием позволила бы такие случаи успешной самозащиты воспроизводить в куда большем масштабе […].

Parece óbvio que nem todo mundo pode matar assaltantes com uma faca, [mas] a capacidade de se defender com um instrumento tecnicamente mais adequado ajudaria a reproduzir casos bem-sucedidos de autodefesa em escala massiva.

Butina coordena o movimento de “Direito às Armas”, cujo objetivo é a legalização da posse de armas e a coordenação das atividades lobistas necessárias para esse fim. Ela administra a página do grupo, vk.com [ru], um site [ru] a favor das armas, e o seu próprio blog [ru], no qual escreve quase que exclusivamente sobre políticas para a questão das armas.

O elo entre a posse de armas e a autodefesa é um tema usual para quem defende o direito às armas. Em 9 de abril, Butina criou uma petição online [ru] intitulada “Autodefesa é um ato de bravura, não um crime!” no site www.OnlinePetition.ru, versão russa bastante similar ao conceito do site Change.org [en]. A petição, que já tem cerca de 1.500 assinaturas, vincula Sarkisian a Alexander Tarasov, um aposentado de setenta anos que matou um bandido com uma faca em 7 de abril de 2011 – exatamente um ano antes da invasão à casa de Sarkisian. Tarasov, no entanto, foi julgado culpado por crime pré-meditado, e a petição requer uma revisão do caso e a descriminalização da autodefesa. O cabeçalho da petição, apresentado abaixo, retrata uma mulher jovem portando um revólver, com olhar determinado. A abordagem na linha da autodefesa parece ser suficientemente clara.

A petição online de Maria Butina, "Duas formas de se defender da violência." Screenshot, 20 April 2012.

Konstantin Krylov, um conhecido ideólogo nacionalista e blogueiro que acredita [ru] que o porte de armas é uma necessidade humana básica, também faturou com a história de Sarkisian para promover o direito de cada um se defender. Antes que ficasse claro que Sarkisian não seria incriminado, Krylov escreveu [ru]:

Что характерно, наказываются именно те люди, которые во всём остальном мире были бы признаны национальными героями.

Tipicamente, os que são punidos [na Rússia] seriam considerados heróis nacionais no resto do mundo.

Em 15 de abril, Krylov foi um dos oradores em uma manifestação em Moscou [ru] organizada pelo “Direito às Armas”. O político nacionalista Vladimir Tor e o blogueiro/ativista de oposição Vladislav Naganov também apareceram para promover a autodefesa e a legalização das armas de fogo para uma multidão de aproximadamente duzentas pessoas. Embora Sarkisian constasse da agenda [ru], a decisão das autoridades de Tula de não processá-lo diminuiu o interesse no caso quando chegou o momento da manifestação.

Olhando para trás, parece que os ativistas das armas abraçaram rapidamente o caso de Sarkisian por conta da similaridade com o caso de Tarasov e também porque para 15 de abril já estava programada uma manifestação, antes [ru], portanto, do incidente de 7 de abril de 2012. A própria Butina escreveu [ru] que “as circunstâncias permitiram que [a manifestação] aproveitasse o fluxo dos eventos que envolveram Tarasov e Sarkisian”, potencialmente aumentando a cobertura [que de outra forma não seria a mesma]. Um blogueiro que escreve sobre armas, tl2002, comentou que o movimento tirou proveito da situação em um post intitulado “Lobistas das Armas Tentam Pegar Carona [no caso Sarkisian]”:

Непонятно каким боком расследование убийства налетчиков связано с легализацией пистолетов […]. Как говорится было бы желание, а повод найдется.

Eu não entendo como uma investigação de assassinato pode ser vinculada a um movimento para a legalização das armas […]. Como eles dizem, querer é poder.

Outros recorreram a argumentos [ru] como “se o fazendeiro tivesse uma arma, os bandidos nem teriam tentado entrar” ou “se eles tivessem entrado, o herói provavelmente não precisaria ter ido parar no hospital”. Um internauta comentou no blog de Butina, citando sua própria experiência militar, e disse que [ru] uma arma não teria ajudado Sarkisian, pois, “Os assaltantes não teriam deixado de olhar um cofre no qual [provavelmente] a arma estaria guardada […]. Nesse caso, a faca foi muito mais apropriada”. Além disso, uma arma, ainda que estivesse à mão, poderia não ser adequada por conta do perigo do fogo amigo, escreveu [ru] o blogueiro don_djovanni.

Enquanto isso, o governador de Tula, Vladimir Gruzdev, também está pegando carona na situação. Uma agência de notícias local está conduzindo uma pesquisa online [ru], perguntando se as pessoas apoiam a iniciativa de Gruzdev [ru] para liberar a venda de armas. Até o momento, 65% das respostas dizem “Sim” ou “Sim, mas com algumas restrições”. De todo modo, o diálogo foi aberto.

1 comentário

  • Otuos Notrewe

    E está mais do que certo, todo cidadão tem que ter direito ao porte de arma. Governo nenhum no planeta tem capacidade de defender a população dos bandidos, a policia só chega depois do crime sempre!!

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