Este post é parte integrante de nossa cobertura especial Europa em Crise [1].
Enquanto as frustrações dos cidadãos em Portugal continuam a crescer já há um ano, desde o “resgate” internacional da dívida pública do país [2], a comemoração anual do Dia da Liberdade em 25 de abril, que marca a Revolução dos Cravos [3], que pôs fim a uma ditadura [4] de 41 anos em 1974, ganhou novo impulso.
Poucos dias antes, em 19 de abril, a desocupação forçada [5] de um centro comunitário autogerido no Porto fez com que muitos fossem comemorar o 25 de Abril em solidariedade com os que foram expulsos, bem como com outros que lutam contra a crise econômica atual.
Para ilustrar a tensão sobre esta nova forma de comemorar o Dia da Liberdade, a histórica Associação 25 de Abril (fundada pelos militares que deram o golpe de 1974) recusou-se [6] a participar das comemorações tradicionais, organizadas pelo governo este ano, em protesto contra as políticas nacionais e as duras medidas de austeridade que os ex-soldados acreditam [7] ir contra os ideais democráticos da Revolução dos Cravos. Em vez disso, eles e muitos outros participaram de comemorações não oficiais.
Trinta e cinco por cento dos jovens em Portugal estão desempregados, apesar das medidas de austeridade impostas pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. E, enquanto 26 famílias por dia têm suas casas confiscadas [10] pela banca, há milhares de instalações habitacionais abandonadas nas principais cidades de Portugal (veja o quadro para Lisboa [11] (pdf)).
O Banco Alimentar Contra a Fome anunciou [12] recentemente que chegou a um ponto crítico em sua capacidade para atender ao crescente número de famílias e instituições que precisam de comida.
Neste contexto, a ordem do governo da cidade de despejar a Es.Col.A [13] (anacrônimo para espaço coletivo autogestionário), onde refeições comunitárias, atividades recreativas [14] e aulas depois da escola eram dadas gratuitamente num edifício público ocupado dum bairro pobre do Porto, provocou a indignação das pessoas em escala nacional.
Como disse João Martins (@jpsmartins [15]) no Twitter:
@jpsmartins: Eu sei o que responder quando me perguntarem onde estava no 25 de Abril: na
#fontinha [16]
Marcha de reocupação
Mesmo com um anúncio [17] de tolerância zero por parte da polícia durante as manifestações do Dia da Liberdade, os defensores do Es.Col.A, apoiados pela O!Brigada clown da Fontinha [18] e um sistema de som improvisado reuniram-se no bairro Fontinha, no Porto, para reocupar o prédio.
Cerca de 2.000 pessoas juntaram-se à marcha, tal como mostra o vídeo [20] publicado no YouTube pelo olhorobot:
Quando a marcha chegou à Fontinha, os cidadãos ocuparam a escola novamente:
E então as comemorações do 25 de abril deram-se no pátio da escola:
Foto-reportagens cidadãs que resumem como foi o dia podem ser vistas no álbum [21] de Renato Roque no Picasa, na cobertura especial [22] do Indymedia, nos blogs de Gui Castro Felga [23], Joana Maltez [24] e José Pacheco Pereira [25], bem como em todo Facebook.
Vazio no rescaldo
Na manhã seguinte a Es.Col.A estava lacrada novamente. Gui Castro Felga escreveu em seu blog o que aconteceu:
desafiando claramente todos os ocuparam ontem o es.col.a, a CMP entrou pela escola vazia adentro e rebentou com canalizações, sanitas, arrancou portas e emparedou, já não com chapas, mas com tijolos e cimento, e cortou a água e a luz ao edifício.
A companhia teatral Visões Úteis, localizada na mesma rua que a Es.Col.A, afirma [27] no Facebook:
A nossa rua, quando chegam os ocupantes da Escola da Fontinha, enche-se de pessoas a sorrir; ouve-se música e palavras como “sonho”, “cultura” e “comunidade”.
A nossa rua, depois de vir a polícia com os seus tapumes, enche-se de um silêncio baço e temeroso. Como se tivesse levado uma grande descompostura por tocar em algo que não lhe pertence.
“Ai se a moda pega!“
Ao comemorar o 25 de Abril em solidariedade com a Es.Col.A, os manifestantes em Coimbra e Lisboa acabaram ocupando novos espaços. Em Coimbra, a um jardim público [28] está sendo criado no centro da cidade, enquanto em Lisboa um grupo de ativistas ocupou um edifício abandonado na rua de São Lázaro [29].
Seu manifesto foi publicado [30] no blog Spectrum:
Antes emparedado que ocupado parece ser o último argumento de um poder que conseguiu sem grande esforço esvaziar as cidades dos seus próprios habitantes, empurrados para os subúrbios ou mesmo para a rua. São centenas de milhares de fogos vazios, deixados ao abandono. Abandono que também vemos nos olhos de quem fez da rua a sua casa. Cada vez mais olhares de abandono, cada vez mais abandono nos olhares. Decretamos, neste dia que se quer de liberdade, tolerância zero a este processo de requalificação urbana, que à custa da miséria de muitos ergue mansões e hotéis para alguns.
Este post é parte integrante de nossa cobertura especial Europa em Crise [1].