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Brasil: Aprovadas Cotas Raciais no Ensino Superior

Categorias: América Latina, Brasil, Etnia e Raça, Governança, Lei

Foi aprovado por unanimidade no último dia 26 de abril em um plenário do Supremo Tribunal Federal [1] do Brasil (STF), a adoção de políticas de cotas raciais em instituições de ensino superior em todo o país. Com a aprovação [2], universidades, faculdades e institutos podem legalmente dedicar uma porcentagem específica de suas vagas para estudantes de origem negra e/ou indígena.

A aprovação da política de cotas raciais traz a tona o polêmico debate [3] sobre a discriminação racial no país e desigualdade racial, promovendo reflexões importantes e dividindo opiniões.

Comemoração do julgamento do STF sobre cotas raciais. Foto de Emília Silberstein. (CC BY 2.0) [4]

Comemoração do julgamento do STF sobre cotas raciais. Foto de Emília Silberstein. (CC BY 2.0)

A medida vem de encontro com políticas de ações afirmativas sendo constitucionais no país desde a democratização, em 1988. O blog de Diana Costa, referindo-se ao “processo discriminatório [que] atinge de forma negativa pessoas que são marcadas por estereótipos que as consolidam socialmente como inferiores, incapazes, degeneradas, etc., alocando-as em situações de sub-cidadania e precariedade civil”, explica [5] o que são ações afirmativas:

É um conjunto de políticas que compreendem que, na prática, as pessoas não são tratadas igualmente e, consequentemente, não possuem as mesmas oportunidades, o que impede o acesso destas a locais de produção de conhecimento e de negociação de poder.

O blog religiões Afro Brasileiras e Política afirma [6] que o resultado das políticas de ação afirmativa no país através do sistema de cotas já demonstra resultados de “um crescimento notório na proporção de pretos e de pardos graduados” na década 1999-2009, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição de ensino a adotar a medida, quando em 2004, passou a reservar 20% das vagas de vestibular exclusivamente para negros e uma outra quantidade de vagas para índios, estes sem necessidade de vestibular. O partido político Democratas (DEM) havia lançado uma ação contra [7] a UnB em 2009, pelo fato de considerar o sistema uma espécie de “tribunal racial.” Desde então, diversas outras instituições de ensino superior vinham adotando a medida. Para facilitar a busca, a ONG Educafro disponibiliza em seu site uma lista completa de instituições [8] que oferecem cotas para alunos da rede pública, alunos negros, alunos indígenas ou alunos deficientes.

#CotasSim vs. #CotasNao

Muitos celebraram a aprovação por unanimidade da adoção da política de cotas. Durante a votação, os próprios ministros do STF mostraram-se positivos perante a decisão. De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, único negro entre os que votaram, “essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem”, reportou [9] o G1.

Foto #cotassim divulgada por @PriscilaPila no Twitter. [10]

Foto #cotassim divulgada por @PriscilaPila no Twitter.

O jornalista e professor Jeso Carneiro também comemorou a decisão. Em seu blog, ele afirmou [11] que

O STF (…) honrou sua importante missão de defender a supremacia da Constituição. A decisão da corte máxima do país é uma vitória de toda a sociedade brasileira, especialmente do movimento negro, que, desde a década de 1980, vem defendendo com firmeza a aplicação de ações afirmativas para combater o racismo e a exclusão social dos negros neste país.

No Twitter, através da hashtag #CotasSim [12], as demonstrações de apoio foram intensas.

O músico Sany Pitbull (‏@SanyPitbull [13]) escreveu:

A elite Branca brasileira tem uma divida à ser paga aos negros, aos pobres, aos índios e aos nordestinos desse país #cotassim [14]

Conceição Oliveira ‏ (@maria_fro [15]):

Cotas não inventa a racialização bando de hipócritas, a racialização já existe em um país racista que segrega jovens negros #CotasSim [14]

Entretanto, nem todos concordam com a decisão do STF. O vlogueiro Daniel Fraga defende em seu vídeo que em um pais como um Brasil, onde a miscigenação e altíssima, ficaria difícil definir corretamente quem realmente é negro ou branco. Essa decisão seria tomada baseando-se num “critério visual,” e cita [16] o exemplo da Universidade de Brasília, a qual não aceitou um estudante pelo fato de ter sido considerado branco, enquanto seu irmão gêmeo foi considerado negro, e foi aceito.

Outros alegam [17], por exemplo, que as cotas seriam apenas uma fácil remenda para o precário sistema público de educação básica e secundária, afirmação rebatida em um artigo publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais, dizendo [18] que “é um grande erro pensar que, no campo das políticas públicas democráticas, os avanços se produzem por etapas seqüenciais: primeiro melhora a educação básica e depois se democratiza a universidade. Ambos os desafios são urgentes e precisam ser assumidos enfaticamente de forma simultânea.”

A aprovação também gerou demonstrações racistas. No dia 29 de abril, uma loja em frente a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve seu muro pichado [19] com os dizeres “A UFMG vai ficar preta.”

O blog Brasil Escola explica [20] a importância de se entender melhor o racismo no Brasil para uma melhor compreensão das políticas de ação afirmativa no país:

(…) a miscigenação não exclui os preconceitos. Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema. Ultimamente, os sistemas de cotas e a criação de um ministério voltado para essa única questão demonstram o tamanho do nosso problema. Ainda aceitamos distinguir o negro do moreno, em uma aquarela de tons onde o último ocupa uma situação melhor que a do primeiro. Desta maneira, criamos a estranha situação onde “todos os outros podem ser racistas, menos eu… é claro!”. Isso nos indica que o alcance da democracia é um assunto tão difícil e complexo como a nossa relação com o negro no Brasil.

A discussão deverá continuar nas próximas semanas, pois além dessa ação, o STF ainda decidirá a constitucionalidade de cotas raciais em combinação com o fato do estudante ter cursado a escola pública. Vale ressaltar que as cotas não são obrigatórias – cada instituição de ensino pode escolher entre adotar a política ou não. A Universidade de São Paulo (USP), maior instituição de ensino superior no Brasil, por exemplo, não as utiliza.

Este artigo foi escrito em colaboração com Debora Baldelli [21].