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Brasil: Quantas Vidas Custam as Terras de Guaraní Kaiowá?

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Desenvolvimento, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Filme, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã

Nas últimas décadas, o Brasil vem se consolidando como um dos principais exportadores agropecuários e de biocombustíveis do mundo. Mato Grosso do Sul, um dos maiores estados brasileiros, é líder nacional de produtividade de soja e cana-de-açúcar [1].

Não por acaso, é o mesmo lugar onde centenas de índios Guarani Kaiowá estão desaparecendo cada vez mais. Cerca 250 indígenas foram mortos em Mato Grosso do Sul nos últimos oito anos, tornando o estado mais perigoso para os índios viverem.

Em novembro deste ano, 42 homens armados [2] foram ao acampamento em Amambaí, no Mato Grosso do Sul, para assassinar Nísio Gomes, de 59 anos, o cacique da comunidade indígena Kaiowá Guarani. Após o assassinato de Nísio e outros integrantes da aldeia, os pistoleiros levaram embora o corpo do cacique para não deixar provas à vista.

Screenshot do documentário À Sombra de Um Delírio Verde [3]

Screenshot do documentário À Sombra de Um Delírio Verde

Após o massacre, estudantes Guarani Kaiowá da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) escreveram uma carta pública [4] onde descrevem a situação que se encontram hoje:

Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. (…) Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.

Assim como acontecia em muitos campos de concentração durante o Holocausto, também agora no Brasil índios acabam trabalhando – muitas vezes em situações análogas à escravidão – para seus próprios algozes. Depois de ficarem sem terras, eles se vêem obrigados à trabalhar para usinas açucareiras, cortando cana-de-açúcar de sol a sol, para garantir R$ 500 ao final do mês para sobrevivência.

Screenshot do documentário À Sombra de um Delírio Verde [3]

Screenshot do documentário À Sombra de um Delírio Verde

Em entrevista para o documentário À Sombra de um Delírio Verde [3], que trata justamente da relação entre o genocídio dos Guarani Kaiowá e do crescimento vertiginoso da produção de cana-de-açúcar, Geraldine Kutis, assessora para assunto internacionais da União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA), que busca que o etanol se torne uma commodity mundial, diz:

em termos de crescimento, costumamos dizer que o céu é o limite.

À Sombra de um Delírio Verde [3] from Mídia Livre [5] on Vimeo [6].

Leonardo Sakamoto relata [7] que ao mesmo tempo em que a produção e os lucros das indústrias agropecuárias atingem patamares exorbitantes:

o guarani continua sendo persona non grata em sua própria terra. Do total de 74 Terras Indígenas homologadas pelo governo federal do início de 2003 até outubro de 2009, apenas três contemplaram o povo guarani, uma das maiores populações indígenas do país.

Segundo levantamento feito pelo documentário À Sombra de um Delírio Verde, mais de 90% das famílias Guarani Kaiowá dependem das cestas básicas do governo para sobreviver, que não cobrem as necessidades diárias do povo

Mártires das Terras Ancestrais

Screenshot do documentário À Sombra de um Delírio Verde [3]

Screenshot do documentário À Sombra de um Delírio Verde

O cacique Nísio Gomes [2] torna-se assim mais um mártir do genocídio que os índios Guarani Kaiowá enfrentam [8] no Brasil e um símbolo da luta indígena pelas terras ancestrais.

Em novembro de 2010, o Global Voices reportou [9] sobre o julgamento de Marcos Verón, outro cacique indígena assassinado brutalmente em 2003. Os assassinos de Veron foram libertados em 2007. O julgamento agendado para Maio deste ano acabou por ser cancelado e de novo adiado para Fevereiro de 2011 [10].

Somente agora, em 2011, a 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo chegou a um veredicto [11]: os acusados Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Estevão Romero foram inocentados pela morte de Veron, mas condenados por sequestros, tortura, lesão corporal e formação de quadrilha.

No início de Dezembro, Ládio Veron, o filho do falecido cacique, numa entrevista gravada em vídeo reforça a necessidade de denúncia sobre a situação [12] dos Guarani-Kaiowá:

O que se vê hoje nas nossas terras, ali em Mato Grosso do Sul, é uma devastação total, onde o pé de cana vale mais que o índio, vale mais que uma criança indígena. Onde o boi vale mais do que uma comunidade indígena. Onde o pé de soja tem mais valor, e as nossas terras hoje são cobertas de vários outros empreendimentos, por enquanto construíram 18 usinas em cima das terras indígenas (…) mas no total são 40 usinas para ser construídas. Não se vê mais mato além de cana, soja e boi.