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Moçambique: A Controversa Cesta Contra a Pobreza

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Alimentação, Governança, Política

A vida está cada vez mais cara um pouco por todo mundo. Os preços dos produtos alimentares de base estão altos, e o petróleo não pára de aumentar. Em Moçambique, uma das medidas propostas pelo Governo para atenuar o impacto da subida de preços na vida dos moçambicanos gerou polémica aos olhos dos cidadãos – o Subsídio à Cesta Básica [1], com o objectivo de:

a) Assegurar o acesso do agregado familiar a alimentos básicos;
b) Contribuir para manutenção de uma alimentação saudável e equilibrada;
c) Proteger a capacidade de compra do indivíduo e agregado familiar contra eventuais aumentos de preços dos alimentos;
d) Contribuir para estabilidade económica do agregado familiar de baixa renda;
e) Contribuir para estabilidade social do país.

Familia só come batata doce. (ONDE? QUANDO?) Foto por Miguel Mangueze, usada com permissão [2]

"Familia só come batata doce". Foto por Miguel Mangueze, usada com permissão

A proposta do Governo do Presidente Armando Guebuza, tinha data de início prevista para o mês de Junho, mas apesar de todas expectativas o seu “aborto” foi sentenciado no passado dia 16 de Junho. Citando o Primeiro Ministro Aires Aly, o bloguista Carlos Serra escreveu [3] “o país está estável por isso não precisa da cesta. Só falta saber por que em Março o governo a introduziu”.

Muitos descrentes e alguns crédulos vinham a manifestar-se desde as últimas semanas na blogosfera e redes sociais sobre a proposta.

Cesta básica e igualitária?

Numa série de vídeos vox-pop no Youtube, eram postos em causa os critérios [4] de eligibilidade da “Cesta Básica”, que levava alguns a crer que o seu carácter seria discriminatório [5], já que o seu Manual de Procedimento [1] apontava que esta se dirigia às:

Camadas Sociais de Baixa Renda (que vivem nos municípios de Pemba, Lichinga, Nampula, Quelimane, Tete, Chimoio, Beira, Inhambane, Xai-Xai, Matola e Maputo e tem rendimento individual igual ou inferior a 2.500,00Mts (cerca de 83 USD) por mês ou o rendimento per-capita do agregado familiar inferior ou igual a 840,00Mts(cerca de 28 USD))

A falta de clareza e de informação [4] sobre a abrangência social da iniciativa foi muito criticada. Cremildo Maculuve, jornalista, céptico em relação ao “critério de elegibilidade dos beneficiários”, escreveu [6] no seu mural da rede social Facebook sobre a quem presumia que a cesta básica iria beneficiar:

a cesta básica só poderá ser dada (…) aos que têm um emprego formal. Cenário mais sombrio, mas não descartável é que esta cinja-se aos funcionários públicos, o que, à partida – se olharmos para o número de funcionários públicos e multiplicarmos pelo número dos que beneficiam directamente dos seus rendimentos – excluirá perto de 90 por cento da população moçambicana.

Noutra nota [7] no Facebook, o jornalista Matias de Jesus Júnior também se questionou sobre os destinatários da medidas proposta para aliviar a escalada de custo de vida:

acredito que aqui estão a abrir um fosso imaginável, isto porque a mesma é socialmente injusta ou descriminatória. Afinal quem é o povo moçambicano, é somente o funcionário público ou também aquele desempregado, privado e o informal

Vários cidadãos recordaram grupos específicos que não têm direito à Cesta Básica em vídeos vox-pop, como Moisés, funcionário público da educação, que afirma que a Cesta não beneficia os professores [8], e Anacleto, um estudante, que apesar de considerar a “ideia da cesta básica boa”, fez questão de não esquecer os muitos “vendedores informais [9]” que não seriam abrangidos.

Na aldeia moçambicana de Madamba (província de Tete) os locais mantêm o negócio de caça e venda de ratazanas na berma da estrada. Uma espetada de 6 a 7 ratazanas custa 10 meticais (20 cêntimos de euro). Foto de Vlad Sokhin copyright Demotix (29/09/2010) [10]

Na aldeia moçambicana de Madamba (província de Tete) os locais mantêm o negócio de caça e venda de ratazanas na berma da estrada. Uma espetada de 6 a 7 ratazanas custa 10 meticais (20 cêntimos de euro). Foto de Vlad Sokhin copyright Demotix (29/09/2010)

Num comentário no Jornal @Verdade, Vasco Muarauane, um cidadão moçambicano, recordava [11] o art. 35 da Constituição, que se refere ao princípio de igualdade de direitos para todos os cidadãos, considerando que a “Cesta” seria implantada mediante um “Decreto com força de Lei”, por ignorá-lo, já que se estima [12] que mais de 70 porcento da população moçambicana, maioritariamente vivendo nas zonas rurais, não será abrangida pela Cesta Básica.

Foi também mencionado o recente aumento nos salários, que impedem muitos de recorrer à cesta. Num vídeo vox-pop, Alzira Esperança, trabalhadora numa empresa privada, diz que “a cesta é uma desculpa para acalmar o povo” [13] pois um aumento recente de 2.400 (dentro do critério da cesta) para 2.600 meticais faz com que muitos trabalhadores deixassem de ter acesso:

Os mesmos valores foram também questionados no vox-pop de Isilda, [14] convicta que a diferença entre quem ganha 2.500  e quem ganhe 2600 é pequena e as dificuldades parecidas.

O bloguista Jonathan McCharty resumiu [15] desta forma a verdade em torno da cesta:

Hoje podemos julgar, com certeza absoluta que, em toda a cronologia dos eventos, os anúncios feitos à volta da “Cesta Básica” tiveram sempre “a carroça à frente dos bois”!! Em nenhum momento houve um “critério de elegibilidade” definido!! Em nenhum momento houve um “plano de atribuição da cesta básica” traçado!! Em nenhum momento se sabia o que, de facto, se iria fazer!!

Crise de bens em contexto

Vendedores de pão no comboio de Nampula para Mutuáli, Moçambique, 2009. Foto de Rosino no Flickr (CC BY-SA 2.0) [16]

Vendedores de pão no comboio de Nampula para Mutuáli, Moçambique, 2009. Foto de Rosino no Flickr (CC BY-SA 2.0)

Em 2008, depois do aumento do custo do pão e dos combustíveis haverem originado tumultos, o Governo de Guebuza decidiu congelar o preço dos combustíveis e subsidiar o custo do trigo para que as gasolineiras refletissem o custo real para os moçambicanos e o preço do pão fosse mantido. Em Setembro de 2010, os tumultos agravaram-se pelos mesmos motivos, na que ficou conhecida como a “revolta do pão [17]“.

O que era claro para muito economistas foi admitido pelo Governo em Abril de 2011, na voz do Ministro da Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, que afirmou [18] “o Governo não tem capacidade para manter as medidas de longo prazo que vinha implementando desde 2008, para conter a alta do custo de vida, ditado pelas crises de alimentos e financeira mundial”. A medida proposta viria no seguimento da conclusão [19] a que o Governo chegou, considerando que é ineficaz aumentar os salários dos trabalhadores pois pode induzir o aumento dos preços e corroer o poder de compra.

Uma apreciação do Fundo Monetário Internacional [20], na voz do seu representante em Moçambique Victor Lledó, dizia que:

A cesta básica tenta atender a linha do sistema de protecção social básica, mas ao nosso ver e de vários parceiros ainda carece de refinamento e quiçá repensar a sua estrutura básica, dado alguns factores que podem comprometer a sua implementação e seus objectivos

O docente Manuel de Araújo, pouco crente em relação aos subsídios enquanto solução para aliviar a escalada no custo de vida, apela [21] à necessidade de uma reflexão profunda sobre o impacto da sua adopção:

Não quero aqui dizer que todo e qualquer subsidio e mau e que portanto não deve ser equacionado! Quero apenas chamar a atenção sobre as implicações e quiçá as distorções que os subsidios podem trazer a economia se não forem adequadamente equacionados!