África: O escândalo dos “bens mal-adquiridos”

Em 9 de novembro de 2010, o Supremo Tribunal francês revogou a decisão tomada há um ano pela Corte de Apelação de Paris de desconsiderar como admissível a denúncia feita pela seção francesa da ONG Transparência Internacional [fr] na questão dos chamados “bens mal-adquiridos” (bens adquiridos por dinheiro de corrupção) por chefes de estado do Congo-Brazzaville, do Gabão e da Guiné Equatorial e membros de suas equipes.

Tudo começou em março de 2007, quando o Comitê Católico contra a fome e pelo desenvolvimento (CCFD) – Terre Solidaire publicou um relatório sobre os desvios de recursos públicos por políticos do Sul [fr]. O título? «Bens mal-adquiridos… eles lucram bastante – A fortuna de ditadores e as complacências ocidentais».

A tratar dos bens no interior dos países vitimados por seus dirigentes, a apresentação do estudo da CCFD – Terre Solidaire [fr] revela abusos em nível nacional:

« Par exemple, Mobutu a transformé Gbadolite, son village natal au Zaïre, en un « Versailles de la jungle », avec une cinquantaine d’hôtels, un aéroport international qui pouvait accueillir le Concorde et plus de trois palais. Quant à Denis Sassou Nguesso, président en exercice au Congo Brazzaville, il détiendrait, avec sa famille, la moitié de l’économie du pays»

Por exemplo, Mobutu transformou Gbadolite, sua cidade natal no Zaire (atual República Democrática do Congo), numa “Versalhes da floresta”, com cinquenta hotéis, um aeroporto internacional que poderia acomodar um Concorde e mais de três palácios. Quanto a Denis Sassou Nguesso, presidente em exercício no Congo Brazzaville, ele detinha, com sua família, metade da economia do país.

Uma investigação policial confirma a maioria das alegações e revela a existência de muitos outros bens [fr], imóveis e móveis (automóveis, contas bancárias dos ditadores).

Hotel particular de Sassou Nguesso. Fonte: témoignages.re

Para os membros do clã do falecido Omar Bongo Odimba (OBO), do Gabão, os bens imóveis identificados e a eles atribuídos seriam de 39, dos quais 17 estão no nome do líder, a maioria localizada no 16º arrondissement de Paris; 70 contas bancárias das quais 11 no nome de OBO; a frota de carros compreende ao menos 9 veículos que somam estimados 1.493.443 euros.

Além desses bens mal-adquiridos de OBO na França, survie.org revela [fr] que:

« En 1999, le Sénat américain a publié un rapport d’enquête sur l’origine de la fortune du président (gabonais). Ce document établit qu’Omar Bongo est devenu client de la Citibank de New York en 1970 et qu’il a ouvert de multiples comptes auprès de ses différents bureaux, à Bahreïn, à Jersey, à Londres, au Luxembourg, à New York, à Paris et en Suisse. …. Au total, le montant des avoirs du chef d’Etat, qui ont été placés sur ses différents comptes bancaires à la Citibank, à New York, de 1985 à 1997, serait d’environ 130 millions de dollars. La City Bank aurait expliqué « que l’argent provenait d’une allocation budgétaire, 8,5 % du budget gabonais – soit 111 millions de dollars – étant chaque année réservés au président ».

Em 1999, o Senado americano publicou um relatório de investigação sobre a origem da fortuna do presidente (gabonense). Esse documento indicou que Omar Bongo havia se tornado cliente do Citibank de Nova York em 1970 e que abrira múltiplas contas em diferentes escritórios, em Bahrein, Jersey, Londres, Luxemburgo, Nova York, Paris e na Suíça. … Ao todo, o valor de ativos do chefe de Estado depositados em diferentes contas bancárias no Citibank de Nova York, de 1985 a 1997, estaria em torno de 130 milhões de dólares. O Citibank havia explicado “que a quantia era proveniente de uma transferência orçamentária, 8,5% do orçamento do Gabão – ou 111 milhões de dólares – que anualmente era reservado ao presidente.”

Mas isso não é tudo. Na verdade, o site survie.org acrescenta [fr] que:

« C’est dans son hôtel particulier qu’il a ainsi accueilli pendant la campagne présidentielle française les candidats Nicolas Sarkozy et François Bayrou ainsi que la moitié du gouvernement Fillon lors de sa première visite officielle sous la présidence de N. Sarkozy. »

Foi no seu hotel particular que ele hospedou, durante a campanha presidencial da França, os candidatos Nicolas Sarkozy e François Bayrou, assim como a metade da equipe do governo de Fillon, quando este fez visita oficial ao Gabão, sob a presidência de N. Sarkozy.

Outra prova dos abusos do clã OBO é revelada [fr] por asso-sherpa.org:

“Edith Bongo, alors épouse du Président gabonais, aurait ainsi fait l’acquisition d’une Daimler Chrysler au moyen d’un chèque tiré sur un compte ouvert auprès de la Banque de France par le Trésor Public Gabonais.»

Edith Bongo, a então esposa do Presidente gabonense, havia adquirido um Daimler Chrysler por meio de um cheque de uma conta aberta no Banque de France pelo Tesouro Nacional Gabonês.

Copie du cheque pour achat Chrysler. Source: Asso-sherpa.org

Serviços policiais puseram em evidência o papel exercido por diversos intermediários (banqueiros, advogados) na realização dessas diferentes operações.

Pelo relatório [fr] da CCFD – Terre solidaire, a fortuna do presidente do Congo Denis Sassou Nguesso e de seu círculo compreenderia 18 propriedades, 112 contas bancárias e uma frota que inclui ao menos um veículo no valor de 172.321 euros.

Ainda assim, a soma está longe da realidade. Na verdade, para o presidente congolês e seu círculo [fr], os desvios:

«  auraient commencé dès sa première période au pouvoir, de 1979 à 1992, en négociant la vente du pétrole en dessous du prix du marché en contrepartie de versements à son profit. A ce jour, la fortune de Denis Sassou Nguesso est estimée à plus d’un milliard de dollars. »

começaram logo no seu primeiro período no poder, de 1979 a 1992, a negociar a venda de petróleo abaixo do preço de mercado para, em contrapartida, ter pagamentos em benefício próprio. Atualmente, a fortuna de Denis Sassou Nguesso é estimada em mais de um bilhão de dólares.

Quanto ao presidente Teodoro Obiang, mais ligado aos Estados Unidos que à França, pode-se saber de suas práticas para enriquecimento ilegal no documento «Biens mal acquis à qui profite le crime?» (Bens mal-adquiridos: quem lucra com o crime?) de ccfd-terresolidaire.org, escrito por Antoine Dublin e Jean Merckaert:

«80% du revenu national serait monopolisé par l’oligarchie alors que 65% de la population vit toujours dans l’extrême pauvreté. ….. En 2003, ces comptes représentaient la relation la plus importante de la Rigg’s Bank, avec des versements totaux allant de 400 millions à 700 millions de dollars en une fois ! »

80% da renda nacional era monopolizada pela oligarquia, enquanto que 65% da população vive sempre em extrema pobreza. … Em 2003, essas contas representavam a relação mais importante do Banco Rigg’s, com transações que foram de 400 milhões a 700 milhões de dólares de uma só vez!

Ressaltemos que nas eleições de novembro de 2009 na Guiné Equatorial, o presidente Obiang formou um novo governo de 69 membros, reconduzindo ao poder a quase totalidade de ministros anteriores. O site Africatime.com revela [fr]:

« En effet, dans le Gouvernement, il y a trois fils du Général, un frère, trois neveux, deux beaux-frères et trois cousins. »

Na verdade, nesse Governo estão três filhos do General, um irmão, três sobrinhos, dois cunhados e três primos.

Nos Camarões, os realizadores da pesquisa da CCFD-Terre Solidaire escrevem que:

À peine devenu chef d’État (en novembre 1982), Paul Biya faisait parler de lui à propos de son patrimoine. Le 16 mars 1983, Le Canard enchaîné dévoilait deux acquisitions présidentielles en France : l’une avenue Foch à Paris, l’autre sur la Côte d’Azur, à Cagnes-sur-Mer. …. En mai 1997, L’Événement du jeudi estime que la fortune du président camerounais et de sa famille approche les 70 millions d’euros, dont des châteaux en France et en Allemagne, à Baden- Baden.

Tendo-se feito chefe de Estado por pouco (em novembro de 1982), Paul Biya despertou levantamentos sobre seu patrimônio. Em 16 de março de 1983, Le Canard Enchaîné revelou duas aquisições do presidente na França: uma na avenida Foch em Paris e outra na Côte d’Azur, em Cagnes-sur-Mer. … Em maio de 1997, a revista L’Événement du jeudi estimou que a fortuna do presidente camaronês e de sua família atingia a marca de 70 milhões de euros, com castelos na França e na Alemanha, na cidade de Baden-Baden.

Apesar de todas as provas reunidas pelas investigações, precisou-se chegar o último 9 de novembro para alcançar a decisão do Supremo Tribunal.

Nestes tempos de problemas com governança na África, a questão dos bens mal-adquiridos só reforça a percepção de que os dirigentes enriquecem enquanto a população vive na miséria.

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