Brasil: Presidente hoje, blogueiro amanhã

Em seus últimos dias no comando do país, o presidente Luis Inácio Lula da Silva concedeu, pela primeira vez, uma entrevista coletiva exclusiva a um grupo de blogueiros progressistas, em um evento visto por muitos como um grande passo na atual caminhada na direção de um sistema de comunicação mais democrático no país.

A sessão durou duas horas e também foi transmitida online, permitindo que outros blogueiros participassem através da webcam do Twitter. Foram abordados vários assuntos, dentre as quais reforma política, aborto, educação, corrupção, e política internacional. A reforma da imprensa foi ponto especial na pauta, com Lula afirmando:

Eu sou o resultado da liberdade de imprensa neste país. A maior censura que existe é acreditar que a mídia não pode ser criticada.

Ele reagiu contra a propagação da desinformação e apelou para uma maior regulamentação da imprensa no Brasil. Lula criticou a imprensa brasileira por induzir a população ao medo, citando como exemplos o exagero na análise do quanto o país seria afetado pela crise financeira global, e por noticiar informações falsas em relação ao acidente do Voo TAM 3054 em 2007.

No Brasil, os veículos que formam a grande imprensa concentram-se nas mãos de poucas famílias dominantes, sendo a principal delas a família Marinho, dona da Rede Globo, a maior cadeia de radiodifusão do país. Historicamente operando em estreita associação com a ditadura militar (1964-84), a Globo tem sempre esteve bem posicionada para consolidar e exercer amplo controle na televisão, cinema, rádio e imprensa escrita.

Os jornais têm sido frequentemente criticados por servir a determinados interesses políticos. Mais recentemente, durante as eleições presidenciais, a presidente eleita Dilma Rousseff foi vista como tendo sido alvo de um massacre articulado pela grande imprensa. Os principais jornais e revistas entraram na briga durante o segundo turno, tirando proveito de questões polêmicas, tais como religião e aborto, que deixam o Brasil amplamente dividido.

O atual presidente foi sabatinado quanto às propostas feitas no ano passado durante a primeiro Conferência Nacional de Comunicação. Lula assegurou aos blogueiros que as propostas delineadas durante a conferência – como a necessidade de uma regulamentação mais ampla, de participação cidadã e de controle social na imprensa – serão submetidas ao Congresso Nacional. Ele acrescentou que o debate está agora nas mãos de Dilma, que por sua vez já prometeu maior liberdade de imprensa em seu primeiro discurso como presidente eleita, no dia 31 de outubro.

O presidente Lula bate papo com a blogueira Conceição Oliveira, via Twitcam, durante a primeira entrevista exclusiva com blogueiros. Foto de Ricardo Stuckert/PR, do Flickr do Blog do Planalto. Reproduzida sob licença do Creative Commons.

Para os que assistiram, a sessão sinalizou a abertura de um novo canal de comunicação – mais progressista – entre governantes e setores de mídia não tradicionais. Um internauta, participando via Twitcam, chamou a sessão de “emocionante”. O respeitável blogueiro político Rodrigo Vianna, lembrando aos leitores que a “velha” mídia que ainda existe, disse:

Não sei se os leitores têm dimensão do que isso significa: quebrou-se o monopólio. O mundo da comunicação se moveu. Foi simbólico o que vimos hoje.

Renato Rovai, editor da Revista Fórum, foi igualmente positivo:

Ela entra para a história da cobertura política brasileira.

Também foi bastante significativa a escolha do grupo de blogueiros convidados a participar desta entrevista inédita, explica o participante Leandro Fortes:

Esse mesmo grupo foi chamado por Serra, no auge da baixaria da campanha eleitoral, de representantes de “blogs sujos”, uma referência nervosa a um tipo de mídia que pegou o tucano, uma criatura artificialmente sustentada pela velha mídia corporativa, no contrapé. Nem Serra, nem ninguém na velha direita brasileira estavam preparados para o poder de reação, análise e crítica da blogosfera e das redes sociais. Matérias falsas, reportagens falaciosas, discursos hipócritas, obscurantismo religioso e a farsa da bolinha de papel, tudo, tudo foi desmontado em poucas horas dentro da internet. Chamar-nos de “sujos” nem de longe nos alcançou como ofensa, pelo contrário. Nós, os “sujos” fizemos a história dessa eleição. Serra e seus brucutus terceirizados sumiram no ralo virtual.

Os participantes foram, no entanto, rápidos também em apontar as falhas da sessão. Vianna observou que importantes questões como direitos humanos, reforma agrária, justiça e saúde pública não foram contempladas de maneira satisfatória, sendo ofuscadas pela discussão sobre comunicações. Também foi lamentada a ausência de blogueiras, embora Conceição Oliveira, dos blogs Maria Fro e Vi o Mundo, tenha participado via Twitcam.

Lula parece ter saído convencido do poder de engajar-se com os cidadãos através de redes sociais, e prometeu que vai tuitar e blogar no futuro. O Brasil tem o segundo maior número de usuários do Twitter no mundo [en], perdendo apenas para os Estados Unidos, com uma quantidade de internautas que fica entre 67 a 73 milhões [en]. Sites de redes sociais como o Orkut e, em menor escala, o Facebook, também continuam em alta no país.

Thiana Biondo colaborou neste post.

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