Blogueiros: Caribé, um idealista incurável e ciberativista no Brasil

O Global Voices Online é bastante ativo quando se trata da cobertura das ameaças à liberdade de expressão no Brasil. Dentre tais ameaças, o Projeto de Lei de Crimes Digitais [en], conhecido como Lei Azeredo e as discussões sobre a Reforma da Lei Eleitoral são considerados pela blogosfera como modos de se restringir os direitos dos cidadãos comuns na web. Neste post, encontraremos-nos com um dos blogueiros ciberativistas mais influentes do Brasil e responsável pela mais bem-sucedida campanha na Internet no que tange a luta contra a censura na Internet brasileira: o movimento Mega Não.

João Carlos Caribé, conhecido popularmente por Caribé apenas, é um ativista nato. Em suas próprias palavras, ele diz: “O ativismo é algo que está no meu DNA, sou um idealista incurável, quanto mais a gente pesquisa, mais aprende e mais  fica  inconformado; muitas vezes a ignorância é uma dádiva”.

Caribe and the national flag colors in the background. Logo stands for the #meganao movement and is accredited to @marioamaya.

Caribé e as cores da bandeira nacional. O logo representa o movimento Mega Não e foi criado por Mario Amaya.

Desde pequeno sonhava em ser um super heroi e proteger os fracos e oprimidos, este ideal infantil cresceu e amadureceu. Hoje ele vem se manifestando de diversas formas, seja pela luta para liberdade na internet, seja pelo voluntariado educacional, ou pela crítica implacável [nas mídias sociais]; e completa ser impossível ficar parado frente a tanta coisa. Irreverente, no seu perfil do Twitter nos deparamos com a seguinte mensagem:

Bio Procura no Google! Eu falo palavrão, sacanagem e xingo politicos, siga por conta e risco.

Quem é o @caribe?

O cientista que habita em mim, leva-me a desconstruir mentalmente sólidas estruturas sociais, econômicas e culturais para simular sua obsolescência em busca de uma resposta: O que vem depois? Hoje sou Publicitário, já fui DJ, trabalhei em Engenharia, Análise de Sistemas, e O&M; sempre gostei de um desafio novo. Sou um idealista incurável!

Há quanto tempo utiliza blogs e de quantos participa?

Apesar de atuar na Internet desde 1996, só vim a criar um blog no final de 2002, chamava-se Ex-Gordo, em 2005 criei o meu blog pessoal, o Entropia!. No início de  2006 criei o blog coletivo Propaganda & Marketing e somente no final de 2006 criei outro blog coletivo, o Xô Censura quanto tomei conhecimento do AI5digital, o projeto do Azeredo; podemos dizer que aí dei inicio a minha participação no Ciberativismo Brasileiro. Em 2007, eu criei o coletivo Perspectiva que é o networking do bem, e mais adiante um blog coletivo, o Blog Cidadão. Em agosto de 2008 criei o coletivo Ciberativismo na rede Ning. No início deste ano fui convidado pelo Sérgio Amadeu (que também assina o movimento Mega Não) a participar do Trezentos e por fim, e por enquanto, criei o blog Mega Não, que tem o objetivo de ser um meta-manifesto que tem superado as minhas expectativas.

Entre 1996 e 2002 eu estava envolvido com outros projetos também na web.  Em 1996 eu criei um site pessoal, em que publicava variedades sobre gerenciamento  e tecnologia, no ano seguinte criei o Flash Brasil, uma comunidade que girava em torno do Flash da Macromedia. Estava criando sem querer um modelo de negócios que nos levou a ficar entre os Top 5  revendedores  que chamou a atenção da Vice Presidência de Marketing da Macromedia que passou a citar o Flash Brasil como case de sucesso e culminou com um convite para dar uma palestra em 2001 em Nova Iorque para mais de cem líderes de comunidades do mundo inteiro. Aliás, 2001 foi um ano do tipo “céu e inferno” pois no final do ano o processo de estouro da bolha da Internet estava bem avançado e já havia afetado seriamente meu negócio. Contudo, o Flash Brasil ainda tem um número de acessos bastante significativo, com mais de 500 mil visitas por mês.

Como você se transformou em um ciberativista? E quais os ativismos fora da rede? (pergunta de Conceição Oliveira via Twitter)

Eu acho que não foi uma transformação, foi uma evolução natural, o ativismo é algo que está no meu DNA, sou um idealista incurável, quanto mais a gente pesquisa, mais aprende e mais  fica  inconformado; muitas vezes a ignorância é uma dádiva. Comecei a fazer algo de concreto quando me dediquei ao voluntariado. Atualmente estou sem tempo para continuar praticando o voluntariado, mas sinto falta, pois é gratificante demais; é uma terapia e um tremendo remédio para depressão.

Em 2006, tomei conhecimento do AI5Digital pelo Omar Kaminski – advogado conceituado no Brasil no que se refere o Direito e as Novas Tecnologias – na Comunidade Cibercultura no Orkut, o projeto tramitava no Senado e iria ser votado no dia oito de novembro de 2006. Entrei de cabeça. Fiz o que chamamos de protest-o-matic, que era um formulário que qualquer um poderia preencher e enviar uma mensagem a todos os Senadores. Mais de 3000 emails foram enviados em menos de 24 horas, e o projeto não foi votado, os Senadores decidiram tramitá-lo por outras comissões.

Daí para frente fui literalmente me educando politicamente, estudando, aprendendo, e comecei a perceber claramente as estratégias políticas; passei a enxergar um mundo que antes não conhecia, aliás um mundo que antes eu não concebia. Neste meio tempo fui conhecendo outros ciberativistas, pude constatar que a Internet é mesmo um mundo de pontas, fui vivenciando todas aquelas teorias fantásticas como a Inteligência Coletiva, o Crowdsourcing, Manifesto Cluetrain, dentre outras.

Praticamente não tenho feito ativismos fora da rede, eu entendo que o ciberativismo, que os críticos chamam de ativismo de sofá, é muito mais poderoso, rápido e eficiente, ele só precisa se completar nas pontas em ativismo presencial para que os ‘analógicos’ possam entendê-los. Fora os ativismos anarquistas dos tempos de faculdade, os únicos atos públicos que participei foram o do Rio de Janeiro e via Skype no do Rio Grande do Sul.

Caribé discursa sobre o Movimento Mega Não e a censura na Internet durante um Ato Público no Rio de Janeiro. Omar Kaminski pode ser visto à sua esquerda. À sua direita o Deputado Federal Jorge Bittar e o Deputado Estadual Alessandro Molon.

Caribé discursa sobre o Movimento Mega Não e a censura na Internet durante um Ato Público no Rio de Janeiro. Henrique Antoun pode ser visto à sua esquerda. À sua direita o Deputado Federal Jorge Bittar e o Deputado Estadual Alessandro Molon.

Fale-me sobre o Mega Não por favor. Como surgiu a ideia por trás do movimento?

Símbolo do MegaNão, por Mario Amaya.

Símbolo do Mega Não, por Mario Amaya.

O Mega Não é o típico caso onde mirei no coelho e acertei no elefante. A tramitação do AI5 digital estava ganhando força na câmara dos deputados, e sentimos a necessidade urgente de fazer algo mais abrangente, mais mega, daí tive a ideia de criar o Mega Não. A proposta inicial era uma sequência de eventos isolados online e offline que direcionariam pessoas e espectadores para o Mega Não. Compartilhei o projeto com o Daniel Pádua que deu diversas idéias interessantes, e o projeto ficou espetacular. No entanto, sua execução exigia dedicação. Em seguida surgiu a ideia do ato público em São Paulo, e decidimos que este seria o grand finale. O tempo agora era nosso inimigo, com a pressa criei o blog, que não tem nada haver com o que imaginamos, a não ser o nome. Neste processo tivemos uma grande colaboração do Antonio Arles e da Myris Silva.

“Mega Não” foi um nome perfeito, e rapidamente se tornou sinônimo do ciberativismo contra o AI5 Digital. A ideia de transformá-lo em um meta-manifesto foi o ponto crucial para também torná-lo uma fonte de informações sobre o ativismo. O movimento foi construído às pressas por todos os colaboradores e acabou ficando muito bom. Ele foi rapidamente disseminado nas mídias sociais e hoje é um blog razoavelmente visitado e fartamente citado e linkado em outros blogs.

Desenvolvido por vários ativistas brasileiros juntamente com João Carlos Caribé, o movimento já alcançou até mesmo a EFF – Electronic Frontier Foundation [en], organização que luta pelos direitos dos usuários na Internet, com um post [en] sobre a declaração do presidente Luís Inácio Lula da Silva durante o 10° FISL em Porto Alegre sobre o projeto de lei Azeredo e sua repercussão na política brasileira.

Visto que você é bastante participativo no ciberativismo brasileiro, de onde você tira tanta disposição para lutar pela liberdade da rede? (pergunta de Antônio Arles via Twitter)

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"Pirata Caribenho". Foto por @_thebest_

O meu idealismo incurável é uma das razões, a outra posso dizer que é a paixão pela causa, nasci e cresci sob a égide da censura e hoje temos um pouco mais de liberdade. A Internet hoje deu voz ao cidadão comum. Qualquer um pode produzir qualquer coisa na Internet, pois ela acabou com a economia da escassês, democratizou o conhecimento, permite que as pessoas se relacionem por afinidade, por ideologia, e também está eliminando os atravessadores.

Como diz no Manifesto da Cultura Livre, a Internet é uma janela de oportunidade para que a sociedade promova uma grande e bela revolução sob todos os aspectos, caminhamos para um socio-capitalismo, um sistema baseado na fartura e no compartilhamento, e isto assusta o establishment.

Existe uma guerra velada contra este bem social, uma guerra dos grandes oligopólios, dos governos corruptos e repressores, dos bancos, da indústria de intermediação cultural, da mídia tradicional e manipuladora, e de outros interessados em manter tudo como está. A minha luta, minha motivação apaixonada é por manter todos os benefícios que a Internet proporcionou à sociedade e ampliá-los.

Como você avalia a blogosfera brasileira?

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A bio do Caribé no Twitter diz: "Procura no Google! Eu falo palavrão, sacanagem e xingo politicos, siga por conta e risco."

Blogosfera brasileira é uma definição complexa. Para a maioria dos veículos de comunicação e agências de publicidade, a blogosfera nacional se resume à uma duzia de blogs com grande volume de acesso. Para mim é um emaranhado de produção intelectual dos prosumers, e como não poderia deixar de ser, um emaranhado heterogêneo.

No nosso ciberativismo contra o AI5 Digital tivemos uma árdua tarefa em descobrir as motivações dos blogs para engajarem na causa. Acreditava que poucos iriam aderir, uma destas ideias foi a blogagem coletiva, e me surpreendi com mais de 180 posts em blogs totalmente diferentes. Até mesmo blog “mimimi” engajou, o que me fez mudar meu ponto de vista, passei a respeitar e procurar entender qualquer manifestação e motivação dos blogueiros, até mesmo os “mimimis”

Quais as mudanças reais que podem se consolidar através do ciberativismo?

Muitas ja estão consolidando, muitas evidentes e claras e outras mais sutis. Por exemplo podemos começar com a crescente politização da sociedade conectada, como eu falei em um post no Trezentos:

[..] Estamos pensando e agindo coletivamente, estamos nos “alfabetizando politicamente”, estamos reconhecendo nossos direitos, aprendendo a valorizar o próximo e, estamos aprendendo, como diz Dalai Lama que: uma enorme jornada começa com um pequeno passo. Podemos não perceber isto agora, mas nunca mais seremos os mesmos, estamos reconstruindo a história da democracia no Brasil, somos os agentes de mudança, dificilmente seremos enganados novamente, somos os revolucionários digitais, estamos fazendo a revolução mediada por computador, a revolução da era da participação […]

Além desta ampla “alfabetização política”, as mudanças reais estão acontecendo, em nosso ciberativismo contra o AI5 Digital, conseguimos convencer milhares de céticos de que o projeto de lei era lobo em pele de cordeiro, que não iria resolver o problema dos cibercrimes e que tornaria a Internet um ambiente inóspito. Praticamente nenhum veículo da mídia brasileira publicou uma matéria consistente sobre o ativismo contra o AI5 digital, ato que em si já demonstra uma clara manipulação, já que publica matérias sobre cibercrimes quase que diariamente, além das vezes em que faz merchandising a favor do AI5 digital em suas novelas.

Mesmo sem esta cobertura da imprensa tradicional, atingimos em torno de 15 milhões de brasileiros e centenas de milhares de estrangeiros. Com nosso ciberativismo pavimentamos uma plataforma para que os parlamentares simpáticos a causa tivessem como defender nossos interesses no parlamento. Nossa petição online com mais de 150 mil assinaturas se transformou no ícone do ciberativismo contra o AI5 digital. Acredito que nosso movimento acelerou o processo de adoção de mídias sociais pelos parlamentares, e agora estamos assistindo ao remix da “Roupa nova do Rei” no Senado, onde a total ignorância dos parlamentares em termos de Internet os coloca numa exposição ridícula, deixando-os totalmente nus perante a sociedade conectada.

Arrisco dizer que fizemos muito mais do que alterar a tramitação e conteúdo de um projeto de lei que afeta a Internet. Colaboramos para este espetáculo de “nudismo” do parlamento que vai encaminhar para o “expurgo” dos dinossauros políticos, que serão substituídos por políticos muito mais arrojados e realmente comprometidos com a sociedade e com o melhor futuro para a nossa nação. Os dinossauros políticos perceberam isto, por esta razão tentam medidas inócuas de censura a Internet nas próximas eleições. Mas não adianta mais, a janela da oportunidade já foi aberta, e agora não há mais como fechá-la.

Como você imagina a Internet brasileira daqui a 10 anos?

João Carlos Caribé no Campus Party 2008. Foto por Alexandre Fugita.

João Carlos Caribé no Campus Party 2008. Foto por Alexandre Fugita.

É um belo exercício de imaginação. Não dá para fazer uma projeção só, temos de estabelecer cenários, vou criar dois: Um se a liberdade na web prevalecer e outro se o vigilantismo se estabelecer.

Em termos gerais, acredito que em 10 anos não teremos mais a Internet que conhecemos, o acesso será gratuito e de qualquer dispositivo, redes interconectadas aumentarão a densidade e capilaridade da Internet. Viveremos dentro dela, nosso carro, nossa geladeira, fogões, sapatos, privadas, luminárias, eletrodomésticos, tudo estará conectado. Carregaremos dados em nosso corpo que poderão ser acessados através de qualquer superfície provida de uma interface de virtualização, assim por exemplo uma tábua de carne poderá servir como computador, ou o parabrisa do seu carro.

Com tudo integrado assim saberemos que tipo de manutenção nosso carro necessita, antes mesmo que o problema ocorra, assim como poderemos consultar a geladeira de qualquer lugar para saber se tem queijos e vinhos em quantidade suficiente para receber os amigos que vão chegar para o jantar. Se não tiver, sem problemas a geladeira manda a lista para o supermercado mais barato e você só precisará autorizar a compra.

Mecanismos open source de segurança garantirão que esta transação entre os dispositivos e você sejam seguras e invioláveis. Quem apostou na web semântica, a “singularidade”  da Internet terá perdido a aposta. A web semântica, onde scripts iriam conectar e até produzir conteúdo a partir de conteúdos existentes se mostrou mecanizada demais, existirá mas não será excludente. O processo criativo e o tom humano da Internet continuará pleno, pessoas querem falar com pessoas, lembra o antigo Manifesto Cluetrain [en].

No entanto, se o vigilantismo se estabelecer, será nas pontas da web; E como a Internet é um mundo de pontas, vai entender este controle como um defeito e irá roteá-lo, auxiliado por pessoas que criarão a reação. Assim uma luta inócua do vigilantismo contra a sociedade conectada se dará sempre com um vencendor anunciado: a sociedade conectada. Acho pouco provável que o vigilantismo se estabeleça, países que estão reagindo com pouca intensidade à tentativa de controle da Internet irão perceber que “dormiram no ponto” e reagirão com mais intensidade. Assim como na China o controle é impossível, no resto do mundo também será.

Desta forma a sociedade conectada elegerá seus representantes com mais critério, desmontará estruturas que se beneficiam do controle, e teremos passado por um pesadelo da história. Um pesadelo onde as corporações, a mídia golpista e políticos corruptos e/ou comprometidos com este poder tentavam manter a sociedade alienada e sob controle. Aos poucos o establishment se tornará uma utopia e teremos conseguido um mundo melhor.

O que você diria para convencer uma pessoa que não acredita no “poder” dos blogs?

Acho mais adequado falar do poder da sociedade conectada. Tem gente que ainda acredita que o computador é uma máquina alienante, que afeta os relacionamentos sociais e que “viola criancinhas”. As pessoas podem ser livres para acreditar no que elas quiserem, tem muita gente que acredita nas “boas intenções” do AI5 digital, em Papai Noel, Coelho da Pascoa e até mesmo no Neo-liberalismo. Lidar com estes sistemas de crenças envolve não só em mostrar uma outra opção como também desmontar as crenças e valores de quem se deseja convencer. Quanto mais conservador for este interlocutor, mais dificil será esta tarefa.

Veja que até hoje o Senador Eduardo Azeredo fala que as críticas ao AI5 digital são bobagem, que é fruto de uma interpretação equivocada. Ele parece acreditar ainda em um sistema intelectual vertical, e parece não fazer a menor ideia do que seja a Inteligência Coletiva, ou sistema intelectual horizontal e distribuído. Como poderei convencer uma pessoa assim do poder da sociedade conectada? Acho que já convencemos, ele é que ainda não se deu conta, e nem vai perceber, ou será que irá perceber isto nas próximas eleições?

Sendo uma influente figura no ciberativismo brasileiro, Caribé inspira muitos blogueiros novatos no Brasil. Na medida em que vários projetos de leis, decisões judiciais e leis que tentam censurar a Internet se tornam cada vez mais frequentes na nação, pessoas como ele são mais que bem-vindas. Estas pessoas são necessárias para manter o espírito da democracia na Internet como um direito humano, não apenas uma falácia financiada por políticos controversos e meios de comunicação enganadores.

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