Caribe: Começa a 5ª Cúpula

Enquanto os líderes dos estados membros da 5 Cúpula das Américas se reúnem hoje (sexta-feira, 17 de Abril) em Trinidade e Tobago, bloggers de toda a área do Caribe estão ansiosos para discutir os prós e contras do evento.

Blah Bloh Blog de Granada fala:

Apesar de eu estar à boas 150 milhas distante, eu tenho que admitir meu excitamento pessoal com a chegada iminente do Presidente Obama em Trinidade; talvez possamos esperar que ele deva, em um momento de impulso, decidir fazer uma parada de descanso em Greenz (cidade de Grenville-Grenada)?
Desde a última semana ou antes, como as medidas de seguranças avançadas já começaram, o Aeroporto Internacional de Ponto de Salines, em Grenada, virou o ponto-central para a Aeronáutica dos Estados Unidos. Jatos F15 e aviões cargueiros C5 ocupam uma seção da pista, com os F15 mantendo uma rotação constante entre vôos de reconhecimento e vigilância.
Aqui estão esperanças em ouvir boas notícias da Cúpula.

Boas notícias talvez tenham que esperar, mas Blah Bloh Blog com certeza espalhou notícias confusas em formato de fotos –alegadas serem sobre chegada da “Fera” (como a nova limousine do Presidente americano, fortemente preparada por questões de segurança, foi batizada) – no Aeroporto Internacional de Piarco. No entanto, não há nenhuma confirmação se realmente o veículo em questão é a limousine do Presidente Americano –mas isto não a impediu de comentar:

Uau, eu tenho que adorar meus irmãos trinitinos e cara, você vai vê eles posando com o veículo do cara!! (Para o que isto vale a pena, eu entendo que estas fotos tiradas por oficiais da polícia de T&T(Trinidade e Tobago), não por civis. Eu sei que nós caribenhos somos bons, mas fomos bons demais que o Serviço Secreto deixou a gente circular pelo carro mais seguro do mundo.

Outros bloggers, no entanto, estão focados em assuntos mais polêmicos. De Trinidade e Tobago, Undisputed Truth tem o impacto financeiro em receber a Cúpula como principal questão:

O Governo de Trinidade e Tobago está gastando entre $1 bilhão e $ 2 bilhões de dólares TT (US$ 161 milhões -323 milhões) do dinheiro dos contribuentes na Cúpula; até agora eles estão ainda para publicar o valor exato.
O Produto Interno Bruto (PIB) é apenas US$15 bilhões. Trinidade está portanto gastando 13% do seu PIB apenas recebendo a Cúpula. O Primeiro-Ministro de Trinidade e Tobago, Patrick Manning, esteve mencionado as intenções em receber a Cúpula, por anos. Ele traduziu isso, criando agências governanmentais para rapidamente renovar e construir altos prédios em Porto-de-Espanha e arredores, o que tem custado centenas de milhões de dólares. Então, o custo real da Cúpula deve ser ainda mais assustador.
Para colocar isso em perspectiva, a Cúpula do G-20, sediado em Londres, custou £ 20 milhões de libras ou TT$180 millhões de dólares trinitinos ou US$29 milhões de dólares americanos. Portanto, Trinidade e Tobago esta gastando o mesmo que 10 vezes mais o que custou a Cúpula do G-20 na Cúpula das Américas.
Isso é um escândalo absoluto e um desperdício de dinheiro…

O blogger barbadiano Cheese-on-bread! acrescenta:

Todos os olhos estarão focados sobre os próximos dias em Trinidade, onde o Presidente Barack Obama irá comparecer à 5 Cúpula das Américas. Eu tenho que admitir agora que eu até estaria maravilhado em dá uma olhada no Senhor Presidente Obama, no entanto, eu não acho que poderíamos arcar com as despesas que envolvem em recebê-lo. Relatórios sugerem que T&T está gastando TT$1.2 bilhões de dólares trinitinos na Cúpula…obrigado Deus que eles têm esse petrodólares. Mas, não chefe, não fez sentido nos colocar na casa pobre para poder dá um belo show para os americanos.
Parte da segurança do Presidente já se instalou aqui no Aeroporto Internacional de Grantley Adams, e eu imagino que todos os satéites deles já estão preparados em Trinidade,nesse momento. Todos os criminosos provavelmente estarão na maciota essa semana…

 

Ao longo do Caribe francês, Carib Creole One [Fr] está atenciosamente seguindo o desenrolar da Cúpula e pondera sobre quetões de auto-governo e relacões entre países caribenhos. Ele também dá uma olhada na complexa relação entre Estados Unidos e Cuba.

Live in Guyana fala sobre o “Grande Muro”:

Os moradores de Beetham Gardens, uma área barra pesada de um degradado conjunto habitacional do governo que também é uma zona de guerra entre gangues, tem sido cortada do resto dessa expansão dezorganizada da capital de Trinidade.
O Governo levantou um muro ao longo dos limites da vizinhanças, bloqueando a visão que dava para uma longa e complicada comunidade que divide espaço com as águas sujas de restos industriais, repleto de ervas daninhas e constante mal cheiro de um aterro que também fica ali por perto.
O muro com 5 pés de altura é simplesmente um toque de embelezamento, dizem oficiais do governo, que dispendeu meses para organizar os preparativos para a chegada de 33 líderes, incluindo o Presidente Barack Obama, no maior e mais importante encontro de líderes do Hemisfério.

 

E parece que Guaiana tem suas próprias controvérsias na Cúpula. Caribbean American Forum percebe que:

O Instituto Caribenho de Guiana de Nova Iorque para a Democracia (CGID, em inglês)… publicou uma página completa de propaganda, dizendo aos participantes da Cúpula: ‘Existe uma crise de governança em Guyana, a qual tem crescido devido a uma corrupção sem paralelos, a um péssimo governo despótico e a revogação do Estado de Direito. A democracia de Guaiana é a mais fraca e a nação fica no limiar de um Estado falho.’

O blog de Trinidade e Tobago (T&T) Now is Wow Too acha que o tema da Cúpula (Assegurando o futuro de nossos cidadãos através da promoção da prosperidade humana, segurança energética e sustentabilidade do meio ambiente), invcrevelmente irônico:

Governo de Trinidade e Tobago: Cidadãos? Quais cidadãos? Tudo o que nós nos preocupamos é como rapidamente gastar pelo menos $500 milhões de doláres para concertar o país, sendo assim ela ficará ótima para Obama…e para o resto do mundo.
Rápido. Ele está chegando hoje. Esqueça sobre a crise financeira global. Vamos esbanjar $1 milhão de dólares americanos para reabilitar o aeroporto, pois assim podemos alocar os aviões do Presidente dos Estados Unidos e outros jatos ques estão trazendo outros convidados importantes!
Pinte todas as faixas, sinais de rodovias, postes, galhos de árvores…na verdade, pinte tudo e qualquer coisa na estrada que estiver na via entre o aeroporto e Porto-de-Espanha! Nós não podemos permitir que Obama veja nenhuma das nossas infra-estruturas parecendo velha e acabada! E não importa se os cidadãos estão presos horas no tráfego enquanto nós melhoramos a cidade. Eles estão acostumados a isso.
(…diga-se ao tráfego, e não as melhorias)
Pavimente as ruas e tape todos os buracos nas áreas em que Obama e outros Chefes de Estados estrangeiros irão passar! Construa um muro (…e chame isto de para-peito) para esconder as ‘favelas’ em Beetham, assim nossos importantes convidados não irão ver a pobreza!
E neste ritmo, dirija ao redor e recolha todos os andarilhos, pois assim irá parecer que nós não temos problemas com os sem-casa e os malucos. Alguns destes marginais estão fugindo, mas esperemos que não em direção ao centro da Cúpula!

E como para transmitir as suas preocupações, o blog de relações públicas 5 am at Mango Media Caribbean entrevista um Secretário porta-voz da Cúpula que afirma que “nós estamos completamente prontos [para a Cúpula]; nós já estamos prontos faz um bom tempo” – isto apesar de inúmeras matérias grande mídia local sobre a falta de preparo.

De fato, o blogger trinitino B.C.Pires, que vive em Barbados, está convencido de que o melhor lugar é em qualquer lugar for a de Porto-de-Espanha:

 

A Cúpula das Américas começa amanhã e grandes nomes começam a chegar hoje, com Barack Obama sendo a figura mais importante entre eles, sem dúvida. E você não conseguirá mover um músculo na cidade até Barack e a Fera irem embora.



Ele não está muito longe do– Caribbean Beat Blog, por exemplo, que relata que:

Caribbean Airlines(CAL) tem sido informada pelas autoridades competentes de que haverá poucos incovenientes durante as operações agendadas durante a 5 Cúpula das Américas…CAL está recomendando que os passageiros embarquem do aeroporto muito mais cedo do que o comum, em caso de nenhum choque acontecer, com o intuito de chegar no aeroporto três horas mais cedo da hora marcada do vôo.

Mas há também um lado mais leve sobre a Cúpula – pelo menos sob os olhos dos bloggers. Como sempre, o trinitino This Beach Called Life usa o humor para enfatizar em assuntos principais, postando uma nota diária e fictícia como se fosse o Presidente Obama:

A viagem para o México foi cheia de acontecimentos. Nós prometemos usar menos drogas ilícitas e México prometeu exportar menos jardineiros. Eu estou agora a caminho do ensolarado Trinidade e Tobago e não posso esperar par aver Hyatt.
Eu posso ver alguns poucos prédios altos, o Maravilhoso Muro de Beetham e Hugo agitando uma bandeira vermelha. Porto-de-Espanha parece bom desse ângulo, mas tem fios pendurados por todos os lados. Eu fico pensando se eles conseguiram recolher os sem-casa e escondê-los da imprensa internacional. Isso seria tão Terceiro Mundo, fazer uma limpeza para a Cúpula, negando assim que isso exista. Apenas a República das Bananas poderia agir assim tão estupidamente. Eu fico pensando se irá haver algum protesto, mas eu não acho que um líder semi-ditatorial iria permitir algo tão democrático como protestos acontecendo durante um evento internacional. Isso iria fazê-los parecer ainda pior.

Cultura também está desempenhando um papel – ambos official e não-oficial. O flickr photostream Rádio Livre do Caribe mostra uma sessão de fotos intitulada “O Povo precisa ser ouvido”, junto com a seguinte explicacão…

Como preparativos finais estão sendo feitos para o espetáculo da 5 Cúpula das Américas em Trinidade, um grupo de artistas irá fazer uma peformance com instalações nas ruas da capital de Trinidade e Tobago, Porto-de-Espanha.
O processo do silêncio é parte do video-instalacão que está sendo criado pelos grupos dos designers Ashraph Ramsaran and Shalini Seereeram.
T’in Cow Fat Cow fez sua estréia como banda independente em 2009, inspirada pela música T’in Cow feita por 3 Canal.

…enquanto o blog Repeating Islands tem o foco sobre a apresentação cultural para a abertura oficial da Cúpula hoje mais tarde:

Para a cerimômia de abertua, [designer de carnaval] MacFarlane colocou 45 minutos de apresentação cultural que traça o desenvolvimento das pessoas do Caribe como habitantes indígenas para uma multi-étnica cidadadia da região nos dias de hoje.

O que a 5 Cúpula das Américas irá possivelmente atingir ainda está aberto para debates, mas uma coisa é certa: os cidadãos da blogoesfera irá monitorar o progresso do evento passo-a-passo até o fim

27 comentários

  • Lobo Jr.

    Mundos diferentes!

    A derrota dos astecas para os espanhóis não pode ser explicada por um único fator apenas. Na verdade, ela é o resultado da combinação de uma série de fatores. Os dois mais importantes foram o fato de Cortéz ter conseguido aliados entre as populações indígenas e o fato de que ele estava bem informado a respeito do seu inimigo.

    Curiosamente, enquanto Cortéz sabia muito a respeito dos astecas, Montezuma 2º pouco sabia a respeito dos espanhóis. Isso se devia ao fato de que astecas e espanhóis viviam em “mundos mentais” diferentes, tinham concepções de mundo diferentes. Enquanto, Cortéz valorizava a informação a respeito dos inimigos, recompensando seus informantes, o imperador asteca punia aqueles que lhe traziam notícias desfavoráveis.

    Para o imperador asteca, os espanhóis eram imprevisíveis, pois não se encaixavam em nenhum dos modelos que conhecia: os astecas guerreavam seguindo regras de combate pré-estabelecidas, como em um torneio, enquanto os espanhóis usavam de todos os meios para surpreender o inimigo. Além disso, os astecas tinham uma visão cíclica da história, acreditavam que tudo ocorre em ciclos, que se repetem regularmente.

    Os astecas acreditavam que antes de este mundo ser criado, outros mundos existiram, tendo sido criados e destruídos. Quando algo novo ocorria, os astecas procuravam de algum modo encaixar isso em profecias. Por isso, ao que tudo indica várias das profecias feitas a respeito da volta de Quetzacoatl foram feitas após a chegada dos espanhóis e não antes.

    Criar profecias a respeito daquilo que já aconteceu seria uma maneira de aceitar e superar psicologicamente o passado. Como se vê, os astecas concebiam a realidade como algo rígido e imutável, enquanto os espanhóis tinham mais facilidade de improvisação e de se adaptarem a novas circunstâncias.

    Fim do Império Asteca

    Os espanhóis permaneceram durante muitos meses em Tenochtitlán. Quando Cortéz precisou se ausentar da cidade, Pedro de Alvarado, seu substituto no comando das tropas, aproveitou-se da ausência do líder e ordenou o massacre de milhares de astecas que estavam reunidos no interior do Templo Maior, durante a festa de Tóxcatl.

    Esse episódio ficou conhecido como “Noite Triste” e marcou o início da guerra entre astecas e espanhóis. Quando retornou, Cortéz não conseguiu conter os ânimos dos astecas. Os espanhóis e seus aliados indígenas se viram obrigados a fugir e buscaram refúgio em Tlaxcala, cidade onde viviam os principais inimigos dos astecas.

    Diferentemente de outras cidades da região, Tlaxcala jamais se submeteu ao controle do Império Asteca. Por causa do seu apoio aos espanhóis, Tlaxcala acabou conquistando uma posição relativamente privilegiada durante o domínio colonial da Espanha no México. Cortéz buscou reforços na Espanha e entre os povos indígenas inimigos dos astecas.

    Assim, ele conseguiu reunir um exército formado por milhares de guerreiros indígenas e cerca de 900 soldados espanhóis. Acompanhado desse exército e munido de canhões, Cortéz sitiou a capital asteca. Em 13 de agosto de 1521, após os astecas resistirem durante 75 dias, o último imperador asteca, Quatemozin (também chamado de Guatemozin), sucessor de Montezuma 2º foi obrigado a render-se aos espanhóis. Era o fim do Império Asteca.
    http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u58.jhtm

  • Lobo Jr.

    Alvo de controvérsias no México

    Segundo um cronista da época, Bernal Díaz Del Castillo, Malinche teria sido a filha de um nobre, nascida numa região onde era a “fronteira” entre o Império Asteca e os Estados maias na Península do Yucatán. Ela conhecia tanto a língua maia quanto o nahuatl, idioma que era falada tanto pelos nahuas quanto pelos astecas.

    Assim, ela e Aguilar serviram de intérpretes para Hernán Cortéz. Malinche traduzia do nahuatl para o maia, que, só então, era traduzido para o espanhol por Aguilar. Isso era necessário porque Malinche não havia ainda aprendido a falar espanhol e porque, embora Aguilar falasse o maia, ele não falava o nahuatl. Mais tarde, Malinche aprendeu também a falar o espanhol.

    Ela logo trocou o nome para Marina, converteu-se ao catolicismo e tornou-se a companheira de Cortéz. Malinche teve um papel muito importante na conquista do México, pois ela se tornou o principal braço direito do comandante dos conquistadores, servindo de guia e de intérprete.

    Sua figura ainda é alvo de controvérsias no México. Para muitos, ela não passou de uma traidora, por ter ajudado os espanhóis, daí a expressão “malinchista”, usada no México nos dias de hoje para acusar alguém de “traidor da pátria”.
    http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u58.jhtm

    • Lobo Jr.

      “FAMINTOS PELO OURO”

      Com tiros de arcabuz (Antiga arma de fogo, que se disparava, inflamando a pólvora com um pedaço de corda que se acendia numa extremidade para comunicar fogo às antigas peças de artilharia – morrão), golpes de espada e sopros de peste, avançavam os implacáveis e escassos conquistadores da América. É o que contam as vozes dos vencidos. Depois da matança de Cholula, Montezuma envia novos emissários ao encontro de Fernão Cortez, que avança rumo ao vale do México. Os enviados presenteiam os espanhóis com colares de ouro e bandeiras de penas de quetzal. Os espanhóis deleitavam-se: “Como se fossem macacos levantavam o ouro, como que se encantassem, gestos de prazer, como que se lhes renovasse e iluminasse o coração. Como certo é isso que desejam com muita sede. Se lhes incha o corpo por isto. Como uns porcos famintos que anseiam pelo ouro”, diz o texto náhuatl, preservado no Códice Florentino. Mais adiante, quando Cortez chega a Tenochtitlán, a esplêndida capital asteca de 300 mil habitantes, os espanhóis entram na casa do tesouro, “e logo fizeram uma grande bola de ouro, e puseram fogo, incendiaram, atearam fogo a tudo que restava, por mais valioso que fosse: com o que tudo ardeu. E em relação ao ouro, os espanhóis o reduziram a barras …“
      Houve guerra, e finalmente Cortez, que havia perdido Tenochtitlán, a reconquistou em 1521. “E já não tínhamos escudos de amparo, já não tínhamos bordunas, e nada tínhamos de que comer, já nada comíamos.” A cidade, devastada, incendiada e coberta de cadáveres, caiu. Fernão Cortez havia-se horrorizado ante os sacrifícios dos indígenas de Veracruz, que queimavam entranhas dos meninos para oferecer a fumaça aos deuses; todavia, não houve limites para sua própria crueldade na cidade reconquistada. “E toda a noite choveu sobre nós.” Mas a força e o tormento não foram suficientes: os tesouros arrebatados não preenchiam nunca as exigências da imaginação, e durante muitos anos escavaram os espanhóis o fundo do lago do México em busca do ouro e dos objetos preciosos que os índios teriam escondido.

      Pedro de Alvarado e seus homens atiraram-se sobre a Guatemala e “eram tantos os índios que mataram, que se fez um rio de sangue, que vem a ser o Olimtepeque”, e também “o dia tornou-se vermelho pelo excesso de sangue que houve naquele dia”. Antes da batalha decisiva, “e visto que os índios atormentados disseram aos espanhóis que não os atormentassem mais, que ali havia muito ouro, prata, diamantes e esmeraldas
      que tinham os capitães Nehaib Ixquín, Nehaib feito águia e leão. E logo deram aos espanhóis e ficaram com eles…”
      Antes de Francisco Pizarro degolar o inca Atahualpa e lhe cortar a cabeça, arrancou-lhe um resgate em “pilhas de ouro e de prata que pesavam mais de vinte mil marcos de prata fina, um milhão e trezentos e vinte e seis mil escudos de ouro finíssimo…” Depois lançou-se sobre Cuzco. Seus soldados acreditavam entrar na cidade dos césares, tão deslumbrante era a capital do império incaico, mas não demoraram em saquear o Templo do Sol: “Forcejando, lutando entre si, cada qual procurando levar a parte do leão do tesouro, os soldados em camisa de malha metálica, pisoteavam jóias e imagens, martelavam os utensílios de ouro para reduzi-los a um formato mais fácil e manejável… “Atiravam-nos ao crisol, para convertê-lo em barras, todo o tesouro do templo: as placas que cobriam as paredes, as assombrosas árvores esculpidas, pássaros e outros objetos de jardim.”
      Hoje em dia, no Zócalo, a imensa praça nua do centro da capital do México, a catedral católica se levanta sobre as ruínas do templo mais importante de Tenochtitlán, e o palácio do governo está situado sobre a residência de Cuauhtémoc, o chefe asteca martirizado e morto por Cortez. Tenochtitlán foi arrasada. Cuzco, no Peru, teve sorte semelhante, mas os conquistadores não puderam destruir de todo seus muros gigantescos, e hoje se pode ver, ao pé dos edifícios coloniais, o testemunho de pedra da colossal arquitetura incaica.
      “Veias Abertas”, EDUARDO GALEANO

  • Lobo Jr.

    A Civilização Asteca

    Montezuma acolheu amistosamente os estrangeiros brancos, acreditando que Hernán Cortés era a encarnação do deus Quetzalcóatl, cuja chegada havia sido anunciada por profecias. Algumas centenas de espanhóis, apoiados por tribos indígenas inimigas dos astecas, chegaram a Tenochtitlan, onde foram recebidos como hóspedes. Um ataque asteca ao enclave espanhol de Vera Cruz, na costa do golfo do México, serviu de pretexto a Cortés para aprisionar Montezuma em sua própria corte. Finalmente, em 30 de junho de 1520, os guerreiros de Tenochtitlan, dirigidos por Cuitláhuac, irmão de Montezuma, obrigaram os espanhóis e seus aliados a abandonar a cidade.

    Uma epidemia de varíola, trazida do Velho Mundo pelos espanhóis dizimou, durante os meses seguintes, a população de Tenochtitlan. Enquanto isso, Cortés se dedicou a reorganizar e reforçar seu exército e a preparar a invasão à capital asteca. Em abril de 1521, os espanhóis iniciaram o sítio de Tenochtitlan. Os astecas, sem água e alimentos, resistiram durante quatro meses. Em 13 de agosto houve o assalto final, durante o qual os astecas defenderam valorosamente sua cidade até os últimos momentos. Cuauhtémoc, o último tlatoani, foi preso pelos conquistadores quando tentava escapar numa canoa com a intenção de se refugiar nas províncias e reorganizar as forças astecas.

    A queda da capital, a prisão do rei e a dispersão do exército asteca favoreceram a conquista do resto do império pelos espanhóis. Da capital reconstruída, Cortés organizou diversas expedições pelo território mexicano e centro-americano, que em 1534 foi convertido no vice-reino da Nova Espanha ou do México.

    A civilização asteca se baseou, do ponto de vista econômico, na agricultura e no comércio. As condições climáticas e topográficas do vale do México, núcleo do império, permitiam o cultivo de produtos de zona temperada, mediante uma adequada organização dos trabalhos agrícolas de forma a amenizar os efeitos das estações secas e das geadas. Grande parte dos 80.000km2 do vale apresentava colinas, lagoas e zonas pantanosas que foram adaptadas à agricultura mediante aplicação de engenhosas técnicas de preparo de terreno para cultivo, drenagem e aterro. Uma das mais interessantes entre essas técnicas consistia na construção de canteiros flutuantes – as chinampas – por meio do empilhamento de galhos de árvores, barro e limo, que acabavam por fixar-se no fundo dos lagos. Sem animais de tração para a agricultura, os astecas contavam com cães e perus para uso doméstico. O milho era a cultura mais importante, ao lado da pimenta e do feijão.

    Uma das características que mais marcavam a sociedade asteca era a divisão em castas. A nobreza (os pipiltin) era formada pelos membros da família real, os chefes dos calpulli, os chefes militares e os plebeus que haviam realizado algum serviço de mérito ao estado. Os macehualtin (plebeus) eram os lavradores, comerciantes e artesãos enquadrados nos calpulli, que constituíam o grosso da população. Os mayeque (servos) trabalhavam nas terras do estado ou da nobreza. Também havia escravos, empregados como força de trabalho ou reservados para os sacrifícios religiosos.

    A confederação asteca, tal como os impérios meso- americanos anteriores, organizavam-se em torno do pagamento de tributos e da contribuição militar por parte dos estados submetidos. Apesar disso, esses estados eram praticamente independentes. No entanto, o império asteca tentou conseguir uma maior integração política entre suas 38 províncias, sobretudo no vale do México. A vinculação familiar das casas reais de cada estado com Tenochtitlan e a introdução do culto nacional do deus Huitzilopochtli foram algumas das medidas integradoras empreendidas pelos astecas.

    A extrema complexidade da religião asteca só pode ser compreendida sob a perspectiva de um povo guerreiro que, em apenas dois séculos, passou de dominado a dominador, controlando outros povos da região, muitos deles com tradição cultural muito anterior à sua. O regime asteca era teocrático. O rei exercia o poder divino por meio de leis, funcionários e as escolas nobres.

    Da mesma forma que outros povos indígenas, como os maias, os astecas supunham viver a era do quinto sol. As quatro anteriores haviam acabado em catástrofes. Isso constituía uma justificativa ideológica para as contínuas guerras astecas, pois era necessário capturar inimigos e sacrificá-los aos deuses, a fim de proporcionar sangue para que o Sol não se apagasse.

    Na realidade, as concepções guerreiras – com seu culto ao sacrifício e à coragem -, as necessidades políticas e as crenças religiosas constituíam quase uma unidade no mundo asteca. Os mortos em sacrifícios, como os que morriam em combate, tinham sua entrada garantida no império do Sol. Sorte semelhante estava reservada às mulheres que morriam de parto, provavelmente para diminuir os temores das mulheres e aumentar a reprodução. Os mortos comuns iam para um lugar subterrâneo chamado Mictlan.

    Os astecas consideravam o mundo um lugar instável, em que as colheitas, os homens e até os deuses estavam ameaçados por catástrofes naturais. Só uma religião dura e severa podia oferecer segurança.

    O sincretismo – conciliação das diferentes religiões dos povos vizinhos – encheu de deuses o panteão asteca. Para uma mesma missão, havia divindades provenientes de diversas culturas, e a tradição dualista opunha deuses benfazejos aos destruidores. A classe dirigente louvava suas divindades guerreiras, enquanto os camponeses atribuíam a fertilidade ou as calamidades aos deuses agrícolas. Cada lugar, cada profissão, agregava ao panteão asteca suas próprias divindades.

    http://www.emdiv.com.br/pt/mundo/povosetradicoes/525-o-imperio-asteca.html

  • Lobo Jr.

    O Martírio de TÚPAC AMARU

    Os indígenas eram como diz Darcy Ribeiro, o combustível do sistema produtivo colonial. “É quase certo – escreve Sergio Bagú – que às minas espanholas foram lançados centenas de índios escultores, arquitetos, engenheiros e astrônomos, confundidos entre a multidão escrava, para realizar um tosco e exaustivo trabalho de extração. Para a economia colonial, a habilidade técnica destes indivíduos não interessava. Eles só eram contados como trabalhadores não qualificados.” Mas não se perderam todos os sinais daquelas culturas destruídas. A esperança de renascimento da dignidade perdida incendiaria numerosas sublevações indígenas. Em 1781, Túpac Amaru sitiou Cuzco.

    Este cacique mestiço, descendente direto dos imperadores incas, encabeçou o movimento messiânico e revolucionário de maior envergadura. A grande rebelião estourou na província de Tinta. Montado no seu cavalo branco, Túpac Amaru entrou na praça de Tugasuca e, ao som de tambores e pututus, anunciou que havia condenado à forca o corregedor real Antonio Juan de Arriaga, e dispôs a proibição da mina de Potosí. A província de Tinta estava ficando despovoada por causa do serviço obrigatório nos socavãos de prata da montanha. Poucos dias depois, Túpac Amaru expediu um novo comunicado pelo qual decretava a liberdade dos escravos. Aboliu todos os impostos e o recrutamento de mão-de-obra indígena em todas suas formas. Os indígenas se juntavam, aos milhares, às forças do “pai de todos os pobres e de todos os miseráveis e desvalidos”. À frente de seus guerrilheiros, o caudilho lançou-se sobre Cuzco. Marchava pregando seu credo: todos os que morressem sob suas ordens nesta guerra ressuscitariam para desfrutar as felicidades e riquezas de que tinham sido despojados pelos invasores. Sucederam-se vitórias e derrotas; no fim, traído e capturado por um de seus chefes, Túpac Amaru foi entregue, amarrado com correntes, aos espanhóis. Em seu calabouço, entrou o visitador Areche para exigir-lhe, em troca de promessas, os nomes dos cúmplices da rebelião. Túpac Amaru respondeu-lhe com desprezo: “Aqui não há mais cúmplice que tu e eu; tu por opressor, e eu por libertador, merecemos a morte”.

    Túpac foi submetido a suplícios, junto com sua esposa, seus filhos e seus principais partidários, na praça do Wacaypata, em Cuzco. Cortaram-lhe a língua. Amarraram seus braços e pernas em quatro cavalos, para esquartejá-lo, mas o corpo não se partiu. Decapitaram-no ao pé da forca. Enviaram sua cabeça para Tinta. Um de seus braços foi para Tungasuca e o outro para Carabaya. Mandaram uma perna para Santa Rosa e a outra para Livitaca. Queimaram-lhe o tronco e jogaram as cinzas no rio Watanay. Recomendou-se que fosse extinta toda sua descendência, até o quarto grau.

    Quando os espanhóis irromperam na América, o império teocrático dos incas estava em seu apogeu, estendendo seu poder sobre o que hoje chamamos de Peru, Bolívia e Equador, abarcando parte da Colômbia e do Chile e chegando até o norte argentino e à selva brasileira; a confederação dos astecas tinha conquistado um alto nível de eficácia no vale do México; em Yucatán e na América Central a esplêndida civilização dos maias persistia em todos os povos herdeiros, organizados para o trabalho e a guerra.

    Estas sociedades deixaram numerosos testemunhos de sua grandeza, apesar de todo o enorme tempo da devastação: monumentos religiosos levantados com maior sabedoria do que as pirâmides egípcias, eficazes criações técnicas para a luta contra a natureza, objetos de arte que denunciam um talento invicto. No museu de Lima podem ver-se centenas de crânios que foram objeto de puncturas e curas com placas de ouro e prata por parte dos cirurgiões incas. Os maias foram grandes astrônomos, tinham medido o tempo e o espaço com precisão assombrosa e descoberto o valor da cifra zero antes de qualquer outro povo na História. Os aquedutos e as ilhas artificiais criadas pelos astecas deslumbraram Fernão Cortez, embora não fossem de ouro.

    A conquista rompeu as bases daquelas civilizações. Piores conseqüências do que o sangue e o fogo da guerra teve a implantação de uma economia mineira. As minas exigiam grandes deslocamentos da população e desarticulavam as unidades agrícolas comunitárias; não só extinguiam incontáveis vidas através do trabalho forçado, como abatiam indiretamente o sistema coletivo de cultivos. Os índios eram conduzidos aos socavãos, submetidos à servidão dos “encomenderos” (homens encarregados de cuidar dos indígenas à força). Na costa do Pacífico, Os espanhóis destruíram ou deixaram extinguir enormes cultivos de milho, mandioca, feijão, amendoim, batata doce; o deserto devorou rapidamente grandes extensões de terra que tinham sido trabalhadas pela rede incaica de irrigação. Quatro séculos e meio depois da conquista, só restam pedras e capim bravo em lugar da maioria dos caminhos que unia o império. Embora as gigantescas obras públicas dos incas fossem, em sua maior parte, arrasadas pelo tempo ou pela mão dos usurpadores, sobram ainda, desenhadas na cordilheira dos Andes, os intermináveis terraços que permitiam e ainda permitem cultivar as ladeiras das montanhas. Tanto os terraços como os aquedutos de irrigação foram possíveis, naquele império que não conhecia a roda, o cavalo nem o ferro, graças à prodigiosa organização e à perfeição técnica conseguida através de sábia divisão de trabalho, mas também graças à força religiosa que regia a relação do homem com a terra – que era sagrada e estava, portanto, sempre arada. Também foram assombrosas as respostas astecas ao desafio da natureza. Em nossos dias, os turistas conhecem por “jardins flutuantes” as poucas ilhas sobreviventes no lago ressecado onde agora se levanta, sobre as ruínas indígenas, a capital do México. Essas ilhas tinham sido criadas pelos astecas para responder ao problema da falta de terras no lugar eleito para a criação de Tenochtitlán. Os índios transportaram grandes massas de barro das margens e apresaram as novas ilhas de limo entre delgadas paredes de bambu, até que as raízes das plantas lhes dessem firmeza. Por entre os novos espaços de terra deslizavam os canais de água. Sobre estas ilhas inusitadamente férteis, cresceu a poderosa capital dos astecas, com suas amplas avenidas, seus palácios de austera beleza e pirâmides escalonadas: brotada magicamente da lagoa, Tenochtitlán estava condenada a desaparecer ante os embates da conquista estrangeira. Quatro séculos demoraria o México para alcançar uma população tão numerosa quanto a que existia naqueles tempos.

    “AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA”
    (Eduardo Galeano)

  • Lobo Jr.

    Leis de Burgos “O inferno da escravidão na Terra”

    “encomenderos” (homens encarregados de cuidar dos indígenas)

    A “encomienda” era uma forma de trabalho compulsório indígena, realizado nas zonas rurais, no qual a força de trabalho era trocada pela catequese.

    O documento conhecido em espanhol como as Leyes de Burgos (Leis de Burgos) foi promulgado em 27 de dezembro de 1512 em Burgos, na Espanha. Foi a primeira codificação de leis regendo o comportamento dos colonos espanhóis na América, especialmente no que dizia respeito aos índios nativos. Ele enumerava diversas leis para o governo dos povos indígenas do Novo Mundo recém-descoberto; elas proibiam o maltrato dos nativos e apoiava sua conversão ao catolicismo. O motivo de sua criação foi o problema legal que havia surgido com a conquista e colonização das Índias, onde a lei espanhola não era aplicada. As leis nunca foram aplicadas de fato, e pouco foi mudado na Nova Espanha por estas leis.

    O escopo destas leis estava restrito originalmente à ilha de Hispaniola, mas foi estendido posteriormente a Porto Rico e Jamaica. Estas leis autorizavam e legalizavam a prática colonial de se criar “encomiendas”, onde índios eram agrupados para trabalhar para senhores coloniais, limitando o tamanho destes estabelecimentos a um mínimo de 40 e um máximo de 150 pessoas. Elas também estabeleciam, no entanto, um regime de trabalho minuciosamente regulado, o salário, as provisões, o alojamento, a higiene e o cuidado pelos índios num espírito razoavelmente humanitário. Mulheres com mais de quatro meses de gravidez eram dispensadas do trabalho.

    Por fim, o documento também proibia o uso de qualquer forma de punição pelos “encomenderos”, reservando esta prerrogativa aos oficiais empossados em cada cidade para a implementação das leis. Também ordenava que os índios fossem catequizados, bania a bigamia e exigia que as cabanas e barracas dos índios fossem construídas juntas às dos espanhóis. Ele respeitava, em algumas maneiras, as autoridades tradicionais, isentando os caciques dos trabalhos mais ordinários e lhes concedia vários índios como serviçais.

    A má aplicação das leis levou, em muitos casos, a inúmeros protestos e reclamações. Na realidade, as leis foram tão pouco aplicadas que eram vistas apenas como uma legalização da pobre situação anterior. Isto acabaria por criar o impulso para reformas, executadas através das Leyes Nuevas (Leis Novas) em 1542.
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Burgos

  • Lobo Jr.

    Sumário

    Os índios devem ser removidos de suas terras e colocados em encomiendas. Para cada cinquenta índios, quatro alojamentos devem ser construídos (de 9 por 4,5 metros). Esta terra não poderá ser tirada deles, já que eles foram retirados de suas terras originais. Suas terras originais deverão ser queimadas para que eles não possam retornar a elas. Os indios plantarão toda a comida. Durante as estações apropriadas, os encomenderos (homens encarregados de cuidar dos indígenas) farão com que os índios plantem milho e criem as galinhas.
    Os índios deverão deixar suas terras voluntariamente para vir às encomiendas, para que não tenham que sofrer por ser retirados dali à força.
    O cidadão para quem os índios forem dados deverá erguer uma estrutura que será usada como igreja. Na igreja deverá haver um retrato de Nossa Senhora e um sino para chamar os índios às orações. A pessoa que os tiver na encomienda deverá ir com eles á igreja todas as noites e se assegurar de que eles façam o sinal da cruz e cantem diversos hinos. Se um índio não vier à igreja, não poderá descansar no dia seguinte.
    Para se certificar de que os índios estão aprendendo o cristianismo corretamente, eles deverão ser testados a cada duas semanas e ensinados aquilo que não souberem pelo encomendero. Ele deverá lhes ensinar os Dez Mandamentos, os Sete Pecados Capitais, e os Artigos de Fé. Qualquer encomendero que não souber os mesmos será multado em seis pesos de ouro.
    Uma igreja deverá ser construída a uma distância igual a todas as propriedades. Aos domingos, a missa será observada e uma festa será celebrada. Se o encomendero não trouxer seus índios será multado em dez pesos de ouro.
    Se a igreja for muito longe, outra deverá ser construída.
    Os padres que coletam o dízimo das propriedades deverão ter padres permanentemente nas igrejas das mesmas propriedades.
    Igrejas deverão ser construídas nas minas para que os índios trabalhando ali possam ir à missa nos domingos.
    Quem quer que tenha cinquenta índios deverá escolher um garoto que o encomendero julgue capaz para aprender a ler, escrever, e a importância do catolicismo. O garoto deverá então ensinar os outros índios porque os índios aceitarão com mais disposição o que o garoto disser do que o que os espanhóis disserem. Se o encomendero tiver cem índios, dois garotos deverão ser escolhidos. A fé deverá estar incutida em suas cabeças para que as almas dos índios sejam salvos.
    Se um índio adoecer perto de onde haja um padre, o padre deverá ir a ele e recitar o Credo e outras coisas proveitosas da fé católica. O índio deverá se confessar sem que se cobre uma taxa por isso. Se o índio morrer, deverá ser enterrado com uma cruz próximo à igreja. Se ele não for enterrado, o seu encomendero deverá pagar uma multa de quatro pesos de ouro.
    Os índios não deverão ser usados como bestas para transportar coisas para os outros índios nas minas.
    Todos os habitantes espanhóis que tenham índios nas encomiendas deverão batizar as suas crianças em até uma semana depois de seu nascimento.
    Depois que os índios tenham sido levados às propriedades, o ouro deverá ser procurado da seguinte maneira: os índios das encomiendas deverão procurar por ouro durante cinco meses por ano e ao final deste período poderá descansar por quarenta dias. Durante os quarenta dias estes índios não poderão ser empregados, a menos que sejam escravos e aceitem trabalhar nas plantações. Durante os quarenta dias, os índios serão instruídos ainda mais na fé, já que possuirão mais tempo para aprendê-la.
    Os índios poderão executar suas danças sagradas.
    Todos os cidadãos que possuírem índios deverão alimentar-lhes com pão, mandioca, pimentões, e nos domingos com carne. Para cada ofensa, uma multa de dois pesos de ouro deverá ser paga.
    De acordo com o catolicismo, os índios não poderão ter mais que uma esposa ao mesmo tempo e não poderão abandonar as suas esposas.
    Os filhos dos chefes das ilhas que tiverem menos de treze anos de idade deverão ser dados aos frades para que possam aprender a ler, escrever, e outras coisas sobre o catolicismo. Quando os filhos atingirem a idade de dezenove anos, deverão retornar à encomienda e ensinar os outros.
    Mulheres grávidas não deverão ser mandadas às minas ou trabalhar nas plantações. Deverão ser mantidas na propriedade e fazer tarefas caseiras, como cozinhar e tecer. Depois que a criança nascer, ela poderá cuidar dela até que tenha três anos de idade; depois deste período, ela deverá retornar às minas e suas outras tarefas.
    Os índios não deverão dormir no chão. Cada encomendero deverá prover redes a seus índios.
    Os índios deverão receber um peso de ouro por ano para pagar pelas roupas.
    Os índios não poderão mudar de senhores. Um encomendero não poderá empregar ou alojar um índio que pertença a outro encomendero.
    Os caciques poderão ter dois índios para executar tarefas pessoais para cada quarenta de seus súditos. Visitantes nas propriedades deverão tratar bem os índios e ensinar-lhes o que souber sobre o catolicismo.
    Inspetores oficiais deverão manter registros das atividades e dos tratamentos dos índios nas encomiendas. Deverão manter a contagem da população e de quanto ouro vem sendo minado.
    Os índios não deverão ser abusados física ou verbalmente por quaisquer motivos.
    Os índios não deverão ser usados no comércio privado ou para qualquer outro interesse econômico.
    Os encomenderos que tenham seus índios trabalhando em minas distantes deverão combinar esforços com outras propriedades para prover comida aos seus índios.
    Índios de outras terras deverão também aprender as coisas da fé católica. Deverão ser tratados com bondade, a menos que sejam escravos.
    Se um encomendero morrer, seu sucessor assumirá o controle dos índios.
    Dois inspetores deverão ser apontados para cada propriedade.
    Os inspetores deverão ser escolhidos pelo almirante, pelos juízes e pelos oficiais. Estas pessoas deverão ser compensadas com índios das encomiendas.
    As aldeias deverão ser inspecionadas duas vezes por ano, uma no início do ano e outra no verão.
    Se houver um índio fugitivo, os inspetores não poderão aprisioná-lo. Eles deverão ser dados a um homem de boa consciência que encontrará o seu encomendero.
    Todos os inspetores deverão ter uma cópia das Leis de Burgos, assinada pelo governador.
    Os inspetores deverão ser providos com residências.
    Uma pessoa não deverá ter mais do que cento e cinquenta índios e menos do que quarenta índios em uma encomienda ao mesmo tempo.
    Algumas emendas foram feitas às Leis de Burgos no dia 28 de julho de 1513:

    Mulheres índias casadas com homens índios não devem ser forçadas a servir com seus maridos nas minas ou em qualquer outro lugar a menos que por sua própria vontade ou a menos que seus maridos queiram levá-las.
    Crianças índias não deverão fazer o serviço de adultos até atingirem os catorze anos. Até então deverão fazer tarefas de criança, como coser ou trabalhar na propriedade de seus pais.
    Mulheres índias solteiras que estiverem sob a autoridade de seus pais deverão trabalhar com eles em suas terras. Aquelas que não estiverem sob a autoridade de seus pais deverão ser mantidas à parte para que não se prostituam.
    Depois de dois anos de serviço os índios estão livres para irem embora. A esta altura estarão civilizados e serão cristãos, captos para governarem a si mesmos.
    As Leis de Burgos nada fizeram para salvar os nativos de Hispaniola; os índios americanos ainda estavam sendo explorados pesadamente. Isto incomodou a consciência de Bartolomé de Las Casas, um antigo encomendero que se arrependeu e passou o resto de sua vida trabalhando para trazer a liberdade de volta para os índios. Ele escreveu: “Que tipo de doutrina pode ser ensinada por leigos iletrados e mundanos, que na grande parte mal sabem fazer o sinal da cruz, para infiéis que ainda têm de aprender os primeiros princípios da fé cristã?”

    Las Casas acreditava que o Novo Mundo havia sido concedido a Espanha e Portugal unicamente para que os pagãos fossem convertidos. Os índios, ele acreditava, não deveriam ser usados para outros propósitos, e especialmente não para lucro. A única solução era a de remover os colonos espanhóis do meio dos índios, com a exceção dos missionários que traziam a mensagem de Cristo.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Burgos

  • Lobo Jr.

    05/06/2009 – 20h36
    Confronto entre índios e policiais mata mais de 30 pessoas no Peru

    Mais de 30 pessoas, entre policiais e indígenas, morreram nesta sexta-feira em confrontos durante o desbloqueio de uma estrada na Amazônia peruana, onde indígenas protestavam contra uma série de leis aprovadas pelo Parlamento.

    A ministra do Interior peruano, Mercedes Cabanillas, informou à Rádio Programas del Perú (RPP) que nove policiais morreram, enquanto que o Colégio Médico de Chachapoyas, na região dos confrontos, afirmou que o número de indígenas que morreram no conflito chegou a 25. Segundo outros levantamentos citados pela agência Reuters, o número de mortos chega a 31, com 22 indígenas e nove policiais.

    Indígenas protestam nesta quinta-feira na Província de Bagua; na região, confronto matou mais de 30 pessoas nesta sexta-feira. O diretor da polícia peruana, José Sánchez, declarou ao Canal N que também há 45 soldados feridos, dos quais 19 têm marcas de bala.

    Segundo Sánchez, os policiais mortos foram atacados em uma colina no começo da manhã por mil indígenas, que os cercaram, balearam e os jogadores em um barranco. A polícia informou que os manifestantes atiraram primeiro, mas os indígenas negaram que tivesse armas. Eles afirmaram que só levavam suas lanças tradicionais.

    Líderes indígenas disseram que polícia disparou contra centenas de manifestantes a partir de helicópteros, para colocar fim ao bloqueio em uma estrada que corta a floresta, a 1.400 km de Lima.

    O bloqueio fazia parte de uma série de manifestações que envolveram milhares de indígenas nos últimos meses. Eles exigem maior controle sobre os recursos naturais, bloqueando frequentemente estradas e vias navegáveis desde abril para tentar forçar o governo a revogar uma série de leis de investimento aprovadas no ano passado e a rever concessões a companhias estrangeiras de energia.

    A ministra do Interior informou que dois aviões da Força Aérea Peruana foram enviados à cidade de Bagua para levar remédios e equipamentos médicos, além de reforços policiais.

    O presidente da Junta de Procuradores local, Oswaldo Bautista, disse que o órgão ainda não determinou um número definitivo de mortos porque ainda está sendo feito o levantamento do número de corpos em três locais diferentes da região.

    Por outro lado, uma fonte do hospital Gustavo Lanatta, em Bagua Niña, informou que a instituição recebeu 42 feridos, 15 deles baleado, e três mortos, entre os quais há um policial e dois civis.

    Essa fonte médica explicou que os outros mortos, que calculou “entre 20 e 25”, continuam na estrada onde os confrontos ocorreram porque a Procuradoria ainda não tinha conseguido chegar ao local.

    A pior das turbulências enfrentadas pelo por Alan García podem levar, segundo analistas, o presidente a tentar passar a culpa pelo incidente desta sexta-feira sobre o primeiro-ministro Yehude Simon, que tentou por semanas negociar com os indígenas.

    O conflito e os protestos recentes explicitam a tensão entre a rica de Lima e os indígenas pobres no interior do país. Críticos dizem que o governo não tem feito o suficiente para reduzir a taxa de pobreza que chega a 36% e que o crescimento econômico que antecedeu a atual desaceleração global não alcançou os pobres.

    “Eu considero o governo do presidente Alan García responsável por ordenar este genocídio”, disse o líder indígena Alberto Pizango a jornalistas em Lima. O governo emitiu nesta sexta-feira um mandado de prisão contra ele por incentivar os protestos.

    Garcia, cuja aprovação é de apenas 30%, culpou os manifestantes por provocar a violência e disse que era hora de encerrar os bloqueios de estradas, rios e instalações energéticas.

    “Parece que isso está sendo feito para gerar transtorno por razões eleitorais,” disse Garcia.

    Alguns aliados do presidente têm ligado os protestos ao líder populista da oposição Ollanta Humala, que assustou investidores, quando quase ganhou a última eleição presidencial, em 2006, e deve concorrer novamente em 2011.

    Humala, que goza de apoio entre os pobres das zonas rurais, disse que o Para, partido de Garcia, cometeu um erro grave na quinta-feira, quando bloqueou uma moção no Congresso para que fosse aberto um debate sobre a revisão da lei de concessão que os líderes indígenas pedem para ser revisada.
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u577377.shtml

  • Lobo Jr.

    POSFÁCIO

    SETE ANOS DEPOIS…(Passaram-se sete anos desde a primeira publicação de As Veias Abertas da América Latina)

    Alguém escreve para tratar de responder às perguntas que lhe zumbem na cabeça como moscas tenazes que perturbam o sono; e o que alguém escreve pode adquirir sentido coletivo quando, de alguma maneira, coincide com a necessidade social de resposta. Escrevi As Veias Abertas para difundir idéias alheias e experiências próprias que talvez ajudem um pouquinho, com sua medida realista, a resolver as questões que nos perseguem desde sempre: A América Latina é uma região do mundo condenada à humilhação e à pobreza? Condenada por quem? Culpa de Deus? Culpa da natureza? Do clima modorrento? Das raças inferiores? A religião e os costumes? Não será a desgraça um produto da história, feita por homens, e que, portanto, pelos homens pode ser desfeita? A veneração do passado sempre me pareceu reacionária. A direita escolhe o passado porque prefere os mortos: mundo quieto, tempo quieto. Os poderosos, que legitimam seus privilégios pela herança, cultivam a nostalgia. Estuda-se história como se visita um museu; e esta coleção de múmias é uma fraude. Mentem-nos o passado como nos mentem o presente: mascaram a realidade. Obriga-se o oprimido a fazer sua, uma memória fabricada pelo opressor: estranha, dissecada, estéril. Assim, ele se resignará a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível.

    Em As Veias Abertas, o passado sempre aparece convocado pelo presente, como memória viva.do nosso tempo. Esse livro é uma busca de chaves da história passada, que contribui para explicar o tempo presente, (que também faz história), a partir da base de que a primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la. Não é oferecido, no caso, um catálogo de heróis vestidos para um baile à fantasia, que, ao morrer em batalha, pronunciam longuíssimas frases solenes, mas sim, indaga-se o som e a pegada dos passos de multidão que porventura apresente nosso recente caminhar. As Veias Abertas provem da realidade, mas também de outros livros, melhores que este, que nos têm ajudado a conhecer o que somos, para saber o que podemos ser, e que nos têm permitido averiguar de onde viemos para melhor adivinhar aonde vamos. Esta realidade e estes livros mostram que o subdesenvolvimento latino-americano é uma conseqüência do desenvolvimento alheio, que nós, latino-americanos, somos pobres porque é rico o solo que pisamos e que os lugares privilegiados pela natureza têm sido malditos pela história. Nesse nosso mundo, mundo de centros poderosos e subúrbios subjugados, não há riqueza que não seja, no mínimo, suspeita.

    EDUARDO GALEANO
    Calella, Barcelona,
    abril de 1978.

  • Lobo Jr.

    VILA RICA DE OURO PRETO

    Salvador da Bahia foi a capital brasileira do próspero cicio do açúcar no Nordeste, mas a “idade do ouro” de Minas Gerais transladou para o sul o eixo econômico e político do país e converteu o Rio de Janeiro, porto da região, em nova capital do Brasil a partir de 1763. No centro dinâmico da florescente economia mineira, brotaram as cidades, acampamentos nascidos do boom e bruscamente ampliados na vertigem da riqueza fácil, “santuários para criminosos, vagabundos e malfeitores” – segundo as educadas palavras de uma autoridade colonial da época. A Vila Rica de Ouro Preto tinha conquistado categoria de cidade em 1711; nascida da avalanche de mineiros era a quintessência da civilização do ouro. Simão Ferreira Machado a descrevia, 23 anos depois, e dizia que o poder dos comerciantes de Ouro Preto excedia incomparavelmente ao dos mais florescentes mercadores de Lisboa. “Para aqui, como para um porto, se dirigem e são recolhidas na casa real da moeda as grandiosas somas de ouro de todas as minas. Aqui vivem os homens mais bem educados, tanto os leigos como os clérigos. Este é o assento de toda a nobreza e força dos militares. Esta é, em virtude de sua posição natural, a cabeça da América íntegra; e pelo poder de suas riquezas, a pérola preciosa do Brasil.” Outro escritor da época, Francisco Tavares de Brito, definia Ouro Preto em 1732 como “a Potosí de ouro” em comparação às minas de Potosí, origem da prata boliviana.

    Com freqüência chegavam a Lisboa queixas e protestos pela vida pecaminosa em Ouro Preto, Sabará, São João d’El Rei, Ribeirão do Carmo e todo o turbulento distrito mineiro. As fortunas se faziam e se desfaziam num abrir e fechar de olhos. O padre Antonil denunciava que sobravam mineiros dispostos a pagar uma fortuna por um negro que tocasse bem trombeta e o dobro por uma prostituta mulata, “para entregar-se com ela a contínuos e escandalosos pecados”, porém os homens de batina não se portavam melhor: da correspondência oficial da época podem extrair-se numerosos testemunhos contra os “maus clérigos” que infestavam a região. Se lhes acusava de fazer uso de sua imunidade para retirar ouro de contrabando dentro de pequenas efígies dos santos de madeira. Em 1705, afirmava-se que não havia em Minas Gerais nem um só padre disposto a interessar-se na fé cristã do povo, e seis anos depois a Coroa chegou a proibir o estabelecimento de qualquer ordem religiosa no distrito mineiro. Proliferavam, de todos os modos, as formosas igrejas construídas e decoradas no original estilo barroco característico da região. Minas Gerais atraía os melhores artesãos da época. Exteriormente, os templos pareciam sóbrios, despojados; porém o interior, símbolo da alma divina, resplandecia no ouro puro dos altares, nos retábulos, nos pilares e nos baixo-relevos dos painéis; não se poupavam os metais preciosos, para que as igrejas pudessem alcançar “também as riquezas Céu”, como aconselhava o frei Miguel de São Francisco, em 1710. Os serviços religiosos tinham preços altíssimos, porém tudo era fantasticamente caro nas minas. Como havia ocorrido em Potosí na Bolívia, Ouro Preto se lançava ao esbanjamento de sua riqueza súbita. As procissões e os espetáculos davam lugar à exibição de vestidos e adornos de luxo asiático. Em 1733, uma festividade religiosa durou mais de uma semana. Não só se faziam procissões a pé, a cavalo e em triunfais carros de nácar, sedas e ouro, com trajes de fantasia e alegorias deslumbrantes, mas também torneios de montaria, touradas e danças nas ruas ao som de flautas, gaitas e violas. Os mineiros desprezavam o cultivo da terra e a região sofreu epidemias de fome em plena prosperidade, por volta de 1700 e 1713; os milionários tiveram que comer gatos, cães, ratos, formigas, gaviões. Os escravos esgotavam suas forças e seus dias na lavagem de ouro. “Ali trabalham – escrevia Luís Gomes Ferreira: ali comem, e muitas vezes têm que dormir ali; e como quando trabalham se banham em suor, com dois pés sobre a terra fria, sobre pedras ou na água, quando descansam ou comem, seus poros se fecham e se congelam de tal forma que se tornam vulneráveis a muitas doenças perigosas, como as mui severas pleurisias, apoplexia, convulsões, paralisia, pneumonia e muitas outras.” A doença era uma bênção do céu que aproximava a morte. Os capitães-do-mato de Minas Gerais cobravam recompensas em ouro em troca das cabeças cortadas dos escravos que se evadiam.

    Os escravos se chamavam “peças da índia” quando eram medidos, pesados e embarcados em Luanda; os que sobreviviam à travessia do oceano se convertiam, já no Brasil, em “mãos e pés” do amo branco. Angola exportava escravos bantus e presas de elefante em troca de roupa, bebidas e armas de fogo; porém os mineiros de Ouro Preto preferiam os negros que vinham da pequena praia do Whydah, na costa da Guiné, porque eram mais vigorosos, duravam um pouco mais e tinham poderes mágicos para descobrir ouro. Cada mineiro necessitava, ademais, de pelo menos uma amante negra de Whydah para que a sorte o acompanhasse nas explorações. A explosão do ouro não somente incrementou a importação de escravos, mas, além disso, absorveu boa parte da mão-de-obra negra de outras regiões do Brasil, que ficaram sem braços. Um decreto real de 1711 proibiu a venda dos escravos ocupados em tarefas agrícolas com destino ao serviço das minas, com a exceção dos que mostraram “perversidade de caráter”. Era insaciável a fome de escravos em Ouro Preto. Os negros morriam rapidamente; só em casos excepcionais chegavam a suportar sete anos contínuos de trabalho. Isto sim: antes de cruzarem o Atlântico, os portugueses batizavam todos. E no Brasil tinham a obrigação de assistir à missa, embora lhes estivesse proibido de entrar na capela maior ou sentar nos bancos. Em meados do século XVIII, muitos dos mineiros já se tinham mudado para a Serra do Frio em busca de diamantes. As pedras cristais que os caçadores de ouro tinham jogado de lado enquanto exploravam os leitos do rio eram diamantes, segundo se soube. Minas Gerais oferecia ouro e diamantes em casamento, em proporções semelhantes. O florescente acampamento de Tijuco converteu-se no centro do distrito diamantino, e nele, à semelhança de Ouro Preto, os ricos vestiam a última moda européia e encomendavam roupas do outro lado do mar, como as armas e os móveis mais luxuosos: horas de delírio e desperdício. Uma escrava mulata, Francisca da Silva, conquistou sua liberdade ao converter-se em amante do milionário João Fernandes de Oliveira, virtual soberano de Tijuco, e ela que era feia e já tinha dois filhos, tornou-se a “Chica que manda”. Como nunca tinha visto o mar e queria tê-lo próximo, seu cavalheiro lhe construiu um grande lago artificial no qual pôs um barco com tripulação e tudo. Sobre as fraldas da serra de São Francisco levantou para ela um castelo, com um jardim de plantas exóticas e cascatas artificiais; em sua honra dava suntuosos banquetes regados pelos melhores vinhos, bailes noturnos de nunca acabar e funções de teatro e concertos. Ainda em 1818, Tijuco festejou o grande casamento do príncipe da corte portuguesa. Dez anos antes, John Mawe, mineralogista inglês que visitou Ouro Preto, assombrou-se com sua pobreza: encontrou casas vazias e sem valor, com letreiros que as colocavam infrutuosamente à venda, e comeu comida imunda e escassa. Tempos atrás tinha explodido a rebelião, que coincidiu com a crise na comarca do ouro. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, tinha sido enforcado e despedaçado, e outros lutadores pela independência tinham partido de Ouro Preto rumo ao cárcere ou ao exílio.
    “Veias Abertas”, EDUARDO GALEANO

  • Lobo Jr.

    Gentileza desconsiderar o post encaminhado a 07/junho/2009 at 3:41 pm (post em duplicidade, pois aguarda liberação e não estava visível)

    # 2009-06-7 at 3:41 pm

    Grato

    (O alerta para o futuro! De fundamental importância para os dias atuais em que desrespeitamos a natureza e o meio-ambiente)

    Os mineiros desprezaram o cultivo da terra e a região sofreu epidemias de fome em plena prosperidade, por volta de 1700 e 1713; os milionários tiveram que comer gatos, cães, ratos, formigas, gaviões. Os escravos esgotavam suas forças e seus dias na lavagem de ouro. “Ali trabalham – escrevia Luís Gomes Ferreira: ali comem, e muitas vezes têm que dormir ali; e como quando trabalham se banham em suor, com dois pés sobre a terra fria, sobre pedras ou na água, quando descansam ou comem, seus poros se fecham e se congelam de tal forma que se tornam vulneráveis a muitas doenças perigosas, como as mui severas pleurisias, apoplexia, convulsões, paralisia, pneumonia e muitas outras.” A doença era uma bênção do céu que aproximava a morte.

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