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Angola: Crianças de 6 anos são acusadas de feitiçaria

Categorias: África Subsaariana, Angola, Desastre, Direitos Humanos, Juventude, Mídia Cidadã

Nos ultimos tempos, Angola tem sido sacudida por notícias assombrosas de crianças abandonadas, mal-tratadas, torturadas e mortas após acusadas de feitiçaria. Um dos casos recentes [1] passou-se no município do Sambizanga [2] em Luanda. De acordo com os jornais, a Polícia Nacional regastou dezenas de crianças que se encontravam fechadas dentro de um quarto com uma fogueira acesa onde se queimava jindungo (piripiri). Umas das crianças corre o risco de perder um braço devido à gangrena provocada por cortes de lâmina. Através destes método esperava-se libertar o mal que habitava no corpo das crianças. A recomendação da prática deste método funesto é geralmente aconselhada por membros de determinadas “igrejas” [3], que na maioria das vezes se encontram abertas ao público ilegalmente.

Embrenhados num espírito místico, maldoso, ignorante ou simplesmente pelo desejo de se libertarem de mais uma boca a alimentar, os familiares são os grandes responsáveis por este tipo de atitudes. Ao acreditarem na feitiçaria condenam filhos, sobrinhos ou enteados a sofrer de forma atroz caso algo corra mal dentro de casa. No blog Angola Saudades [4] dá-se o exemplo triste de um destes casos:

“Makiesse é sobrevivente de um fenómeno perturbante que surge em Angola nos ultimos anos: acusações de feitiçaria contra crianças acompanhadas de maus tratos, abandono e nalguns casos, a morte. A madrasta acusou Makiesse de ser feiticeiro e ter provocado a doença que matou o seu pai. Não podia comer com a família, dormia na latrina, levava porrada diariamente e era forçado a rituais de purificação que mais parecem tortura – jejum, golpes e reclusão. Makiesse tinha seis anos. “Eu dizia que eu não sou feiticeiro, que talvez o feiticeiro usa a minha cara à noite. Mas ninguém acreditava”, conta Makiesse ao PlusNews. Um dia os familiares deitaram-lhe petróleo. O tio impediu que o queimassem vivo. Cedo, tirou-o sorrateiramente do Uíge para a capital Luanda a 345 quilómetros. Deixou-o num centro da igreja católica que abriga crianças de rua. Isso foi há três anos. Makiesse apenas foi visitado duas vezes pelo irmão mais velho”.

Há alguns anos atrás, saiu um estudo sobre o impacto de práticas desta natureza contra as crianças sob a perspectiva da protecção dos direitos humanos levado a cabo pelo Instituto Nacional da Criança (INAC). O estudo apontou que as acusações contra as crianças surgiram em força nos finais da década de 90, sem qualquer relação com antecedentes históricos nas tradições dos povos locais. De acordo com o estudo, o surgimento para os actos desta ordem deve-se à transformação das estruturas familiares e do significado das relações de parentesco, bem como dos laços maternos e respectiva ligação com o cuidado a ter com as crianças. Em Angola, as acusações de feitiçaria e maus tratos dirigidos às crianças são consideradas válidas, o que minimiza perante a sociedade a gravidade de actos cruéis levados a cabo pela família. Após serem acusadas, as crianças dificilmente voltam a integrar-se no seio da família devido ao estigma e à discriminação. Isto leva-nos a outro factor: ao aumento de crianças de rua. Desconfortáveis perante os olhares acusadores de parentes e vizinhos, optam por viver por sua conta e risco pelas ruas deste país.

O blog Noticias Cristãs [5] denuncia um outro caso:

“Doze crianças acusadas de feitiçaria e abandonadas pelos seus familiares foram retiradas das ruas de Luanda pelas Irmãs da Congregação do Bom Pastor. As histórias contadas pelas crianças que fizeram das ruas da capital a sua morada durante algum tempo, comoveram as freiras que decidiram começar um processo de nova vida para os menores. O caso mais recente é de uma menina de 11 anos acusada de ter morto a própria mãe usando feitiço. A superiora da congregação conta a história: “O pai abandonou a criança na rua e na altura foi interceptado pela polícia porque batia nela e ele disse que a filha tem 11 anos e é feiticeira. Disse que comeu a mãe e que recebeu o feitiço do Congo e que ele poderia ter a mesma sorte e então decidiu abandonar a menina. A criança foi levada para casa das irmãs no Palanca, por alguém que a encontrou a chorar na rua. Fui ter à casa onde eles moravam e encontrei alguns familiares, mas todos eles confirmaram que a menina é feiticeira. Conversei com eles, tentei convencê-los mas não houve maneira e disseram que era melhor não deixar a menina com eles porque estava reconhecida como feiticeira”.

O governo e as organizações da sociedade civil, têm lançado campanhas de de sensibilização e alerta a fim de evitar o abuso contra crianças. Outros projectos como a abertura de centros de acolhimento e a responsabilização legal de tais abusos são outros dois pontos importantes levados a cabo pelas autoridades competentes.

Esperemos que a situação mude completamente. Que as crianças angolanas possam desfrutar da infância com tranquilidade sem perder a esperança numa vida melhor. Esperemos que a sociedade angolana se empenhe de forma determinada neste combate que já ultrapassou fronteiras nacionais. Que os pais e familiares das crianças vítimas de maus tratos, sejam responsabilizados e levados à justiça como sinal de aviso à navegação.