Conversando com a blogueira literária guianense Charmaine Valere

Guyanese litblogger Charmaine Valere

A blogueira literária Charmaine Valere, do Signifyin’ Guyana. – Foto da blogueira, usada com permissão.

C.D. Valere – Charmaine, para os amigos – nasceu na Guiana e mora nos Estados Unidos há 22 anos. Hoje vive em Nova Jersey e ensina literatura no Bloomfield College. Em novembro de 1997, lançou o seu blogue Signifyin’ Guyana - “dedicado às palavras e opiniões dos escritores guianenses”. Neste último ano, Signifyin’ Guyana tem se tornado um dos blogues literários mais substanciais do Caribe, apresentando posts com comentários da própria Charmaine sobre livros guianenses e caribenhos em geral, além de cobrir ocasionalmente aspectos da atualidade do país e ligar-se a discussões literárias em outros pontos da blogosfera caribenha. Recentemente, entrevistei Charmaine por e-mail. A seguir, uma versão editada da nossa conversa.

Nicholas Laughlin: A primeira questão é óbvia: por que você começou a blogar? Qual era o seu objetivo inicial?

Charmaine Valere: Tudo começou (falando sério!) com uma grande, grande saudade de casa. Simples assim. Ano passado cheguei à idade de (resmungos ininteligíveis…), e simplesmente quis retornar à Guiana. Então fui, e descobri que não havia a menor possibilidade – nem de longe! – de voltar a viver lá (risadas). Em muitos aspectos, me senti uma estranha. Quando retornei aos Estados Unidos (ainda mais triste do que estava quando saí), decidi ler escritores guianenses para preencher uma parte do vazio que sentia. Mas fiquei desapontada com a escassez e a irregularidade das informações disponíveis online sobre eles e suas obras.

Então tive essa idéia louca de começar uma espécie de missão solitária, e escrever a respeito de todos os escritores e livros guianenses que caíssem nas minhas mãos. E a idéia do blogue nasceu, apesar de na época eu estar pensando numa newsletter, ou algo do gênero.

NL: Quais eram os blogues caribenhos que você lia regularmente antes de começar o Signifyin’ Guyana? Eles influenciaram sua decisão de se tornar uma blogueira?

CV: Eu nem sabia o que era um blogue até dois ou três anos atrás, quando comecei a buscar informações atualizadas online sobre os resultados das últimas eleições presidenciais na Guiana. Cada busca que eu fazia me mostrava alguns blogues guianenses, e não consegui mais parar de ler, especialmente aqueles que eram atualizados com regularidade. Fiquei impressionada com o conceito de um espaço de baixa manutenção, onde eu poderia escrever regularmente. Mas foram blogues como o seu e o de Guyana Gyal que acabaram me convencendo a iniciar o meu.

NL: Offline, você é professora de literatura e erudita. Você é também uma escritora que cria?

CV: Cuidado com essa facilidade de aplicar o termo “erudito” por aí, meu amigo (risadas).

Não, não sou uma criadora da escrita (grande risada). No entanto, se você observar os meus posts com atenção, verá traços de uma candidata à criadora. Mas o mundo da criação está a salvo, por enquanto. Não tenho nada em andamento.

NL: Você acha que os escritores caribenhos (e outros profissionais da criação) estão aproveitando suficientemente as ferramentas online, como os blogues? Que aspectos da vida e da cultura caribenhas gostaria de ver mais bem representados na Rede Mundial de Computadores? Que escritores gostaria de ver blogando?

CV: Há muitos escritores caribenhos que não têm presença na Rede, e ponto! Acho isso chocante na era em que estamos, quando tanta gente utiliza a Rede como primeiro recurso para obter a maioria das informações que deseja. É inacreditável que eles queiram um público leitor, quando nem mesmo colocam na Rede seu perfil como escritores.  Blogar, então, nem se fala.

Eu gostaria de ver TODOS os aspectos da vida e da cultura caribenhas mais bem representados na Rede. Atualmente, as melhores informações que você consegue sobre o Caribe (e com certeza você já sabe disso) são sobre as férias na região. Sem medo de estar repetindo Derek Walcott, parece que é só para isso que o Caribe serve.

E você deveria ver a expressão de desconfiança no rosto de alguns dos meus colegas quando lhes digo que estou usando três livros de autores caribenhos no meu curso, mas que nenhum deles é de Porto Rico, ou da República Dominicana, ou Danticat. É claro que adoro a literatura do Caribe de língua espanhola, e Danticat é uma das minhas escritoras favoritas. Mas estou um pouco cansada do monopólio que eles recebem quando se trata da literatura caribenha.

Na verdade, não consigo dizer que escritores gostaria de ver blogando, mas sem dúvida gostaria de ver um maior número deles interagindo com seus leitores na Rede.

NL: O que aconteceu de mais inesperado com o desenvolvimento do seu trabalho em Signifyin’ Guyana?

CV: A rapidez com que esse trabalho foi percebido. E a rapidez com que pude entrar em contato com os escritores que procurei alcançar, inicialmente. Aliás, eu já parei de fazer isso, mas eles ainda conseguem me encontrar. Esses escritores podem não ter muita presença na internet, mas certamente usam com regularidade os mecanismos de busca para achar informações sobre si mesmos. E isso me faz questionar, novamente, por que não há mais desses autores com uma presença ativa na Rede.

NL: Num de seus posts iniciais, você explicou a um leitor o que “signifyin” queria dizer. Poderia repetir essa informação para os leitores de GV?

CV: “Signifyin'” descreve a minha meta de dar visibilidade aos escritores guianenses, assim como um espaço significativo e de qualidade na Rede. O termo (um empréstimo que tomei da gíria dos negros americanos) também descreve o método que uso para lhes dar esse espaço, o que muitas vezes consiste em interpretar suas palavras e sugerir (em alguns casos) novas formas de compreender sua obra (além das críticas/interpretações que já existem sobre ela).

NL: A blogosfera guianense é conhecida pelas trocas de palavras duras, sem reservas – o que algumas vezes parece desnecessário para as pessoas que não fazem parte dela. Na sua opinião, por que isso acontece? Você já foi alvo de críticas que considerou impróprias?

CV: Os blogueiros guianenses que conheci (assim como alguns dos seus amigos que comentam nos blogues) são um grupo de pessoas inteligentes, de temperamento apaixonado, na maioria rapazes que não agüentam mais a corrupção na Guiana, e sua raiva e frustração encontram nos blogues uma válvula de escape. Quando usam isso uns contra os outros, parece mesmo desnecessariamente violento, mas acredito que muitas dessas manifestações sejam uma forma de desabafo. Eles xingam e brigam, e resistem mais um dia para continuar a xingar e brigar.

E é verdade que alguns meses atrás comecei uma briga com outro blogueiro por causa do termo “afro-guianense”, mas agora acho que meu ataque foi maldoso e indevido. Já me desculpei com o blogueiro, porém não sei se não terei a mesma reação se for chamada de “afro” outra vez.

Mas acredito sinceramente que os blogueiros guianenses sejam donos de um forte espírito de fraternidade, no qual tenho tido a felicidade de ser incluída de vez em quando.

NL: O seu blogue a ajuda a sentir-se mais conectada com as questões cotidianas da Guiana?

CV: Eu me sinto obrigada a acompanhar os assuntos do dia-a-dia do país, já que tenho a audácia de me declarar uma blogueira guianense (apesar de, você sabe, eu cortar meu roti com curry usando garfo e faca…).

Por isso, todo dia leio os jornais da Guiana online, e também os blogues. Dependo muito dos meus amigos blogueiros guianenses para conversar sobre o que está acontecendo por lá.

E sim, sem sombra de dúvida, blogar tem me ajudado a diminuir as saudades de um lar que, na realidade, não tenho mais ali. Blogando eu criei uma nova maneira de pertencer à Guiana que combina perfeitamente com a pessoa que sou.

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